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"Será que esse policial contou para o filho dele o que fez com meu filho?"
Reportagem Seriada

"Será que esse policial contou para o filho dele o que fez com meu filho?"

MORTE DE MIZAEL | A frase é de Leidiane Rodrigues, mãe de Mizael Fernandes da Silva. Adolescente, de 13 anos, morto em uma ação desastrosa de policiais militares em Chorozinho, em 1º de julho de 2020. Desde o dia da morte do filho, ela só dorme na base de tranquilizantes, Quarenta e cinco dias depois da execução, ela procura e não encontra razões para um PM ter morto seu filho
Episódio 1

"Será que esse policial contou para o filho dele o que fez com meu filho?"

MORTE DE MIZAEL | A frase é de Leidiane Rodrigues, mãe de Mizael Fernandes da Silva. Adolescente, de 13 anos, morto em uma ação desastrosa de policiais militares em Chorozinho, em 1º de julho de 2020. Desde o dia da morte do filho, ela só dorme na base de tranquilizantes, Quarenta e cinco dias depois da execução, ela procura e não encontra razões para um PM ter morto seu filho
Episódio 1
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A execução do adolescente Mizael Fernandes da Silva, 13, que teve a vida interrompida pela arma de um policial militar em Chorozinho, no Ceará, desestruturou emocionalmente uma família de cortadores de castanha de caju.

O POVO foi ao clã dos pequenos agricultores espalhado em três endereços entre a sede de Chorozinho, onde ocorreu a morte de Mizael em julho deste ano, e os distritos rurais de Salgado (Chorozinho) e em Lagoa Nova – desenhada no mapa de Barreira, município vizinho a “Choró”. Lugares da cartografia de vida do adolescente.

É de Leidiane Rodrigues da Silva, 33, as definições sobre os tormentos por causa da falta que o filho assassinado faz. Da mesa posta e um “prato de janta” ausente a uma dor latejante de mãe: “Dói, dói. Dói muito ter enterrado meu filho (chora). Me doeu muito. Dói. Meu tudo! Me dói até hoje. Eu me sinto culpada em ter deixado ele lá, no cemitério”, ressente.

Na saudade de Mizael, causada pelo revés que a vida deu na breve biografia do estudante que sonhava em ser vaqueiro, a avó, uma tia, o pai, os tios e amigos do adolescente aceitaram falar sobre uma parte exilada deles com a morte do garoto.

Deu tempo para Mizael ser gostado por quem conviveu 13 anos com ele, pois assim retratam as falas sobre o menino gaso, nascido no sol do sertão cearense. Não deu tempo de ele pôr o nome no cavalo que acabara de ganhar e futurava “correr boi”. Essa história é dessas tragédias que se transformam em saudades amputadas.

Falta aqui, na reportagem, a versão do policial militar que atirou no adolescente. Saber o que o levou a disparar uma arma de fogo contra alguém “suspeito” que dormia. E nem deu a chance de Mizael se “render” nem lhe ofereceu a oportunidade de dizer o quanto sua vida valia.

Sequer permitiu a Mizael Fernandes gritar por clemência, ainda que por crime que nunca cometeu nem consta em boletim de ocorrência policial. Nem se constasse justificaria. A vida do garoto não importou para os PMs envolvidos na operação desastrosa comandada por um capitão.

A Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS) e o comando geral da Polícia Militar não permitiram que os PMs contassem ao O POVO sobre o que aconteceu na madrugada daquele 1º de julho até a execução do adolescente. Em meio à pandemia da Covid-19, Mizael não conseguiu escapar do excesso policial num bairro de periferia do Brasil.

A seguir, a entrevista com Leidiane Rodrigues, mãe de Mizael Fernandes e na sequência, alguns depoimentos de parentes e amigos do estudante.

 Mizael tinha 13 anos e estava dormindo quando policiais invadiram a casa de sua tia   (Foto: Acervo Familiar)
Foto: Acervo Familiar  Mizael tinha 13 anos e estava dormindo quando policiais invadiram a casa de sua tia


O POVO – Quantos filhos a senhora tem?

