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Adriano Saraiva: "Existem 200 membros do CV do Ceará hoje no Rio"
Reportagem Seriada

Adriano Saraiva: "Existem 200 membros do CV do Ceará hoje no Rio"

Coordenador do núcleo do MPCE que investiga a atuação das facções no Ceará, promotor conta bastidores da operação que tentou prender criminosos cearenses escondidos na Rocinha. "Fomos surpreendidos"

Adriano Saraiva: "Existem 200 membros do CV do Ceará hoje no Rio"

Coordenador do núcleo do MPCE que investiga a atuação das facções no Ceará, promotor conta bastidores da operação que tentou prender criminosos cearenses escondidos na Rocinha. "Fomos surpreendidos"
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O promotor de justiça Adriano Saraiva, 50 anos, é o nome do Ministério Público Estadual (MPCE) à frente das estratégias e operações que tentam desmontar a ação das facções entranhada em todo o mapa cearense. Desde 2021, ele ocupa a coordenação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado no Ceará (Gaeco). Integra o mesmo núcleo desde 2018.

Para ele, a grande dificuldade de um combate mais eficaz às organizações criminosas "é a rapidez com que elas se movimentam". Hoje, por exemplo, segundo Saraiva, todas as decisões da maior facção presente no Estado, o Comando Vermelho, são tomadas diretamente do Rio de Janeiro. É onde estão refugiados os "cabeças" da organização.

O nome considerado o número 1 do CV no Ceará, afirma o promotor, é "ZM" (José Mário Pires Magalhães), um dos muitos que conseguiram fugir da megaoperação realizada em 31 de maio deste ano, na comunidade da Rocinha, realizada por agentes das polícias e ministérios públicos do Rio e do Ceará. Ele havia passado aquela semana in loco, nos preparativos da ação.

Saraiva afirma: "Segundo o levantamento que fizemos, existem cerca de 200 membros dessa facção criminosa (CV) do Ceará hoje no Rio. São 200 personagens lá, identificados". Número cinco vezes maior que o informado ao O POVO pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), em março deste ano. À época, a pasta informou que haveria cerca de 40 criminosos escondidos em comunidades fluminenses.

A operação de maio mirava 29 nomes da organização, porém apenas dois foram presos, os demais e outros mais escaparam morro acima. Nesta entrevista, o promotor revela bastidores daqueles dias, das horas mais tensas. Ele garante que não houve vazamento, mas admite que as autoridades dos dois estados foram surpreendidas. Pela quantidade de criminosos cearenses presentes na região naquele momento.

Uma tentativa de prendê-los naquelas condições poderia ter sido pior. "Pegou todo mundo de surpresa(...) Houve uma tomada de decisão conjunta, poderia haver um derramamento de sangue (...) Nós tínhamos 300 (agentes). Tinha que ter o dobro ali, e ainda assim seria arriscado". 

 

Assista ao documentário Guerra Sem Fim: Facções e Politica, no OP+. Abaixo, vc pode ver o trailer

 

 

O POVO - Como o senhor dimensiona o trabalho do Gaeco no combate ao crime organizado no Ceará?

Adriano Saraiva - O Gaeco foi criado exatamente com essa finalidade de combater as ações das organizações criminosas. Hoje nós temos cinco membros (promotores) que compõem o Gaeco, uma estrutura de servidores, um local próprio para fazer a extração e análise de material que a gente apreende nas operações, e analistas para examinar esse material. E qual seria, hoje, a grande dificuldade de combater mais eficazmente essas organizações criminosas? É a rapidez com que elas se movimentam.

Hoje a gente tem o movimento de uma facção carioca que mudou completamente a nossa atuação. Tem membros hoje que estão se escondendo no Rio de Janeiro. Primeiro, por um fator de estadia, de ter toda uma proteção da facção que é originada no Rio de Janeiro. E a dificuldade também de decisões. Inclusive, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que trouxe uma série de limitações para que operações fossem feitas no Rio.

