Logo O POVO+
O Rio de Janeiro é aqui (para o crime organizado)
Foto de Ricardo Moura
clique para exibir bio do colunista

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O Rio de Janeiro é aqui (para o crime organizado)

Entrevista do coordenador do Gaeco, Adriano Saraiva, nas Páginas Azuis do O POVO, confirma que condução da facção Comando Vermelho é toda feita a partir do estado fluminense. Chefes locais teriam apenas papel de gerência, subjugados aos "cabeças" da organização criminosa
Vista aérea do Grande Pirambu, um dos bairros "laboratórios do crime" usados pelo CV em Fortaleza, para reproduzir práticas da facção adotadas no Rio de Janeiro (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Vista aérea do Grande Pirambu, um dos bairros "laboratórios do crime" usados pelo CV em Fortaleza, para reproduzir práticas da facção adotadas no Rio de Janeiro

As Páginas Azuis com o promotor de justiça Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado no Ceará (Gaeco), publicadas nesta segunda-feira, 11, são um documento histórico crucial para compreendermos a atuação do Comando Vermelho no Estado. Trata-se de um relato, em primeira pessoa, de alguém que tem de lidar com o Crime por entre suas entranhas.

Das informações contidas na entrevista, algumas merecem destaque. A primeira, e mais preocupante, é sabermos que as lideranças locais possuem pouca autonomia, operando mais como gerentes que como líderes. As decisões mais importantes seriam tomadas a partir do Rio de Janeiro, cidade que abriga cerca de 200 membros refugiados do Comando Vermelho do Ceará. O número é cinco vezes maior do que se imaginava.

 Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, do Ministério Público Estadual. (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, do Ministério Público Estadual.

Não é novidade que Fortaleza se localiza em um ponto geográfico privilegiado no que diz respeito à rota internacional do tráfico de drogas. Quando constatamos que a capital cearense atua como um mero entreposto de uma organização criminosa de alcance nacional, fica evidente que não se trata de uma atividade criminosa de fôlego curto, mas sim de fluxo contínuo e sempre renovado de recursos pessoais e materiais.

Dentro dessa perspectiva, reprimir o tráfico torna-se uma ação quase inócua. As apreensões batem recordes ano a ano e o que muda? Membros do CV são presos, assassinados e as funções que desempenhavam acabam sendo repostas, conforme determinações de outro Estado. Isso sem mencionar no recrutamento feito em espaços geridos pelo poder público, como os presídios. A máquina de lucrar da governança criminal não cessa.

A chegada de gerentes do Rio de Janeiro para ocupar postos de comando em bairros de Fortaleza, em especial no Grande Pirambu, é uma mudança de estratégia que vem afetando diretamente as comunidades. A expressão usada pelos jornalistas na entrevista, “laboratórios de bairros", é bastante acertada, haja vista que nos deparamos com práticas que geram estranhamentos na rotina da população.

PICHAÇÃO: Ao entrar tire o capacete e baixe o vidro, da facção Comando Vermelho, no bairro Conjunto Ceará(Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima PICHAÇÃO: Ao entrar tire o capacete e baixe o vidro, da facção Comando Vermelho, no bairro Conjunto Ceará

Um exemplo disso: movimentos sociais e entidades dispunham de certo trânsito em comunidades dominadas pelo Comando Vermelho, havendo respeito pelos moradores mais antigos e pela manutenção de serviços que visavam aos interesses comunitários. Com a chegada de membros de fora, essa relação se torna ainda mais tensa. Não há mais comunicação nem acesso a pessoas que não sejam da facção. A cadeia de comando passa a operar exclusivamente sob os ditames do CV do Rio de Janeiro, isolando e amedrontando quem já vivia em tais locais há muito mais tempo.

Engana-se, contudo, quem acha que a presença do Comando Vermelho no Ceará é recente. O Estado é objeto das operações do grupo desde o começo da década de 1990, quando nove criminosos do Rio de Janeiro, ligados à facção, sequestraram uma empresária, em Fortaleza. Em 1993, a polícia desarticulou a primeira tentativa de constituir uma base no Ceará, no bairro Álvaro Weyne. Pichações com as iniciais do grupo começaram a aparecer. Na época, o CV travava uma guerra com o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro.

Três anos depois, Ernaldo Pinto de Medeiros, o "Uê do CV", apontado como o maior traficante do País, foi preso em um hotel de luxo em Fortaleza. De acordo com os investigadores, o criminoso buscava montar um núcleo do Comando Vermelho no Ceará a partir de treinamento para assaltos e sequestros, principal modalidade criminosa do período, bem como a montagem de uma estrutura de operações locais.

Vinte anos depois, a Guardiões do Estado (GDE) se forma como uma tentativa de reação ao avanço do grupo carioca. As duas organizações inicialmente entram em confronto, depois assumem uma posição de não-enfrentamento, no que ficou como a “pacificação", e, por fim, voltaram à carga fazendo com que os índices de homicídios batessem recordes no Ceará.

Durante a pandemia, assistimos a um novo pico de violência e ao processo de declínio da GDE perante seu principal rival causado, principalmente, pelas sucessivas operações conjuntas do Ministério Público e da Polícia Civil que resultaram na prisão de diversas lideranças e na perda significativa de territórios dominados pela facção cearense.

Atualmente, o Gaeco estima que o Comando Vermelho é o responsável por entre 70% e 80% das execuções que ocorrem no Estado. Embora tenhamos avançado no conhecimento das organizações criminosas, com resultados expressivos no trabalho de repressão, algumas informações permanecem desencontradas. Em entrevista recente, o governador Elmano de Freitas (PT) declarou que 90% das mortes ocorridas no Estado se devem ao conflito entre sete facções atuantes no Ceará.

O promotor Adriano Saraiva, por sua vez, reconhece apenas quatro: Comando Vermelho, Primeiro Comando da Capital (PCC), Guardiões do Estado (GDE) e a Massa/Tudo Neutro (TDN). Pode parecer detalhe, mas é importante que o poder público adote um discurso uniforme e coeso sobre uma realidade que aflige tantas pessoas.

 

 

Foto do Ricardo Moura

Um olhar analítico na segurança pública do Ceará e do mundo. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?