Lidiane Rodrigues – Quatro filhos com ele (Mizael). Deus já tinha tirado um com um mês de nascido. São dois homens e duas meninas. A outra irmã, não quer vim mais para casa. Nós fizemos o culto dele (sétimo dia, 7/7/2020), ela veio e, quando chegou aqui, começou a chorar. Aquela ali da foto (aponta para a parede), a Heloisa, a de vestido rosa. Toda vida que ela chega aqui, começa a chorar chamando pelo nome do irmão dela. É tanto que ela não tá nem em casa. Está mais na tia dela. Toda vida que ela chega, fica chamando, fica atrás dele. O xodó dele ela era.

O POVO - Como é nome dos irmãos de Mizael?

Lidiane Rodrigues - É o Jéferson, que tem 17 anos. Heloísa com cinco e a Ângela com quatro. E o Mizael que tinha 13 anos. 

O POVO – Como era o Mizael?

Lidiane Rodrigues – Meu tudo. Um menino alegre, não gostava de se envolver com muita gente. Era dentro de casa direto e de casa para o colégio (onde cursava o 8º ano na Escola de Ensino Fundamental Luís Liberato de Carvalho). No dia que não tinha aula ia para a casa do pai dele (em Lagoa Nova, no município de Barreira vizinho ao distrito de Salgado, em Chorozinho, onde a mãe mora). Era um menino alegre. Era um ótimo aluno, nunca o diretor recebeu uma reclamação dele, nem uma chamada nem nada. Quando tinha reunião na escola, ele avisava. Os professores não tinham o que dizer dele.

O POVO – Ele dizia o que iria ser quando terminasse o 3º ano, a profissão?

Lidiane Rodrigues – Dizia que queria ser vaqueiro. ‘Mas meu filho, vaqueiro?’. ‘Mãe, minha família toda é vaqueira, né!’. ‘Então, tá bom’. O sonho dele era ser vaqueiro. Acho que por gostar dos animais, por causa do pai dele. A família do pai gosta muito de vaquejada, né. Aí, pegou o amor pela vaquejada. É tanto que ele estava treinado com o tio dele. Ele gostava muito de cavalo, se acordava 5 horas da manhã para ir tirar leite com o tio dele. A pessoa que queria ver o Mizael tinha de andar atrás dele, porque ou ele estava em cima de um cavalo ou banhando um cavalo. Ele só vivia falando, eu vou ser vaqueiro e um dia a mãe vai ter orgulho de mim. ‘É meu filho, um dia eu vou ter orgulho do meu filho’.

Dói, dói. Dói muito ter enterrado meu filho (chora). Me doeu muito. Dói. Meu tudo! Me dói até hoje. Eu me sinto culpada em ter deixado ele lá, no cemitério

O POVO – Ele ganhou um cavalo...

Lidiane Rodrigues - O pai dele, todos os meses, vinha deixar a pensão dele e na última vez ele disse que tinham comprado um negócio para o Mizael. ‘O que é?”. Aí, ele respondeu que o Mizael ia me dizer. ‘Mãe, eu ganhei um cavalo, do meu pai e do meu tio’. Eu disse ‘tá certo’ e ele falou que ‘com o dinheiro que meu pai me dá, a mãe me dá o dinheiro que eu compro a ração do cavalo’. Ele tirava parte do dinheiro pra alimentar o cavalo que fica na Lagoa Nova (distrito do município de Barreira onde Mizael passava as férias com os tios e outros familiares ou quando não tinha aula. Como aconteceu durante a quarentena da Covid-19).

O POVO – Ele deu nome ao cavalo?

Lidiane Rodrigues – Acho que não, se tivesse botado seria ‘relâmpago’. Eu acho, ele disse que o cavalo que possuísse ia botar esse nome ‘relâmpago’. Mas ele não chegou a botar.

O POVO – Mizael era um menino valente?