Esses dois fatores contribuíram para que essas pessoas saíssem do Ceará e se escondessem lá no Rio, e de lá ficam ordenando todas as ações da facção. Isso fica difícil de combater. Nós estamos aqui e o combate tem que ser aqui.

OP - O que mudou na atuação do Gaeco ao longo dos anos, diante do avanço do crime organizado?

Adriano - Nós começamos a atuar nesse filão de agentes de segurança consorciados com membros de facção criminosa. Foi uma coisa não tão recente, mas que começou a ganhar volume. Na verdade, a manutenção, a possibilidade dessas facções dominarem determinado território, infelizmente, tem muitas vezes a anuência de agentes de segurança pública.

É mais difícil investigar o policial bandido, por quê? Porque ele sabe como é que investiga, sabe a metodologia. Esse tipo de bandido policial, na verdade, não é nem polícia. Digo que isso é uma minoria, mas que faz um estrago muito grande. A gente sabe que a maioria da polícia está comprometida em defender a ordem, a sociedade e nos ajuda.

Promotor Adriano Saraiva é coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) desde 2021, mas integra o grupo desde 2018(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Promotor Adriano Saraiva é coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) desde 2021, mas integra o grupo desde 2018

OP - A ostensividade é adotada como a solução do Estado para combater o crime organizado, mas as facções continuam expandindo território. O que é feito para impedir que as facções ocupem espaços que deveriam ser do Estado?

Adriano - A ostensividade é importante, mas mais importante é o trabalho de inteligência. Exatamente esse mapeamento, de adoção de medidas que impeçam isso de acontecer. O trabalho de inteligência não é uma coisa a curto prazo. Nosso principal desafio, dessa parte de inteligência, é a gente reprimir e diminuir esse avanço dessas facções criminosas.

OP - Hoje, qual é o grande alvo do Gaeco no Ceará?

Adriano - Os grandes alvos hoje são essas lideranças que estão no Rio. Hoje a pauta é essa. Inclusive é uma prioridade do procurador-geral (Harley de Carvalho). Ele priorizou para que o Gaeco resolvesse essa situação. Foram as palavras que ele usou: "Resolver a situação do Rio de Janeiro".

OP - Esses foragidos cearenses estão no Rio há quanto tempo?

Adriano - Eles estão lá há cerca de três anos. Inclusive há rotas de ônibus ali, Varjota e outras (cidades cearenses da serra da Ibiapaba e Zona Norte). Rotas muito antigas. Muita gente daquela região está morando no Rio. Antes o pessoal ia só para trabalhar, aí mudou. Com a figura das facções, mudou. É isso de ser uma pessoa visível, de ter algo de maneira imediata. De olhar para o filho da pessoa que tem mais condições e dizer: "eu tenho a mesma coisa que ele".

Adriano Saraiva conta que uma de suas estratégias de trabalho é adotar uma postura impessoalidade e acredita que tem dado certo. Até hoje não recebeu qualquer tipo de ameaça(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Adriano Saraiva conta que uma de suas estratégias de trabalho é adotar uma postura impessoalidade e acredita que tem dado certo. Até hoje não recebeu qualquer tipo de ameaça

OP - Tem alguma história que o impactou em relação a essa ascensão meteórica e do mergulho final no mundo do crime organizado?

Adriano - Não tenho. É tudo no mesmo padrão. Acho que já me deparei com tantas situações de violência que você acaba meio que se acostumando, não consegue mais se impactar. Já vi criminosos, infratores, de nove, dez anos, com um fuzil na mão, no Rio. Aqui no Ceará eles aparecem à noite, já com fuzil e tudo, mas aquela questão da vigilância, aquela cena não tem. Ainda não chegou aqui. Um outro detalhe, no Rio a gente sabe da dificuldade de chegar em determinados lugares. Aqui a gente consegue entrar em qualquer lugar. Ainda conseguimos.

