"Essa reportagem é vencedora do Prêmio BNB de Jornalismo 2023 na categoria Estadual - Ceará."
Conhecido como “a fazenda do mundo”, devido ao seu destaque mundial como produtor de alimentos, o Brasil também se sobressai por um paradoxo que vai da colheita à mesa: a coexistência entre fome e desperdício. Neste contexto, mudanças e ações de âmbito econômico ainda se ajustam ao cenário de reduzir toneladas de comida jogadas fora.
A cena de pessoas revirando caçambas e catando comida de um caminhão de lixo em Fortaleza rodou o mundo no fim do ano passado e são um retrato da desigualdade contrastante de um País que bate recordes na produção de comida.
Não saber ao certo se será possível fazer três refeições diárias é apenas um dos problemas: as pessoas afetadas pela falta de uma alimentação adequada são impactadas também com a prevalência de problemas como doenças crônicas, baixo desempenho escolar e baixa produtividade.
Em dezembro de 2020, com mais da metade da população declarando algum tipo de insegurança alimentar, o Brasil voltou ao Mapa da Fome. E enquanto quase 20 milhões de pessoas não têm o que comer, a quantidade de alimentos desperdiçados poderia alimentar 12 milhões por ano.
É o que mostra um estudo publicado em 2021 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O panorama corrobora um relatório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Os dados da Embrapa revelam que cada família brasileira desperdiça em torno de 350 gramas de comida todos os dias, e do total de 140 milhões de toneladas de alimentos produzidos por ano no País, 26,3 milhões vão para o lixo.
Ainda de acordo com o levantamento, anualmente o brasileiro joga fora 60 quilos de alimentos bons para o consumo. Para se ter uma ideia, mais da metade de todo o lixo produzido em casa é orgânico, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mas não é apenas na cozinha das residências que isso acontece. Grande parte do desperdício de alimentos acontece durante o manuseio e logística da produção: na colheita (10%), durante o transporte e armazenamento (30%), e no comércio e no varejo (50%), enquanto nos domicílios 10% vai parar na lixeira.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) indica que a estocagem inadequada é a maior responsável pelos desperdícios, e responde por 52% das perdas de soja e 61% das de milho. O Brasil tem um déficit de armazenagem de cerca de 122 milhões de toneladas por safra, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
É importante destacar que há diferenças entre os conceitos de perda e de desperdício de alimentos. A perda está relacionada aos alimentos perdidos, rejeitados ou estragados, e pode ocorrer ainda nos estágios de produção e colheita ou no processamento e na distribuição da cadeia de abastecimento.
Já o desperdício engloba a parcela de alimentos de boa qualidade e ainda adequados para o consumo que são descartados ou não utilizados, o que pode ocorrer nos estágios de comercialização e consumo da cadeia de abastecimento.
Uma série de variáveis podem impedir que alimentos de boa qualidade sejam comercializados: desde padrões de estética de frutas, legumes e verduras, que fazem com que muitos produtos sejam desperdiçados, até o excedente de produção, quando produtos de indústrias e mercados que estão dentro da validade mas não possuem tempo hábil para chegar às prateleiras.
É aí que entram as iniciativas de redistribuição e combate ao desperdício, que atuam para que o alimento chegue à mesa da população mais vulnerável ao invés de ser descartado. Essas ações recebem um reforço importante da legislação.
Em 2020, entrou em vigor a Lei 14.016, que autoriza estabelecimentos como bares, lanchonetes, restaurantes e supermercados a doarem alimentos para o consumo humano, desde que dentro da validade e das condições ideais de conservação.
