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Jovens: impactos que acompanham uma fase de mudanças
Ciência e Saúde

Jovens: impactos que acompanham uma fase de mudanças

Viver fases de mudanças em um contexto de incertezas como a pandemia pode gerar impactos na saúde mental. Para a população LGBTQIA+, o sofrimento emocional também foi um dos principais impactos da Covid-19
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 21.10.2020:  Na foto João Gabriel Soares, 25, estudante universitário, foi demitido no início da pandemia, em abril, e essa mudança o deixou ansioso pela incerteza que esse cenário traz (Fotos: Fco Fontenele/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE FORTALEZA, CE, BRASIL, 21.10.2020: Na foto João Gabriel Soares, 25, estudante universitário, foi demitido no início da pandemia, em abril, e essa mudança o deixou ansioso pela incerteza que esse cenário traz (Fotos: Fco Fontenele/O POVO)

Antes da pandemia, problemas familiares levavam a estudante universitária Maria (nome fictício) a “fugir” e evitar ficar em casa. Ela buscava refúgio no estágio, na faculdade e em saídas com os amigos no dia a dia. Era como viver em “uma bolha”, enquanto sentia que se afastava dos pais. Com a Covid-19, viu-se obrigada a enfrentar a rotina.

Medo, tristeza, frustração, angústia, raiva, preocupação, impotência e solidão foram alguns dos sentimentos que, ela conta, estiveram presentes nesse momento. “Eu ficava tão ansiosa de um jeito que eu acordava cedo e, para não ter que lidar com as coisas dentro da minha casa, ficava escondida e me trancava dentro do carro. Eu torcia muito para que aparecesse alguma coisa para fazer fora de casa”, conta.

Sem condições financeiras de buscar serviço psicológico particular, Maria chegou a buscar um programa gratuito oferecido pela Prefeitura de Fortaleza, mas acabou perdendo o horário marcado. Para lidar com a situação, ela tem tentado focar no trabalho e conversar mais com pessoas de confiança quando julga necessário.

“Cada pessoa tem seu contexto de vida, sua história. Quando passamos por um momento como a pandemia, que pode ser considerado um período traumático porque mudou completamente a nossa rotina, cada um vai reagindo de forma diferente”, afirma a psicóloga Andrise Freire, especialista em adolescentes. Entre os pacientes que já atendia antes da Covid-19, a profissional percebeu problemas já existentes foram potencializados e que os tratamentos que vinham sendo realizados foram impactados negativamente.

Jovens entre 18 e 29 anos compõem a faixa etária que mais apresentou problemas relacionados à saúde mental durante a pandemia de Covid-19, segundo a ConVid – Pesquisa de Comportamentos, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Dessa parcela dos entrevistados (24,7% dos 45.161 respondentes), 53% afirmou ter se sentido triste ou deprimido “muitas vezes” ou “sempre” e 69,5% apontou ter se sentido ansioso ou nervoso “muitas vezes” ou “sempre”. Além disso, 58,8% relataram aumento de problema de sono prévio e 53,2%, início desse sintoma. O público adolescente, de 12 a 17 anos, também foi consultado no estudo, mas os resultados ainda não foram divulgados até o fechamento desta reportagem.

Até os 24 anos, as pessoas passam pelo processo de amadurecimento cerebral, aponta o psiquiatra Rodrigo Freitas da Costa, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e preceptor da residência médica do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC).

Voltando-se para a adolescência, o médico também destaca as mudanças hormonais e corporais, além da necessidade de modelos para seguir, nessa etapa de formação da personalidade. A agressividade ou o isolamento podem ser algumas maneiras encontradas por adolescentes para lidar com as emoções dessa fase marcada por descobertas e tomada de decisões, conforme explica a psicóloga Andrise Freire.

Nesse contexto, eles podem sofrer bullying, entrar em contato com drogas de forma precoce ou vivenciar situações de abuso e violência. Esses tipos de estressores ambientais podem somar-se a predisposições genéticas, colaborando para o desenvolvimento de algum problema relacionado à saúde mental. “Quando o cérebro é exposto a estresse crônico ou traumas, isso acaba deflagrando alguns tipos de transtorno, como depressão, transtorno do estresse pós-traumático e transtorno de pânico”, afirma o médico.

João Gabriel Soares, 25, estudante universitário, foi demitido no início da pandemia, em abril, e essa mudança o deixou ansioso pela incerteza que o cenário traz
João Gabriel Soares, 25, estudante universitário, foi demitido no início da pandemia, em abril, e essa mudança o deixou ansioso pela incerteza que o cenário traz (Foto: FCO FONTENELE)

Com o passar do tempo, cobranças por alcançar diferentes metas em determinadas idades e incerteza sobre faculdade e/ou trabalho também podem afetar a saúde mental de jovens adultos. “Ele entra em uma faculdade, coloca um Fies (Programa de Financiamento Estudantil) para pagar depois que se forma e encontra a sociedade nessa situação em que estamos, em que o mercado está instável. Ele pode ter ansiedade, pode evoluir para uma crise de pânico”, exemplifica a psicóloga.

Para lidar com todas essas questões, os profissionais apontam que o ideal é buscar ajuda multidisciplinar, com psicólogo e psiquiatra. “Chegamos a um nível que a saúde mental está tão ruim que se começa a sentir taquicardia, falta de ar, começa a ficar a mão gelada, suando frio. E isso são sintomas físicos que a terapia não consegue lidar”, afirma Andrise. Por outro lado, a terapia pode continuar ajudando a lidar com as questões pessoais após o fim do tratamento medicamentoso.

No caso de crianças, o psiquiatra aponta que o tratamento se dá, principalmente, com psicólogos e com terapeutas ocupacionais, e o uso de medicação é necessário apenas em quadros moderados a graves, “conforme o peso e avaliando riscos e benefícios”. “Trabalhar de forma inter e multidisciplinar é imprescindível”, complementa Costa.

Quando se trabalha com crianças e adolescentes, o médico destaca a importância de se atentar para os familiares, além de olhar para os próprios pacientes. Essa necessidade se dá pelo fato de que problemas emocionais ou econômicos da família, por exemplo, têm impacto direto sobre esses indivíduos em desenvolvimento.

Ouça "Saúde mental dos jovens" no Spreaker.

Aparelhos eletrônicos

O excesso de exposição a telas de smartphones e computadores tem relação com o aumento de de ansiedade. O recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre o tempo de exposição de crianças e adolescentes às telas de aparelhos eletrônicos por dia é:

Menores de 2 anos — não expor;
Dos 3 a 5 anos — 1 hora;
Dos 6 a 10 anos — 2 horas;
Dos 11 aos 18 anos — até 3 horas.

Fonte: Rodrigo Freitas da Costa, médico psiquiatra (CRM:14752 / RQE:9688) com residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência

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