OP - Quantas facções existem no Ceará e qual é a proporção do Comando Vermelho em relação às demais? Tem outras presenças, ou pelo menos rastros deixados de tentativas de montar base, como do Terceiro Comando Puro (TCP) e da Família do Norte (FdN)?

Adriano - Hoje, oficialmente, porque a gente trabalha com dados oficiais, com processos e com investigações, nós temos quatro facções criminosas. Tem a de origem carioca (CV), a de origem paulista (Primeiro Comando da Capital - PCC), a facção local (Guardiões do Estado - GDE) e tem um racha dessa facção do Rio, alguns dissidentes que formaram uma outra facção (Massa/Tudo Neutro -TDN). Outras realmente já tentaram, mas as que se sustentaram foram as quatro. As outras têm um indicativo de chegada, mas não sobrevivem.

Segundo o promotor Adriano Saraiva, uma das característica do Comando Vermelho é a territorialidade. A facção criminosa atua para ampliar suas áreas de atuação(Foto: ACERVO OPOVODOC)
Foto: ACERVO OPOVODOC Segundo o promotor Adriano Saraiva, uma das característica do Comando Vermelho é a territorialidade. A facção criminosa atua para ampliar suas áreas de atuação

OP - E a dimensão que o CV tomou no Ceará?

Adriano - Hoje o CV cresceu muito. Eles têm uma característica peculiar, que é a da territorialidade. Hoje, com essas ações do Rio, favoreceu muito para que crescessem aqui. A ordem é simplesmente ampliar o território do CV. Hoje é a maior facção aqui. Era a GDE, que teve um processo de enfraquecimento. Esse enfraquecimento acabou ajudando no crescimento do CV.

OP - Por que o Ceará se tornou tão estratégico para uma facção do Rio?

Adriano - Tanto para a paulista quanto para a carioca, tem vários fatores. O primeiro é a posição geográfica. É um estado muito próximo da Europa, da África, dos Estados Unidos. O escoamento da droga e das armas sai por aqui. O Rio Grande do Norte é até mais próximo, mas por que o Ceará? Porque, além da posição geográfica, o Ceará tem dois portos importantes, mas com baixa fiscalização. Nós temos um aeroporto hoje que é um hub de aviões, vários voos diretos, que também atrai isso.

E tem um estado em expansão imobiliária e com um turismo muito forte, facilita a lavagem de dinheiro, facilita o esconderijo desses principais membros da facção. Tanto é que o "Gegê" (Rogério Jeremias de Simone) e o "Paca" (Fabiano Alves de Souza), que foram mortos aqui (em 2018, ambos líderes do PCC), estavam morando aqui em um condomínio de luxo.

OP - Qual é a estratégia que as facções usam para se expandir? Como fazem para recrutar, quais promessas feitas aos jovens?

Adriano - Imposição e medo, essa é a maneira. Inclusive com vídeos mostrando como eles atuam. E aí encontram muitos jovens, que não estão na escola e que querem aparecer. Sentirem isso [micropoder], se sentirem importantes. Isso facilita a cooptação. Muitos adolescentes cometendo todo tipo de ações dessas facções. E a característica dela é a violência, a crueldade.

No CV hoje, a gente tem vários relatos de crimes bárbaros, como se a gente estivesse na época do Império Romano. São promessas de um mundo que não existe. É um mundo muito curto de você ter o dinheiro, o melhor carro, o melhor tênis, a melhor camisa de marca. Eles se sentem importantes com a arma, com o melhor tênis, com a namoradinha. Esse cenário é atrativo para eles.

O cearense José Mário Pires Magalhães, o "ZM", mantinha uma casa de alto padrão na Rocinha e viabilizava abrigo aos "irmãos" de facção (Foto: reprodução )
Foto: reprodução O cearense José Mário Pires Magalhães, o "ZM", mantinha uma casa de alto padrão na Rocinha e viabilizava abrigo aos "irmãos" de facção

OP - Hoje existe um "número 1" do CV aqui no Ceará, ou são vários? Qual o poder dele?