Lidiane Rodrigues – Tem medo de tudo. Se ele visse uma coisa aqui dentro de casa, ele chamava pra matar ou pra tirar. Ele tinha medo de tudo. Ele não gostava de zoada, quando tinha zoada ele saia e ia pra casa da tia dele lá em cima ou ia pra casa do pai dele. Bebida, ele nunca bebeu na vida. Nunca, nunca botou nenhuma dose de álcool na boca nem um cigarro.

O POVO – Ele saiu daqui pra casa da tia para fazer o quê?

Lidiane Rodrigues – Fazer um tratamento de pele. Tinha a pele muito branca, ele era aqueles louros bem gaso. Aí, ele foi pra fazer a consulta médica que a minha irmã arranjou. Ela me ligou e disse que já tinha consultado, mas o Mizael ia ficar lá para fazer a medicação. Tinha uma feridinha nas pernas e na parte íntima, não muito, mas tinha. O médico passou três benzetacil e passou umas pomadas. Até perguntei a ela, a Canoa (apelido de Lizangela Rodrigues), como ele tinha reagido a benzetacil. E ela disse ‘minha irmã, daquele jeito’. Porque ele morria de medo do hospital, ele me ligou do telefone dela dizendo ‘mãe, acho que não vou esperar não. Meu cavalo tá passando é fome’. Eu só disse ‘menino, o teu tio cuida. Só o que ele falava era nesse cavalo. A boca dele era esse cavalo, ‘meu cavalo pra cá, meu cavalo pra lá’. Toda tarde, passava com o cavalinho dele. Ele e os amigos dele. Eu dizia Mizael deixe de ficar pra cima e pra baixo com esse cavalo. ‘Mas mãe, cavalo tem de andar se não fica gordo e como vai correr nas vaquejadas?’.

Será que esse policial que matou meu filho, será que ele chegou em casa e disse pro filho dele o que ele tinha feito? Será que ele dorme? Porque eu, aqui, não estou conseguindo dormir. Eu não tô, eu não tô. E pelo que eles fizeram, eu quero que seja feita justiça

O POVO – Tinha medo de injeção, mas era valente para correr de cavalo.

Lidiane Rodrigues – Isso. Corajoso pra correr em cavalo, desde pequeno. Eu vinha pra casa da avó dele e tirava a roupa dele, deixava só de cuequinha. E avó dele dizia, ‘olha ali, onde já vai o Mizael’. Quando ia ver, ele estava lá dentro do curral.

O POVO – Aqui no Salgado, onde a senhora mora, é um lugar calmo?

Lidiane Rodrigues – Aqui todo mundo é amigo, todo mundo apoia o outro, aqui, graças a Deus tudo é calmo. Aqui não tem negócio de violência, não, porque é calmo. As crianças brincam até tarde, até 6, 7 horas da noite e nós sentado, pastorando, né. Porque pode vim carro ou uma moto. Ficam brincando até tarde.

O POVO – Quais eram as brincadeiras que o Mizael gostava?

Lidiane Rodrigues – Animal, cavalo. A brincadeira dele era só de animal. Tudo que você perguntasse de animal, ele corria atrás pra saber. Por exemplo, se tinha um problema com um cavalo, ele corria atrás de saber o remédio da cura. Perguntava a um e a outro até curar o cavalo.

O POVO – Como era a rotina dele, quando estava na casa da senhora?

Lidiane Rodrigues – Antes da quarentena (por causa da pandemia da Covid-19), ele se levantava de manhã, 6 horas, tomava banho, merendava e ia para o colégio, lá nos Patos. Quando ele chegava, ele tirava a farda, almoçava e ia tirar as castanhas dele aqui em casa. A gente trabalha aqui com corte de castanha de caju. Era o dinheiro que ele gostava de levar pra escola. Todo final de semana, ele recebia o dinheirinho dele. Pouquinho, mas recebia.