A nova lei de combate a perdas e desperdícios de alimentos foi aprovada em caráter de emergência, tendo em vista a situação causada pela pandemia de Covid-19, que piorou as dificuldades já existentes para muitas famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Benefícios da redução do desperdício de alimentos
1 - Ajuda a combater a insegurança alimentar
2 - Protege os recursos do planeta
3 - Torna o consumidor mais consciente
4 - Reduz a nossa pegada de carbono
5 - Economiza dinheiro e água
Fonte: Organização das Nações para a Alimentação e Agricultura (FAO)
Entenda a diferença entre desperdício e perda
Desperdício = alimento apto para o consumo, mas que não foi vendido na loja
Perda = produto (grão, por exemplo) que não chegou a ser transformado em alimento
O caminho do desperdício
- 10% dos alimentos se perdem na colheita
- 30% no transporte e armazenamento
- 50% no comércio e no varejo
- 10% nas residências
Diagrama de modelo de economia circular
Economia Circular | Reduzir, reutilizar, reciclar e reintegrar materiais recuperados de volta à economia
1. Produção de alimentos > Reduzir/Prevenir: reduzir e evitar o desperdício de alimentos em toda a cadeia e por consumidores
2. Distribuição e consumo de alimentos > Alimentos distribuídos para consumidores por meio do varejo e atacado para empresas como restaurantes, mercearias, etc
3. Redistribuição/Redirecionamento > Doação dos alimentos excedentes para caridade e alimentação animal
4. Recuperação de recursos > Recuperar nutrientes por meio de compostagem, digestão anaeróbica, renderização (exemplo: sabão, sebo etc.)
5. Reintegrar produtos de uso final > Reintegrar produtos de valor agregado à economia (exemplo: alteração do solo como adubo e digestão, biogás etc.)
- A parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo novo recorde da série iniciada em 2006
- O aumento da insegurança alimentar entre os 20% mais pobres no Brasil durante a pandemia foi de 22 pontos percentuais, saindo de 53% em 2019 chegando a 75% em 2021, nível próximo do país com maior insegurança alimentar da amostra, o Zimbawe (80%), na África
Fonte: Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Dicas para evitar a perda e o desperdício de alimentos
Seleção de fornecedores
- No campo, opte por fornecedores que utilizem sementes de qualidade superior e com variedades adequadas à região de produção"
Especificações de produtos
- No comércio ou serviço de alimentação, estabeleça especificações de produtos que considerem a redução do desperdício de alimentos, incluindo a possibilidade de aceitação de produtos imperfeitos. Mas lembre-se de que estes devem sempre atender aos padrões de qualidade e segurança de alimentos estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)."
Otimize as quantidades
- Estabeleça avaliações de controle de qualidade e compartilhe regularmente com seus fornecedores sobre a qualidade e quantidade de seus pedidos.
Gerencie a produção e volume de resíduos
- No comércio ou serviço de alimentação, utilize dados históricos de vendas e considerações futuras (por exemplo, eventos anuais) para melhorar a previsão de demanda.
- Em serviços de alimentação, ofereça no menu opções de tamanhos de porções diferentes com o intuito de reduzir o desperdício de alimentos.
- Estabeleça um plano de auditoria relacionado à produção e à prevenção da geração de resíduos.
Planeje a doação
- Estabeleça parcerias com organizações especializadas no recolhimento e distribuição das sobras de alimentos, considerando a legislação local e as iniciativas vigentes no território."- Reaproveite as sobras em outras refeições e leve para casa o que sobrou no seu prato no restaurante
Planeje a reciclagem e o descarte
- Estabeleça parceiros que possam ajudar você a reciclar ou a proporcionar um destino adequado de cada uma das categorias segmentadas.
- Faça uma lista de compras e a siga
- Doe alimentos em boas condições
- Entenda as datas de vencimento e verifique se você pode congelar o produto
- Coma o que tem na geladeira antes de comprar mais e congele sobras para usar posteriormente
- Peça porções menores nos restaurantes
- Estabeleça parceiros que possam ajudar você a reciclar ou a proporcionar um destino adequado de cada uma das categorias segmentadas.
Fontes: Cartilha “Combate à perda e ao desperdício de alimentos” - Centro Sebrae de Sustentabilidade e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
- Estabeleça parceiros que possam ajudar você a reciclar ou a proporcionar um destino adequado de cada uma das categorias segmentadas.