Adriano - Existe. É o "ZM" (José Mário Pires Magalhães), que está no Rio. Ele é o número um do Ceará. Não é o "Skidum" (Carlos Mateus da Silva Alencar). ZM começou como uma das lideranças e hoje realmente, pelas investigações, identificamos que ele é o número um. O Skidum está abaixo dele. É o poder de tomar as decisões mais importantes. No Ceará todo ele tem domínio. Em Santa Quitéria, era o "Doze" (Anastácio Paiva Pereira) que dominava. Ele, o ZM, dominava a região de Caridade, Canindé. O Skidum era a região aqui do Pirambu, mas isso mudou.

OP - Existe esse organograma já montado pelo Gaeco, a hierarquia, quantos e quais são esses "cabeças"? O Skidum e o Doze obedecem ao ZM? Como vocês definem quem é liderança dentro das facções?

Adriano - Hoje sim. Eles (Skidum e Doze) tinham uma autonomia antes, mas hoje, sim (obedecem). Hoje, as principais lideranças estão no Rio de Janeiro. Nós conseguimos identificar 29 lideranças subjugadas ao ZM. O líder é quando a decisão dele interfere em todo o funcionamento da organização criminosa. É quem vai realmente ditar quais são as regras e o que a organização criminosa deve fazer, mesmo de um grupo pequeno.

Eu diria, pelo menos com relação ao CV, que as lideranças daqui não são as que decidem o rumo da facção. As lideranças que estão aqui são menores, vão ter que submeter qualquer ordem, qualquer decisão, ao Rio de Janeiro. Eu diria que eles são gerentes.



OP - No perfil das facções e dos faccionados do Ceará, quais as diferenças?

Adriano - A facção do Rio (CV) tem um perfil mais violento, mais territorialista. A de São Paulo (PCC) é mais empresarial, usa a violência em momentos específicos. A local (GDE) é muito parecida, tem um perfil muito parecido com o CV. Tanto a local quanto a Tudo Neutro, que é uma dissidência dos membros do CV.

Algumas lideranças, insatisfeitas, rompem com o CV e passam a constituir essa nova facção. (Os faccionados cearenses têm poder e status) muito fortes. Primeiro, porque o Ceará é um estado muito importante para o Rio. E tem um perfil mesmo violento deles. A gente tem visto as execuções, verdadeiras barbáries. Impressionando inclusive traficantes do Rio.

OP - A informação de que teriam cometido mais de mil mortes procede?

Adriano - Em três anos, o delegado Marcos Aurélio (Departamento de Polícia do Interior, da Polícia Civil do Ceará) fez um levantamento e o CV tinha cometido, mais ou menos, mil mortes em três anos só aqui no Ceará. Hoje, na maioria das execuções que estamos vendo no dia a dia, o responsável é o CV. De 70% a 80%, eu diria.

Adriano Saraiva explica que a estrutura do Gaeco conta com cinco promotores, além de uma equipe para extração e análise de material apreendido nas operações(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Adriano Saraiva explica que a estrutura do Gaeco conta com cinco promotores, além de uma equipe para extração e análise de material apreendido nas operações

OP - O que eles comercializam, o que movimentam? Há uma cifra calculada? E em qual rota eles se abastecem de droga?

Adriano - As rotas do Norte, ali pelo Amazonas, muita droga ali pelo Solimões. E também do Paraguai e Colômbia, que isso vem pelo transporte de estrada e aéreo, helicópteros clandestinos. Eles encaminham muita droga por helicóptero clandestino. A gente não tem uma estimativa. Eles movimentam muito dinheiro.

Aquelas três casas que foram demolidas (na Rocinha, em 26 de junho último) foram avaliadas pela prefeitura do Rio em R$ 6 milhões. Casas como aquelas têm muitas lá na Rocinha, no Complexo Alemão, no Complexo da Maré. Qual é a atividade deles hoje? Ainda é droga, porque movimenta muito, armas também.