Chorozinho - Ceará, Brasil, 08 de julho de 2020: Lidiane Rodrigues da Silva, 33, mãe de Mizael Fernandes. Caso Mizael Fernades da Silva. Adolescente morto por policiais militares em 01/07/2020 em Chorozinho - Ceará. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Chorozinho - Ceará, Brasil, 08 de julho de 2020: Lidiane Rodrigues da Silva, 33, mãe de Mizael Fernandes. Caso Mizael Fernades da Silva. Adolescente morto por policiais militares em 01/07/2020 em Chorozinho - Ceará. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)

O POVO – Como é esse trabalho?

Lidiane Rodrigues – É assim, o meu marido corta castanha de caju pré-cozida e ele tirava o miolo (a amêndoa).

O POVO – Vocês são coletores de castanha, têm um sítio com plantação de caju?

Lidiane Rodrigues – A gente corta castanha. A gente tem o patrão da gente. Ele bota a castanha pra gente cortar. Um rapaz lá dos Patos bota a castanha pra gente e a gente faz o trabalho de corte e retirada do miolo pra ele. O Mizael fazia só tirar o miolo da castanha.

O POVO – Ele ganhava quanto?

Lidiane Rodrigues – Quando era muita castanha, ele tirava R$ 150 por semana, todo sábado. Ou então, era R$ 50. Quando ele tirava o dinheirinho dele, a gente fazia as compras dia de sábado. Ele se levantava cedo e perguntava o que iria comprar com o dinheiro dele pra ajudar dentro de casa. Uma vez foi para o Choro (Chorozinho) mais eu e comprou um fardo de arroz (chora). ‘Meu filho, compra as tuas coisinhas, as coisas que tu gosta’. ‘Não mãe, eu tenho meus recheados ainda’. Mandei ele ir comprar roupa, cueca, mas ele foi e comprou um fardo de arroz pra mim. Depois, fui comprar cuecas com ele.

O POVO – O sustento da senhora é a castanha do caju?

Lidiane Rodrigues – Castanha. Todo mundo aqui, no Salgado, trabalha com castanha. Tiro uns R$ 170, R$ 140 por semana. É um real o quilo da castanha tirada da casca. Comecei a trabalhar com castanha depois que me juntei com o meu marido atual.

O POVO – Como a senhora soube da morte dele?

Lidiane Rodrigues – Soube duas horas da manhã, o telefone tocou e meu marido atendeu. Aí, eu não liguei, continuei agarrada no sono. Escutei na hora que meu marido se levantou e disse assim, ‘eu não acredito’. E eu perguntei o que tinha acontecido. Ele disse ‘nada’. Aí, eu pedi “me diz o que está acontecendo’. Ele não disse e peguei o telefone e liguei pra minha irmã, a Lili. E ela disse ‘minha irmã, cadê o registro do Mizael. Ele tem de ir para Fortaleza’. Ela disse que eu saísse ligeiro de casa e fosse para o hospital. Meu marido pegou o carro e fomos.

 

O POVO – E quando a senhora chegou no hospital?

Lidiane Rodrigues – Estavam os policiais de Chorozinho e a enfermeira, quando cheguei fizeram um sinal pra aguardar. Entrei e disse que era a mãe do Mizael, que tinha vindo pra levar meu filho pra Fortaleza. E um policial olhou pra mim e disse ‘mãezinha, seu filho não está mais com a gente. Seu filho já chegou morto’. Eu não acreditei, né? Porque meu filho não fazia nada demais. Meu filho não estava fazendo nada de errado pra matarem meu filho. O meu tudo! Porque o que eles fizeram comigo, me acabaram. Eles acabaram comigo, não só comigo, acabaram com meu filho. Acabaram o sonho do meu filho, acabaram com minha vida e não vão trazer meu filho de volta. Pra eles tá tudo bem. E pra mim, como é que eu fico? (Chora)

O POVO – Sim...

