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Revolta da Vacina, caldeirão de ressentimentos e interesses
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

Revolta da Vacina, caldeirão de ressentimentos e interesses

O acontecimento de 1904, no Rio de Janeiro, foi uma conjunção de interesses, inabilidades e discordâncias de como a população vinha sendo tratada pelo governo. Acontecimento histórico brasileiro que merece reflexões, especialmente nesses tempos de Covid-19
Tipo Análise
Charge com Oswaldo Cruz em referência à Revolta da Vacina na Revista O Malho (Foto: Hemeroteca da Biblioteca Nacional)
Foto: Hemeroteca da Biblioteca Nacional Charge com Oswaldo Cruz em referência à Revolta da Vacina na Revista O Malho

O Rio de Janeiro, no começo do século XX, era capital do Brasil, portanto, Distrito Federal. Cidade com cerca de 800 mil habitantes, fruto do crescimento desordenado desde o Império era foco endêmico de diversas doenças, principalmente, febre amarela, varíola e peste bubônica.

Rodrigues Alves assumiu a Presidência do Brasil (1902-1906) com a meta de implementar uma profunda reforma urbana no Distrito Federal que refletisse os ares modernos da República, recentemente implantada e contestada.

Quanto a reforma urbana, o engenheiro Pereira Passos tornou-se prefeito do Distrito Federal com amplos e incontestes poderes. Avenidas alargadas, velhos casarões e cortiços postos abaixo, aproximadamente 700 edifícios destruídos. Criou-se uma crise na habitação com elevação dos aluguéis e migração para subúrbios e morros da população de baixa renda.

Além da remodelação do Rio de Janeiro, Pereira Passos interferiu nos costumes da população incompatíveis com a “construção” da pretensa capital moderna. Destacam-se proibição de cães vadios e vacas leiteiras nas ruas; proibição de hortas e capinzais, criação de suínos e venda ambulante de bilhetes de loteria; recolhimento dos mendigos a asilos.

Oswaldo Cruz assumiu, em 1903, a Diretoria Geral de Saúde Pública, recebeu completa liberdade de ação e recursos para adotar medidas sanitaristas. Dentre as ações estavam fiscalizar e demolir casas e construções, contava com foro especial, dotado de juiz nomeado para extinguir os processos e dobrar as resistências.

Com relação a febre amarela, através de brigadas conhecidas como “mata-mosquitos” Oswaldo Cruz objetiva a eliminação do mosquito e isolamento dos doentes nos hospitais. A maneira autoritária e invasiva nas residências, como as desapropriações e interdições causaram insatisfação na população.

 

"A obrigatoriedade da vacina contra a varíola existia no Brasil para crianças desde 1837, para adultos desde 1846. Todavia, foi daquelas leis que não eram cumpridas." Sérgio Falcão, historiador

 

A peste bubônica foi combatida com a caça de ratos e pulgas, também a limpeza e desinfecção das casas e ruas. Uma das medidas foi incentivar a população a caçar ratos em troca de remuneração, infelizmente, sempre há os desonestos e alguns passaram a criar ratos para assegurar uma renda.

Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a obrigatoriedade da vacina contra a varíola existia no Brasil para crianças desde 1837, para adultos desde 1846. Todavia, foi daquelas leis que não eram cumpridas. Triste, histórica e imoral desobediência cívica brasileira.

Para combater a varíola foi encaminhada ao Congresso Nacional lei que tornava obrigatória a vacina em todo Brasil, caso houvesse recusa seria multado e somente com comprovante de vacinação seria possível conseguir contrato de trabalho, matrícula de escola, certidão de casamento, autorização de viagem etc.

Aproveitando-se da crescente insatisfação popular com os abusos, violências, desocupações e autoritarismo das medidas sanitaristas e urbanísticas que o governo vinha implementando, grupo de políticos (no Senado, sob a liderança do tenente-coronel Lauro Sodré, e, na Câmara, do major Barbosa Lima) e militares, mais diminutos setores da sociedade civil tinham interesse em capitalizar tal manifestação para deposição de Rodrigues Alves.

 

"Ações arbitrárias e autoritárias somaram-se à obrigatoriedade da vacina de esposas e filhas, tal afronta à sociedade conservadora somou-se a inabilidade do governo em comunicar e conduzir a questão sanitária."

 

A Revolta da Vacina dar-se com motins no Rio de Janeiro a partir de 10 de novembro de 1904, inicia com o vazamento para a imprensa do decreto da obrigatoriedade aprovado pelo Congresso no dia 9 de novembro.

Os protestos dirigiam-se aos serviços públicos, com característica dispersiva e espontânea da população que não aderiu às forças interessadas na queda do Governo Rodrigues Alves. As manifestações concentraram-se nos bairros da Saúde e no Sacramento, mas espalharam-se por diversos bairros do Rio. A fúria dos manifestantes visou a interrupção do trânsito, estabelecimentos e casas de espetáculos fechadas, lampiões e iluminação pública quebrados, bondes incendiados e trilhos arrancados, barricadas, árvores derrubadas, edifícios públicos e particulares e delegacias de polícia atacados.

A pulverização dos conflitos e o enfrentamento com as forças de segurança públicas arrefeceu os ânimos com a decretação do estado de sítio e revogação da vacinação obrigatória em 16 de novembro. Nos dias seguintes motins isolados e a repressão policial encarregaram-se de findar a revolta. Os dados da repressão contam 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos.

Há múltiplos entendimentos para compreender a Revolta da Vacina, descritos acima, porém, acrescentamos reflexão do historiador José Murilo de Carvalho no qual considera como principal motivo a questão moral da população. Ações arbitrárias e autoritárias somaram-se à obrigatoriedade da vacina de esposas e filhas, tal afronta à sociedade conservadora somou-se a inabilidade do governo em comunicar e conduzir a questão sanitária.

 

Foto do Sérgio Falcão

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