Localizada em um bairro periférico de Franca, no interior de São Paulo, a Escola Agrícola tinha em seus corredores problemas como evasão escolar, tráfico de drogas e prostituição. A oportunidade de mudar de vida para os jovens da comunidade veio de algo que era cotidiano para a cidade, conhecida pelo forte setor calçadista e pelas indústrias coureiras. Com o incentivo da cientista Joana D'Arc Félix de Sousa, os alunos começaram a desenvolver pesquisa na área de reaproveitamento de resíduos do curtume. A iniciativa já resultou em 15 patentes registradas, com projetos que tiveram relevância percebida internacionalmente.
A vontade de ser química e trabalhar com couro veio desde cedo para Joana D'Arc Félix de Sousa, 53, filha de um funcionário do curtume e de uma empregada doméstica. A chance de começar a estudar com quatro anos de idade permitiu, não sem muitas dificuldades, que ela realizasse esse sonho e conseguisse, com 25 anos, ser PhD em química pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Os conhecimentos adquiridos voltaram com a cientista para Franca, sua cidade natal. Lá, ela coordena atualmente o curso técnico de curtimento e realiza com os alunos pesquisas de ponta, mesmo em laboratórios sem boa estrutura física.
A cientista já acumula 103 prêmios nacionais e internacionais, muitos deles de projetos realizados junto com os alunos. O maior orgulho para ela, porém, é poder ter mudado a vida de tantos jovens, que descobriram vocação na pesquisa. Joana D´Arc conta que, dos 40 primeiros estudantes que trabalharam com ela, 8 seguiram em cursos técnicos e 32 foram para o mercado de trabalho, um cenário que era impensável para muitos deles, em situação de vulnerabilidade social. "Basta o pesquisador querer fazer pesquisa", considera.
Ela ainda discorre sobre as dificuldades de realizar pesquisa no País, ainda mais sendo mulher e negra. "Às vezes tem algumas dificuldades que a mulher enfrenta, a mulher engravida, o tempo que ela tem para dedicar é menor que o homem tem. A gente vê muito preconceito com isso ainda", diz. Paralelo a isso, existe o baixo investimento e os constantes cortes na área de pesquisa. O incentivo é a crença: "Independente das dificuldades, a educação é a única arma".
Ângela Ferreira, 22, atualmente estuda Química na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Filha mais velha de uma família de nove irmãos de uma mãe empregada doméstica e de um pai funcionário de curtume, ela conta que é a única pessoa que conhece de sua cidade, Claraval, em Minas Gerais, que cursa o ensino superior.
"Eu acho que se eu não tivesse tido essa oportunidade eu nem estaria na faculdade, estaria na minha cidade nas fábricas de calçado. Quando comecei a trabalhar com a Joana parece que meu leque se abriu, comecei a perceber que não era porque eu não tinha dinheiro que eu não podia fazer uma faculdade", relata. A estudante desenvolveu junto com a pesquisadora uma pele humana artificial com base em pele de suínos.
A estudante do técnico em agronegócio da Escola Agrícola Verônica Marques, 19, desenvolveu junto com Joana um cimento ósseo que pode ser utilizado em transplantes para curar fraturas. "Ela se esforça para que as mulheres possam entrar no mercado de trabalho. Eu quero ser como ela. Eu acho ela uma pessoa inspiradora", elogia a cientista. "Eu não sabia que eu poderia chegar tão longe", resume.