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Sargento é indiciado por homicídio de Mizael Fernandes
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Sargento é indiciado por homicídio de Mizael Fernandes

Outros dois PMs foram indiciados por fraude processual. O adolescente de 13 anos foi morto em 1º de julho último, em Chorozinho
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MIZAEL Fernandes, de 13 anos, foi assassinado enquanto dormia (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE MIZAEL Fernandes, de 13 anos, foi assassinado enquanto dormia

O sargento que participou da operação em que foi morto Mizael Fernandes da Silva Lima, de 13 anos, foi indiciado por homicídio pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI). Enemias Barros da Silva também foi indiciado por fraude processual, assim como outros dois soldados que atenderam à ocorrência. O relatório com o indiciamento foi enviado à Justiça na última segunda-feira, 21, e aguarda manifestação do Ministério Público Estadual (MPCE).

Conforme a peça, ao qual O POVO teve acesso, apesar de outras diligências serem “importantes”, a autoria e materialidade do crime estão definidas. É mencionado que o relato dos policiais apresenta "série de incongruências" com relação à arma que dizem que Mizael portava quando baleado. Também é afirmado haver “indícios fortes” de que a cena do crime foi alterada deliberadamente. "Foi uma operação baseada numa informação de um homem de apelido 'Sequestro', que não tinha notícia de mandado de prisão, foi realizada na madrugada, em que as formalidades legais não foram sequer observadas, sem tempo de avaliar a veracidade da informação repassada, culminando com a morte do Mizael", diz trecho do relatório.

A morte de Mizael ocorreu na madrugada de 1º de julho último, em Chorozinho. Conforme relataram os policiais, ao ingressarem no quarto da casa onde Mizael estava, os militares se depararam com um "homem" deitado na cama, com uma arma na mão. Os PMs teriam mandado ele largar a arma, mas não foram atendidos. O tal suspeito ainda teria feito menção de atirar, o que levou os PMs a disparar, cada um, com fuzil. Em seguida, encaminharam Mizael ao Hospital Municipal, onde ele viria a morrer.

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A apuração da DAI, porém, cita depoimentos de familiares que presenciaram o crime e afirmam que Mizael não tinha arma, que não houve voz de comando, que apenas o sgt Barros entrou no quarto e que apenas um tiro foi disparado. Após o disparo, o PM teria dito "fiz merda", expressão que repetiria outras vezes. Os PMs teriam aguardado a chegada de reforços, proibido os parentes de Mizael de entrarem na casa e, só então, colocado-o na viatura. Os militares também teriam voltado ao local do crime com objetos como borrifador e saído depois de algum tempo levando edredom e travesseiro, entre outros. “Nem a cápsula ejetada do fuzil nem o projétil que transfixou o corpo da vítima e se alojou no colchão foram encontrados”, diz o relatório, assim como “não havia rastro de sangue no local”.

O médico legista ouvido no inquérito afirmou ser possível que Mizael estivesse vivo quando socorrido, mas ponderou que o socorro deveria ter sido muito rápido, "pois o hilo pulmonar (onde ele foi atingido) é formado por veias e artérias muito calibrosas".

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Sobre a arma que teria sido encontrada com Mizael, a peça afirma ser "complexo" responder se a arma estava ou não em posse do garoto. O Exército e a Taurus, empresa fabricante da arma, foram procurados, mas não puderam informar a quem o revólver pertencia. A Polícia Federal ainda não respondeu. O relatório cita, porém, que “todas as testemunhas ouvidas, vizinhos, diretor da escola, informações provenientes da delegacia e da escola, (afirmaram que) Mizael não tinha qualquer envolvimento com a criminalidade, era um garoto tranquilo, gostava de ficar em casa e de montar cavalo, nunca foi visto armado ou com companhias inadequadas”.

Apesar de três tentativas, os PMs indiciados ainda não foram ouvidos pela DAI, somente pela Delegacia de Eusébio, para onde o caso foi inicialmente levado. Os PMs dizem aguardar habeas corpus, que questiona a competência da DAI para investigar crimes militares.

Crime

O sargento Enemias Barros da Silva foi indiciado por homicídio qualificado, por motivo fútil (artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal)

A MORTE DE MIZAEL - CRONOLOGIA

- Em 30/6/2020, Mizael Fernandes da Silva, de 13 anos de idade, chega à casa da tia para fazer um tratamento dermatológico na sede de Chorozinho. Ele vem da localidade de Salgado, na zona rural

- Na madrugada de 1º/7/2020, a tia de Mizael, Lizangela Rodrigues é surpreendida por pelo menos três policiais do Comando Rural da Polícia Militar do Ceará (Cotar) que batem no portão da casa e gritam "é polícia". Ela, o marido, dois filhos e um tio assistiam televisão na sala

- Os policiais entram na área da casa. Um policial de estatura alta, segundo Lizangela, se dirige para o interior da residência. Os moradores são expulsos para a calçada, vigiados de três viaturas da PM

- Todos saem, com exceção de Mizael que dormia num quarto

- Lizangela reclama dos PMs e diz que se irão revistar a casa, ela terá de ir com eles. Um policial, de estatura baixa, concorda e a leva. Outro PM fica com os familiares na calçada

- Ao entrar na sala, Lizangela diz que vê um "clarão" e escuta um "papoco" de apenas um tiro que vem do quarto onde o garoto ficou dormindo

- Ela escuta o policial que teria atirado em Mizael dizer: "fiz merda"

- Os policias se alvoroçam e mandam que os familiares se afastem mais ainda da casa. Mais três viaturas chegam ao local

- O corpo de Mizael Fernandes é retirado da casa e colocado e deixado em uma das três viaturas do Cotar. Antes de deixar a vítima no hospital público de Chorozinho, os PMs voltam a entrar na
casa e passam algum tempo por lá

- De acordo com Lizangela, os PMs levam da casa o edredom da cama, um travesseiro e o celular de Mizael. A cena do crime é alterada. A família liga para a PM em Chorozinho que vai até a casa da ocorrência

- Horas depois, a família encontra o corpo do menino no necrotério do hospital de Chorozinho

Fonte: Testemunho de Lizangela Rodrigues

 

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