Mas estão começando um filão novo: o contrabando de cigarros. Porque a baixa fiscalização facilita. O prejuízo é menor. O transporte do cigarro é feito por caminhão. Já houve várias apreensões pela Polícia Rodoviária Estadual (PRE). O cigarro vem do Paraguai. É uma atividade antiga, mas eles estão usando mais, investindo mais.

OP - Eles também estão atuando muito na parte de serviços. O Gaeco tem isso mapeado?

Adriano - Como esse é um modelo mais do CV, então quem tem atuado nisso aqui mais forte é o CV. Eles estão legalizando o negócio. Ainda não temos mapeado. Como é coisa muito recente aqui, a gente ainda está tentando entender quais são os serviços. Os únicos foram os provedores de internet. Já temos algumas investigações, inclusive, exatamente com esses estabelecimentos que lavam dinheiro. Segmento de posto de gasolina, de imóveis, eles investem muito.

EMPRESAS de internet são alvos de novos ataques de facções em Caucaia(Foto: Reprodução/Leitor Via WhatsApp O POVO)
Foto: Reprodução/Leitor Via WhatsApp O POVO EMPRESAS de internet são alvos de novos ataques de facções em Caucaia

OP - Quantos criminosos do Ceará estão foragidos ou refugiados no Rio?

Adriano - Segundo o levantamento que fizemos, existem cerca de 200 membros dessa facção criminosa (CV) do Ceará hoje no Rio. São 200 personagens lá, identificados. Tinham muitos ali que são ligados a um traficante que também comanda aquela região da Rocinha, que foi quem deu guarida a esse pessoal aqui do Ceará. É o "Johnny Bravo" (John Wallace da Silva Viana). Ele é carioca mesmo.

OP - O número é muito alto, parece mais do que imaginavam.

Adriano - Nós tínhamos uma realidade: achávamos que estariam ali só os 29 alvos que já estávamos com os mandados de prisão e de busca. E quando a gente se deparou lá com a situação, foi completamente diferente. Na verdade, eram 29 mais 80 seguranças. Era essa a informação que nós tínhamos com os nossos monitores. Encontramos dez vezes mais.

OP - Vocês foram surpreendidos?

Adriano - Pegou todo mundo de surpresa. Na verdade, todos fomos pegos de surpresa com essa quantidade de membros que estavam lá, só naquela localidade da Rocinha. Eles são do Estado do Ceará todo. A dificuldade é justamente identificar onde eles ficam no Rio de Janeiro. Embora a gente já tenha conseguido delimitar essa área aí, mas há outros que não estão lá na Rocinha. Estão no Complexo da Maré, no Complexo do Alemão.

OP - Como está sendo a articulação entre as equipes do Ceará e do Rio de Janeiro nessa investigação? Teve vazamento? Por que ninguém foi preso?

Adriano - Primeiro que o pessoal do Rio tem interesse total, porque isso acaba trazendo também um prejuízo maior para eles. Há uma cooperação muito boa. Para essas operações, foram meses de planejamento. Não houve vazamento nenhum.

Era uma situação difícil em que a gente preparou um corpo de policiais e nos deparamos com aquela quantidade de bandidos. Tinha na faixa de 200 a 300 policiais. Nós fomos surpreendidos, porque inclusive vínhamos monitorando há quatro meses e aquela quantidade nunca tinha aparecido. A Polícia Civil, há muito mais.

O pessoal do Departamento de Polícia do Interior Norte (DPIN), que é o delegado Marcos Aurélio, investiga o Doze e os membros ligados a ele há muitos anos. Agora a gente se uniu. E esse é um fator importante: a integração. Para combater o crime organizado, a gente tem que estar integrado.



OP - Na época da operação houve um ruído bem forte entre governadores e polícias. Como foi aquele momento?

Adriano - Eu acho que a justificativa que foi dada ali não era a melhor justificativa, porque a gente sabe que não houve nenhum vazamento. Mas o trabalho que é feito no Rio de Janeiro é feito entre os Gaecos e a Polícia Militar. Aí não houve ruído, absolutamente nenhum.

