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409 adolescentes entre 10 e 19 anos assassinados no Ceará em 2020
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409 adolescentes entre 10 e 19 anos assassinados no Ceará em 2020

Estado tem aumento de 149% no número de adolescentes mortos neste primeiro semestre. Falta de políticas de prevenção agrava o contexto, dizem especialistas
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. (Foto: Mizael Capa)
Foto: Mizael Capa .

O mês das celebrações dos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi o mês em que o Ceará se chocou com a morte de um adolescente de apenas 13 anos: Mizael Fernandes da Silva Lima, morto a tiros, enquanto dormia, por policiais militares, em Chorozinho. Mizael, porém, não é caso isolado da maior das violações de direitos que um jovem pode ter. Nos seis primeiros meses deste ano, 409 adolescentes entre 10 e 19 anos tiveram o direito à vida suprimido no Estado. O dado representa aumento de 149% no número de assassinatos na comparação com o mesmo período do ano passado. Em 2019, 164 adolescentes haviam sido mortos.

Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), compilados pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), da Assembleia Legislativa do Ceará (AL/CE). Neste mês de julho, até o último dia 15, a SSPDS já havia contabilizado outros 25 assassinatos de adolescentes. As estatísticas ainda não foram consolidadas e podem apresentar variação.

Fatores como a paralisação da Polícia Militar (PM), em fevereiro, e o recrudescimento do conflito entre facções ajudam a explicar o aumento, conforme especialistas ouvidos por O POVO. Porém, para eles, a alta mortalidade de adolescentes é reflexo de uma situação estrutural, que se repete há anos. Para o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), relator do CCPHA, entre essas causas, está a existência de um Estado segregado "social e economicamente". Essa realidade, diz, atinge especialmente os jovens, que têm mais dificuldades de satisfazer necessidades de reconhecimento, consumo, afeto e poder. 

Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), com base em dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)
Foto: CCPHA/SSPDS
Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), com base em dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS)

Roseno também cita a lógica da segurança pública meramente baseada na coerção, com aumento do patrulhamento ostensivo. "Não houve o mesmo engajamento em prevenção, primário, secundário e terciário", afirma, citando a debilidade das políticas públicas de prevenção ativa em grupos mais vulneráveis a engajamento em organizações criminosas e atendimento a jovens já atravessados pela violência. "Se eu não tenho a segurança de direitos é óbvio que vai se estabelecer outro governo no território", diz mencionando a "nacionalização" de coletivos de criminosos.

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Outra fonte a apontar a política de repressão como fator determinante nesse contexto é Talita Maciel, assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) do Ceará. Além de questionar a eficácia na prevenção de crimes, ela afirma que esse modelo aumentou o número de mortes por intervenção policial. Maciel ainda destaca o peso da desigualdade social no contexto, o que tende a se agravar com a pandemia. "Crianças e adolescentes são a categoria que mais está em situação de extrema pobreza, assim como mulheres", afirma, acrescentando que isso torna mais difícil o acesso desses setores a políticas sociais, "que já são pouco priorizadas e para essas populações são ainda mais difíceis de chegar". Ela ainda ressalta que a maioria desses jovens é negro, o que dá um caráter racial a essa exclusão. "Toda essa estruturação social leva a população a ser mais suscetível a morte."

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Ricardo Moura, da Rede de Observatórios de Segurança e colunista do O POVO, observa que um fator que contribui para a mortalidade de jovens é que eles estão mais expostos à violência quando integram organizações criminosas. Eles têm uma autoproteção menor que aqueles que já tem mais tempo de trajetória no crime, assim como são relegados a tarefas subalternas, como o tráfico varejista. Moura ressalta, porém, que, para além de questões ligadas ao tráfico, há a prevalência de um ambiente violento, em que imperam valores como hipermasculinidade, ethos guerreiro e misoginia. "Nessa situação em que temos um movimento maior de mudança dentro da disputa por territórios de venda de drogas todas essas questões que tornam alvo, mais vulneráveis, tudo isso se torna mais agudo".

 

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