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Uma mãe vai competir com medo de perder a filha
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.

Sara Oliveira comportamento

Uma mãe vai competir com medo de perder a filha

Com ou sem medalha, a velocista Flávia Maria de Lima, de 31 anos, quando voltar ao Brasil, provavelmente terá a sua viagem "protocolada" no processo que trava com o ex-marido na Justiça.
Tipo Análise
Atleta profissional, velocista Flávia Maria de Lima (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Atleta profissional, velocista Flávia Maria de Lima

Nesta sexta-feira, 2 de agosto, uma mãe participará de uma prova olímpica, na França, com medo de perder a guarda da filha de seis anos. Com ou sem medalha, a velocista Flávia Maria de Lima, de 31 anos, quando voltar ao Brasil, provavelmente terá a sua viagem “protocolada” no processo que trava com o ex-marido na Justiça. Ela conta que suas viagens para participar de competições - rotina de qualquer esportista profissional - estão sendo justificadas pelo pai da criança como abandono.

Quantos homens você conhece que trabalham viajando? Quantos deles são acusados de abandonar os próprios filhos? Quem cuida dessas crianças enquanto esses homens estão viajando? Quantos atletas homens que estão protagonizando o sonho de uma vida precisarão correr, nadar, jogar… com a preocupação de não mais poder cuidar e estar com os filhos quando voltarem para casa? Muito provavelmente, nenhum.

A realidade que atravessa a atleta olímpica é vivida por qualquer uma que ouse encarar a desigualdade entre homens e mulheres, seja em casa ou no mercado de trabalho. Que assuma para si e para a sociedade que é capaz e tem o direito de trabalhar, avançar, se dedicar, conquistar. De viajar e se ausentar quando necessário, contando com uma logística que a acolhe e apoia, dando a possibilidade de conquistas, cotidianas ou internacionais. Do jeitinho que acontece com os homens.

No mesmo dia em que vi os relatos da Flávia, li uma história que me fez constatar como as mulheres e mães ainda são julgadas pela sociedade, seja na esfera pública, da Justiça e das políticas públicas, seja na esfera familiar. E o quanto isso favorece que padrões limitantes e injustos prosperem. De acordo com informações da Defensoria Pública do Ceará, uma mãe de cinco filhos, que era vítima de violência doméstica, passou dois anos visitando as crianças em abrigos, a cada 15 dias, até conseguir provar que no lugar de algoz, ela era vítima, e poderia cuidar dos filhos.

O resumo da história é esse: em Beberibe, vizinhos denunciaram uma situação de negligência, maus tratos e violência contra a mãe e o pai das crianças. Após parecer do Conselho Tutelar, teve início então um processo de destituição familiar. A mulher conta que perdeu a guarda os filhos, que têm entre 14 e 2 anos, porque eles presenciavam muitas cenas de violência. “Eu precisava entender primeiro o que estava acontecendo comigo para poder ajudar meus filhos”, disse ela sobre o dia em que as crianças saíram de casa.

A mãe passou a visitar os filhos (quatro meninas e um menino - que chegaram a ser separados) no abrigo, com o companheiro. As assistentes sociais identificaram o contexto de violência doméstica e a incentivaram a denunciar. Ela o fez, teve uma medida protetiva cumprida e, após já certo andamento do processo de destituição, quase com conclusão negativa, ficou constatado que “nenhuma testemunha apontou qualquer indício de maus-tratos”. Ele reaveu a guarda das crianças.

Quantos protocolos judiciais, assim como os que ameaçam a guarda da mãe olímpica, afirmaram que essa cearense, mãe de cinco filhos, não era digna de criar os próprios filhos, antes que ela conseguisse ser realmente ouvida e apoiada?

Eu desejo boa sorte, força e muito sucesso para a Flávia!

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