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As "Águas de Março" chegaram e, sem estrutura e preparo, Fortaleza tem muito a perder
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade

Sara Oliveira comportamento

As "Águas de Março" chegaram e, sem estrutura e preparo, Fortaleza tem muito a perder

Uma criança foi sugada por um bueiro que estava sem as grades de proteção. Fruto da transformação urbana de Fortaleza, que ainda não consegue enfrentar os efeitos das chuvas
Criança sugada em bueiro, no Bom Jardim, foi encontrada, socorrida e encaminhada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA)  (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Criança sugada em bueiro, no Bom Jardim, foi encontrada, socorrida e encaminhada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA)

Uma mesma informação foi compartilhada nos grupos de Fortaleza e Região Metropolitana na última quinta-feira de fevereiro: começava uma chuva estranha, com trovões que duravam até 15 segundos e relâmpagos que devem ter feito muita gente cobrir os espelhos de casa.

"Assombrosa" e "maluca" eram algumas das referências para a precipitação, que somou 178mm e durou da noite até a manhã sem parar. 

No início da madrugada da sexta, as imagens de uma criança caindo em um bueiro já circulavam pelas redes sociais. Cenas impressionantes de uma família desesperada em um cenário de alagamento intenso em um dos bairros periféricos da Capital.   

Uma menina de cinco anos estava no meio do temporal e caiu em uma boca de lobo, percorreu metros arrastada pela água, até que se segurou em plantas e conseguiu ser salva. Ela foi levada ao hospital e sofreu apenas um arranhão na testa. 

Não tem como não dizer "Foi coisa de Deus", seja lá qual for a sua fé.

No dia seguinte, O POVO foi ao local e constatou que a boca de lobo, aquele buraco imenso enfiado entre o asfalto e a calçada, estava sem as grades de proteção. O local tem função de receber (escoar) águas pluviais, de chuva. 

De acordo com a Prefeitura, a boca de lobo "sofreu alterações de terceiros, tendo a estrutura e dimensões modificadas". Uma descrição básica do que mais acontece nas transformações urbanas da Capital.

O cenário de Fortaleza exposto durante as chuvas há muito é o mesmo: lixo, ruas que têm correnteza, esgoto estourado, bocas de lobo entupidas, eletricidade exposta, moradias em condições precárias, crianças e idosos vulneráveis. 

A Capital - e outras grandes cidades, como Caucaia e Aquiraz, que também apresentaram problemas graves de infraestrutura após fortes precipitações, não conseguem enfrentar o inverno de uma forma estruturalmente preparada. 

A Defesa Civil de Fortaleza registrou mais de 200 ocorrências em 24 horas no dia em que a criança foi sugada pelo bueiro. Já são 630 ocorrências desde o dia 1º de janeiro. 

A incapacidade em lidar com os efeitos das mudanças climáticas também pode ser vista em vias de bairros mais estruturados, cada vez mais sufocados por tantos empreendimentos.

Pode ser vista na tão famosa obra da avenida Heráclito Graça, que era cara demais, se tornou prioridade e ainda assim pode não surtir efeito em uma chuva mais intensa. A intervenção, moeda de briga política, fez o ex-prefeito Sarto comemorar que o local da obra - que ainda não acabou - não havia alagado no dia em que a menina foi sugada pelo bueiro. 

As atividades cotidianas de uma cidade como Fortaleza exigem mais estrutura e consciência. E decisões que tenham como objetivo o benefício da população a longo prazo. Há quase duas décadas cobrindo a editoria de Cidades, o que sempre escutei dos mais diferentes especialistas da área de urbanismo, é que falta planejamento

Adensamento urbano, desigualdades sociais, falta de consciência e educação ambiental, não preservação dos espaços públicos, pouca cultura patrimonial... problemas que sempre existirão em uma grande cidade e que se acentuam numa Fortaleza que ainda aguarda a atualização do seu Plano Diretor há anos atrasado e ainda vai começar o zero.  

As "Águas de Março" cheguaram e, sem estrutura e preparo, elas podem levar muito dos fortalezenses. 

 

 

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