A Polícia do Estado do Ceará, junto com o Gaeco, e o interveniente lá é o Gaeco do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Rio, com a Polícia Militar do Rio. Então, com relação a isso, não houve ruído nenhum. Pelo contrário, nós nos fortalecemos mais ainda, tanto que fizemos a terceira ação, que foi a demolição dos imóveis.

OP - O senhor pode contar bastidores daquela operação do Rio de Janeiro?

Adriano - Nós fomos lá. Fui eu e o delegado Marcos Aurélio, da Polícia Civil, a investigação foi conjunta e chegamos muito perto mesmo. No dia da operação, que foi na madrugada de sexta-feira para sábado (31 de maio), essa foi uma estratégia que a gente usou, porque no sábado normalmente não se faz operação. Dá um relaxamento maior (dos criminosos) e, durante toda aquela semana, estávamos monitorando e sabíamos que eles estavam lá.

Chegamos lá no início da semana e continuamos monitorando. Nós visualizamos vários descendo durante a semana, o que comprovava, realmente, que o trabalho estava sendo bem feito, que eles continuavam lá. No dia da operação, até mais ou menos umas 18 horas, estávamos com eles todos monitorados, eles estavam lá, os que a gente estava monitorando, na faixa de uns 15.

A gente conseguiu monitorar os 15, inclusive os personagens mais graúdos. Às 4h30min foi dado o start. Inclusive, houve tiroteio lá em cima, mais de 4h30min. Tudo isso, antes, a gente já estava visualizando a saída deles, a rota de fuga. Estava havendo um outro episódio no Rio, de um funkeiro que havia sido preso uma semana antes. E estava havendo uma movimentação, acho que era no Complexo do Alemão.

Isso inclusive foi para a nossa investigação. Era do Mc Poze do Rodo. Estava havendo uma movimentação para lá, o que inclusive facilitou a nossa operação. E me parece que tinha muitos desses membros do CV, que estavam lá na Rocinha, indo para lá reforçar uma eventual operação que aconteceria lá no Complexo do Alemão.

Operação cumpre 29 mandados de prisão e 14 de busca e apreensão na comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro(Foto: Reprodução / Governo do Rio de Janeiro e redes sociais)
Foto: Reprodução / Governo do Rio de Janeiro e redes sociais Operação cumpre 29 mandados de prisão e 14 de busca e apreensão na comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro

OP - Teve um momento de recuo?

Adriano - Eu não diria recuo, mas houve uma tomada de decisão conjunta, porque poderia haver um derramamento de sangue. Aqui do Ceará estávamos eu, o subprocurador-geral de Justiça, Plácido Rios. Não tinha policiais cearenses. Tinha também o delegado-geral, Márcio Gutiérrez, e o secretário da Segurança, Roberto Sá. Então, houve ali uma decisão.

Eram muitos bandidos e a gente sabe que os policiais poderiam ser atingidos. Inclusive teve um policial que foi atingido. Houve essa preocupação. Já tinha o tiroteio começado. Inclusive há dificuldade muito grande de acesso. São ruas estreitas. Eles estavam exatamente onde é a última rua que dá acesso à mata. Às 4h20min eles começaram a fugir.

OP- Mas, se vocês começaram às 4h30min, então houve antecipação deles.

Adriano - Houve por causa dessa situação lá do Complexo do Alemão. Havia membros de lá, que a gente deduziu, que estariam indo para lá para reforçar, porque havia rumores de que haveria por lá uma operação, por causa da prisão do funkeiro.

OP - Não havia possibilidade de fazer um cerco?

Adriano - Não tinha como. Não havia gente suficiente para fazer isso, porque foi uma surpresa, uma quantidade muito grande. Nós tínhamos 300. Tinha que ter o dobro ali e ainda assim seria arriscado. Eles estavam todos armados com fuzil, com kit de sobrevivência. Eles são preparados para aquilo. Continuam no Rio de Janeiro. Dois daqueles 29 foram presos.