Lidiane Rodrigues – Será que esse policial que matou meu filho, será que ele chegou em casa e disse pro filho dele o que ele tinha feito? Será que ele dorme? Porque eu, aqui, não estou conseguindo dormir. Eu não tô, eu não tô. E pelo que eles fizeram, eu quero que seja feita justiça. Porque, ele acabou comigo, eu posso dizer isso. Eles acabaram comigo. Porque de homem, que filho quem nem esse aqui, que tudo que precisava ele chegava comigo? Comigo ou com o pai dele ou com a tia dele, que foi onde aconteceu (na casa de Lizangela Rodrigues). Não era para eles terem feito isso, não era. Era pra eles terem acordado o menino. Não foi avisado que tinha um de menor dormindo, por que não acordaram meu filho? Por que não chamaram? Ele tinha um sono pesado. Ele tinha acordado. Agora, é o que estou dizendo, eles acabaram comigo. Só o que eles fizeram.

O POVO – A irmã da senhora, a Lizangela Rodrigues, disse que avisou aos policiais da presença do Mizael.

Lidiane Rodrigues – Meu filho morreu inocente, ele nem sabia que tinha morrido. Porque ele estava dormindo. E ele estava tão feliz antes, porque no dia 30 de junho (Ele foi morto por um policial militar na madrugada do dia 1º/7/2020) nós compramos o celular dele. A tia dele e a minha mãe compraram o telefone dele. Ela estava tão feliz, acho que não deu tempo ele baixar nada no telefone. Eu quero justiça, porque foi uma criança. Se tivesse sido o filho dele, o filho de um policial deles? E aí? Eles não iam querer justiça, eu também quero. Meu filho só tinha um vício, era animal. Ele era doente por animal. Ele não podia ver um animal caído, ele ficava triste acolá pelo animal. Era o único vício dele.

Porque eles fizeram com o meu filho e podem fazer com outro lá na frente. Matar uma criança sem saber quem é? Quem foi, sem saber de nada quem é a criança?”. Quero que eles sejam presos, punidos. Eles não vão trazer meu filho de volta!

O POVO – Os policiais disseram pra sua irmã que tinha uma arma dentro do quarto.

Lidiane Rodrigues – Não tinha, não tinha. É mentira, é mentira. Nunca, nunca meu filho pegou numa arma. É mentira, eu sei que é mentira. Porque o que estava na cama, era o celular dele. Um novo que eles levaram e não entregaram (os PMs). O celular estava com ele, agora a arma é mentira. Ele não tinha arma, ele não andava de arma. É mentira.

O POVO – A senhora acha que aconteceu o que para os policiais terem matado seu filho?

Lidiane Rodrigues – Não sei, não sei. Se eles estavam com vontade de matar alguém, por que eles mataram de onde eles são? Sair de Fortaleza para matar meu filho, dormindo? E ainda mentir, dizer que meu filho estava com arma? Por que ele mentiu? Meu filho não usa arma. Meu filho só usava celular. E o celular foi comprado no dia 30/6, no dia que sai o dinheiro do bolsa família dele. Foi o segundo celular dele, o primeiro ele foi tomar banho no banheiro e deixou cair na água.

O POVO – A senhora foi chamada pela delegacia?

Lidiane Rodrigues – Ainda não. Vou ter que chegar calma, vou ter que escutar o que eles vão me dizer e eles escutar o que vou dizer. Né isso? Eles vão me perguntar a índole do meu filho. O meu filho era ótimo.

É tão ruim, é tão ruim você sair de casa pra resolver uma coisa e chegar lá na frente o povo ficar olhando pra você, com pena. Eu vejo que o povo está olhando pra mim por pena

O POVO – Como a senhora tem vivido depois da morte do Mizael?

