Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim
Bolsonaro e o Édipo contemporâneo: os donos de verdades cegas
Outra possibilidade de leitura aproxima O mito clássico do Édipo Rei, do seu ocaso. Enquanto a personagem de Sófocles luta por uma verdade que ele próprio rejeita, Bolsonaro cria verdades aos pedaços para fugir dos seus atos
Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
Moraes determina que Bolsonaro inicie o cumprimento da pena de 27 anos na superintendência da Polícia Federal, em Brasília
Enquanto acompanho os dilemas pessoais e legais em torno do ex-presidente Bolsonaro, me pego lembrando do mito clássico que narra a história de Édipo Rei (Sófocles (496-406 AC). Todo mundo aqui sabe que Édipo matou o pai e casou-se com a mãe. Quando descobriu a verdade, furou os olhos e abandonou o trono de Tebas, deixando os filhos se digladiando para ocupá-lo.
Claro que o espaço aqui não comporta muitas considerações sobre a tragédia grega, portanto vou me deter em alguns detalhes bem importantes para o que o quero abordar hoje, sendo o mais importante convidá-la e convidá-lo a olhar Édipo de uma forma diferente. Ou seja, o homem alcançado pelos desígnios dos deuses, dos quais ele não poderia fugir, pode ser outro.
Não faz muito tempo, num estudo sobre essa tragédia, conheci uma abordagem um pouco diferenciada. De coitado, Édipo pode ser tirano e violento. A começar pela forma como o personagem mata o pai, Laio.
Num encontro casual os dois entram em discórdia sobre quem deveria ter a primazia de passar pela estrada onde estavam. Édipo avança contra Laio e o mata. Algum tempo depois, desvenda o mistério da esfinge e desposa a rainha de Tebas, viúva. Com ela, tem quatro filhos.
A tragédia de Sófocles começa afirmando que a cidade está sofrendo por causa de um crime. Édipo quer saber, então, do que se trata. Ninguém tem coragem de dizer coisa alguma e deixa para Tirésias, o profeta, a responsabilidade de informar a Édito o que aconteceu. Aos berros, o rei clama pela verdade, insiste, insulta, ameaça.
Quando Tirésias lhe diz que ele é o problema, Édipo se desorganiza, nega que tenha algo a ver com o fato, maldiz o profeta, ameaça castigo, rompe com ele.
Quando, enfim, ele junta as peças da sua vida, a verdade é dura demais para Édipo. No entanto, mantém o amargor, culpa os deuses e a humanidade pelo seu infortúnio, cega os próprios olhos ao considerar que eles não servem para nada, afinal de contas, tudo esteve ao alcance dele desde a sua infância. Bastava ter perguntado aos pais adotivos sobre sua origem ou ter tido a “curiosidade” de saber quem era o ex-marido da esposa Jocasta e as circunstâncias da sua morte.
Você pode dizer que se ele tivesse feito tudo isso não haveria tragédia e eu concordo com você, mas uma tragédia existe, entre outras coisas, para que possamos perceber o humano nos seus personagens. E, não por acaso, passei a achar Jair Bolsonaro muito parecido com Édipo no seu ocaso, nos retalhos das suas verdades, na impossibilidade de reconhecer seus erros, e na incapacidade de aceitar a Justiça manifestada contra suas escolhas livres e voluntárias.
No período de férias, sugiro a você ler “A Trilogia Tebana”, de Sófocles. Vou me ausentar em dezembro desse espaço, retornando em janeiro. Até lá, abraços e boas festas.
Análises. Opiniões. Fatos. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.