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João Eudes: "A paleoarte facilita a linguagem científica. A imagem é universal"
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João Eudes: "A paleoarte facilita a linguagem científica. A imagem é universal"

Artista do Cariri fala sobre os desafios de se ilustrar o passado e as potências da paleoarte para a divulgação científica
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João Eudes, paleoartista do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal João Eudes, paleoartista do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens

Quem visita o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), logo nos primeiros passos, depara-se com ilustrações retratando o cotidiano de dinossauros e pterossauros — aqueles répteis voadores pré-históricos — do Cariri nas paredes. Em preto-e-branco ou coloridas, as obras são do paleoartista João Eudes, de 31 anos.

Natural de Barbalha (CE), Eudes é licenciado em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri (Urca) e atua como bolsista no MPPCN. O artista sempre foi interessado por desenhar a natureza, mas, na faculdade, conheceu a paleoarte ― ramo focado na ilustração da biodiversidade pré-histórica ― e foi definitivamente fisgado.

No museu, ele é responsável por contextualizar os visitantes sobre como eram e interagiam os animais do Cretáceo inferior, entre 145,5 milhões e 99,6 milhões de anos atrás). Ao O POVO, João falou sobre os desafios da paleoarte e sobre a importância dela para a divulgação científica.

O POVO - Que tipos de conhecimentos é preciso ter para conseguir fazer essas reconstruções?

João Eudes - Um dos desafios é porque ainda tem uma separação entre arte e ciência. A ilustração científica ainda é muito vista como um suporte para a informação científica, tem um preconceito sobre ela como um objeto de arte independente. Que possui sua própria linguagem. A gente até ignora o fato de, antes de existir o conceito de ilustração científica, ela era uma forma de arte dos exploradores, de documentação dos viajantes.

Já no desenho, vem essa questão do conhecimento científico. Eu não tenho formação em Biologia, aí eu tenho que partir muito de interesse próprio de entender como funciona esse tipo de conhecimento também. Eu não tenho formação, mas desde pequeno eu gostei de pesquisar temas voltados para isso, então acho que me auxiliou também. Mas existe uma necessidade muito maior quando você trabalha com esse tema de você fazer um estudo mais aprofundado.

Não tem como você ilustrar uma espécie extinta apenas com suposições que você imagina sobre (ela). Você tem que pesquisar tudo a respeito da descrição daquela espécie pra fazer algo com embasamento correto, por mais que não se saiba qual era a forma exata, 100 por cento, de um dinossauro, de um paleoambiente. Por mais que você tenha licença poética, você tem que dizer como e por que tá usando aquela cor, com alguma base científica plausível.

O POVO - De todas as paleoartes que você já fez até agora, qual foi a mais complexa?

Eudes - Eu costumo trabalhar mais com a parte de ilustração, mas eu já fiz alguns modelos tridimensionais também. O processo de construção é muito semelhante. Se você for parar pra pensar, uma escultura, o desenho, a pintura, uma fotografia, têm geralmente o mesmo tipo de pesquisa para construir uma imagem.

Um que eu acho que foi o trabalho diferente do que eu já tinha feito foi a reconstrução do Aratasaurus museonacionali, que eu fui convidado a fazer a reconstituição para a divulgação da espécie. Já tinha sido feita uma ilustração dele, mas estavam querendo uma reconstituição de como seria o animal vivo em sua forma tridimensional. Aí me convidaram pra fazer esse trabalho e foi o que eu mais tive o suporte científico, porque eu não tinha toda essa informação sobre o animal. Eu sabia de forma muito superficial.

Paleoarte do Aratasaurus, inspiração base para a reconstrução feita por João Eudes.
Foto: Maurílio Oliveira / Divulgação
Paleoarte do Aratasaurus, inspiração base para a reconstrução feita por João Eudes.

E aí os paleontólogos que estavam trabalhando na descrição dele é que foram me explicando toda a filogenia do animal, a quais grupos ele se encaixava, e a partir disso, junto com o desenho que já tinha sido feito pelo Maurílio Oliveira, eu criei outra representação do dinossauro e, quem olhasse, visse que é o mesmo animal.

Todo o processo que eu fui fazendo eu fui apresentando pro pessoal como tinha chegado no resultado e eles iam dizendo se estava ok, se precisava de alguma alteração. Porque falta um monte de informação nesse tipo de pesquisa, você tem que ir preenchendo esses espaços com coisas que não existem.

Por exemplo, o Aratasaurus é uma perna, só (o fóssil). E a base da reconstituição dele é principalmente em grupos de dinossauros da China, que são muito próximos evolutivamente com os daqui do Cariri. Como lá tem esqueletos bem mais completos, eles fornecem informações pra preencher os daqui.

Teve muita coisa que eu tive que seguir meus instintos. Uma coisa que eu tive muita dúvida foi sobre a largura do animal. Pela pesquisa que eu estava fazendo, estipulei que era um animal estreito, aí eu fui vendo outros grupos e fui adaptando.

O POVO - Qual o papel da paleoarte no processo de divulgação científica?

Eudes - A paleoarte tem alguma autonomia de transmitir alguma informação. Lá é um museu de Paleontologia, de fósseis. Os fósseis são o mais importante que existe lá. No caso, essas imagens que eu trabalho é mais como um suporte mesmo, de compreender melhor aquele contexto sem necessitar, obrigatoriamente, de alguém lhe guiando a todo momento.

Você vê o fóssil, e você vê um cenário lá, você compreende como aquilo tudo estava agrupado em um ambiente. Nem todas as ilustrações estão relacionadas a um fóssil. Algumas são mais livres, meio que conduzindo, chamando o visitante para algum local, e outras estão colocadas de acordo com o tema. Tem umas ilustrações que vão ser adicionadas agora às tartarugas, ao paleoambiente Crato e aos peixes e serão posicionadas estrategicamente com os fósseis, para que as pessoas vejam o fóssil, observem a imagem e compreendam como era o ambiente no passado.

O POVO - Qual a sensação de trazer à vida essa biodiversidade?

Eudes - É muito gratificante. E uma responsabilidade grande também, porque é um trabalho que tem que ser levado muito a sério. Como eu tenho formação artística, eu tenho que saber diferenciar uma livre expressão, uma licença poética, da informação científica que tem dentro do meu trabalho.

Se eu trabalho uma imagem com alguma informação incorreta, eu estarei sendo negligente. Vou estar passando a informação errada para quem estiver vendo aquilo. Tem que ter responsabilidade.

E dá orgulho também, você saber que você está dando forma a coisas que a maioria das pessoas quer saber como era. Poucas pessoas têm o domínio de transmitir isso em imagem, porque não é sempre que o paleontólogo consegue.

É muito gratificante saber que é um trabalho que você faz e que está simplificando a informação para um público leigo, de certa forma. Um artigo científico possui informações muito complexas, até pra mim que já tô familiarizado, agora, mas eu ainda sinto muita dificuldade. E a paleoarte facilita essa linguagem, pega toda a informação de um artigo, por exemplo, e traduz aquilo em uma imagem que é universal. Independente de língua, localidade ou formação você vai conseguir compreender aquilo.

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