Lidiane Rodrigues – Difícil. Estou vivendo com isso aqui, ó! (mostra uma caixa de diazepam e Ccoridrato de amitriptilina). Depois do que aconteceu só durmo à custa desses remédios aqui. Peço força, peço força para a tia dele (Lizangela. Onde ocorreu a morte dele). Ela tá numa coisa muito ruim pra ela, porque foi na casa dela. E eu quero que eles paguem, quero que eles vão preso. Porque eles fizeram com o meu filho e podem fazer com outro lá na frente. Matar uma criança sem saber quem é? Quem foi, sem saber de nada quem é a criança?”. Quero que eles sejam presos, punidos. Eles não vão trazer meu filho de volta! Eles não vão trazer meu filho de volta. Se eles trouxessem meu filho de volta, eu abandonaria tudo. Tudo, mas eles não vão trazer meu filho de volta. E eu quero ver eles presos. Eles não mataram um animal, eles mataram um pedaço de mim, me mataram. É tão ruim, é tão ruim você sair de casa pra resolver uma coisa e chegar lá na frente o povo ficar olhando pra você, com pena. Eu vejo que o povo está olhando pra mim por pena. Porque ele era muito querido, onde ele morou, todo mundo gostava do meu filho. Não tem ninguém que não gostasse do meu filho, ele não tinha inimizade com ninguém.

O POVO – Vou fazer uma pergunta chata, como é para uma mãe enterrar um filho?

Lidiane Rodrigues – Dói, dói. Dói muito ter enterrado meu filho (chora). Me doeu muito. Dói. Meu tudo! Me dói até hoje. Eu me sinto culpada em ter deixado ele lá, no cemitério. Se eu pudesse buscar, eu tinha ido buscar. Eles acabaram com a minha vida, acabaram com o sonho do meu filho e acabaram comigo e com as irmãs dele também.

Sobre o crime

Por que a PM matou Mizael Fernandes?

Uma ação de policiais militares do Ceará, do Comando Tático de Operações Rurais (Cotar), culminou com a execução do adolescente Mizael Fernandes da Silva, 13 anos de idade. Foi no dia 1º de julho de 2020, por volta de uma hora da madrugada, na cidade de Chorozinho, quando PMs invadiram a casa da tia de Mizael. O garoto foi morto com um tiro enquanto dormia e, provavelmente, foi confundido com alguém que a polícia “suspeitava” ser um “bandido”.

Os abusos cometidos

Os PMs invadiram a casa sem ordem judicial e à noite, quando não se pode entrar na residência de ninguém (a não ser em caso de um crime em andamento). Depois de matar o adolescente, policiais alteraram a cena do crime. Levaram o corpo de Mizael, que horas depois foi encontrado no necrotério do Hospital Municipal de Chorozinho, o endredom da cama, um travesseiro e o telefone celular do menino. Mizael não possuía antecedentes criminais nem estava armado, apesar dos PMs dizerem que encontraram uma arma na cama do menino.

Manifestantes bloquearam BR-116 em protesto pela morte de Mizael(Foto: Via Whatsapp O POVO)
Foto: Via Whatsapp O POVO Manifestantes bloquearam BR-116 em protesto pela morte de Mizael

Manifestações

Revoltados com a execução de Mizael Fernandes, vizinhos e moradores de Chorozinho fizeram manifestações e queimaram pneus bloqueando a BR-116, na altura do km 70. Eles pediam por justiça e protestavam contra a truculência de policiais militares. Um dos PMs acionados para conter o protesto ameaçou mulheres que repetiam palavras de ordem e exibiam cartazes. “Quer morrer, mais um”.

Chorozinho - Ceará, Brasil. Quarto onde dormia o garoto Mizael Fernandes, assassinado por policiais militares, na casa da tia Maria da Conceição Garcia de Lima, em 1/7/2020 (Foto: Júlio Caesar/O POVO)(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Chorozinho - Ceará, Brasil. Quarto onde dormia o garoto Mizael Fernandes, assassinado por policiais militares, na casa da tia Maria da Conceição Garcia de Lima, em 1/7/2020 (Foto: Júlio Caesar/O POVO)

Local do crime

O caso está sendo investigado pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD). A Delegacia de Assuntos Internos da CGD não aceitou a primeira perícia feita na casa e no quarto onde um PM executou Mizael Fernandes e repetiu a busca por provas no local do crime.

Sem prisão

O policial que disparou contra Mizael Fernandes e outros envolvidos na operação em Chorozinho, no Ceará, não foram presos pela Secretaria da Segurança Pública do Ceará. Apenas afastados das ruas e colocados em serviços administrativos.

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