A Polícia Civil conseguiu prender aqui o operador financeiro. Ele voltou para cá, a gente não sabe a razão. Ele foi preso em Santa Quitéria, era um dos que estavam nos 29 mandados de prisão. Um outro também foi preso. Era outro membro, menos importante, mas que também é considerado liderança. É o "Pacote" (Anderson Bruno Soares Silva). Ele está preso no Rio. A gente está tentando ver a transferência, porque lá ele continua dentro do sistema com um celular.

OP - A forma como eles agem no Rio está sendo muito espelhada nos chamados "laboratórios de bairros", como Sapiranga, Pirambu, Vicente Pinzón.

Adriano - Fizemos essa leitura não só no Pirambu e no Vicente Pinzón, porque hoje é nesses, amanhã pode ser outro. A gente tem o mapeamento do estado todo, justamente para nessa situação de crise saber quem é a liderança e qual é o remédio que vai adotar ali.

Estamos fazendo várias operações. Não só a gente como a polícia. E isso vai ter um efeito. Lógico que não é imediato, vai surgir daqui a algum tempo. Mas não tenha dúvida de que a gente vai conseguir, principalmente com esse trabalho lá no Rio, mudar muito o quadro aqui.

Promotor de justiça Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, em entrevista aos repórteres Cláudio Ribeiro e Gabriele Félix(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Promotor de justiça Adriano Saraiva, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, em entrevista aos repórteres Cláudio Ribeiro e Gabriele Félix

OP - Quantos candidatos foram ou podem ter sido eleitos com a ajuda do crime?

Adriano - Nós estamos trabalhando nessa investigação. Teve um colaborador que passou não só a relação desse prefeito, mas de diversos outros políticos com o crime organizado. Segundo as informações, são mais de 50 políticos no Estado. É uma investigação em andamento. A gente vai trabalhar exatamente essas investigações para impedir que essas pessoas saiam candidatas ou sejam reconduzidas.

Tivemos a Operação Voto Livre, de Santa Quitéria. Foi uma operação inédita no Brasil, do ponto de vista eleitoral. Existiam informações sobre políticos envolvidos com o crime organizado, mas, até então, não tínhamos uma prova concreta, principalmente de um prefeito vinculado a uma facção criminosa. Nessa operação, identificamos que o prefeito de Santa Quitéria tinha, sim, uma relação direta com uma dessas lideranças que estavam no Rio.

Inclusive descobrimos, durante a investigação, que esse prefeito havia mandado aqui um veículo e o valor de R$ 1,5 milhão para serem entregues a essa liderança do Rio. Para que ele pudesse pagar os membros da facção, que estavam vindo aqui para o Ceará, para ameaçar os eleitores do opositor desse candidato, que era prefeito e foi inclusive, reconduzido. Houve uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), e tem uma ação penal.

Na Aije, ele foi cassado e o próprio Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE) manteve a decisão e a ação penal está tramitando. Foi algo inédito, na seara eleitoral, a comprovação da ligação do prefeito com a facção criminosa.

OP - Como o senhor lida com sua vida pessoal em meio ao trabalho contra as facções criminosas?

Adriano - Eu tento manter uma postura imparcial. Como é isso? Nas minhas investigações do Gaeco não cito nomes. Eu tô fazendo um trabalho técnico. Isso faz com que impessoalize as ações. Até hoje eu nunca fui ameaçado e tenho feito o meu trabalho com essa postura de impessoalidade. Até hoje tem dado certo.

Eu tento adotar essas técnicas de não falar nome dos envolvidos, não falar nome de facção, porque acho até que você promove a facção criminosa. Esse tipo de postura técnica talvez tenha me protegido mais, vamos dizer assim. Eu tô combatendo, mostrando que há aquele problema, que a gente tá combatendo, tá prendendo, mas sem chegar a personalizar. Talvez essa metodologia que adoto até hoje tenha dado certo.

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