Aprovado na Câmara dos Deputados e em discussão no Senado, o projeto que estimula o transporte marítimo de cargas entre portos nacionais, o BR do Mar, significaria mudança de perspectivas na logística nacional. Há um grande potencial não desenvolvido no Brasil, que, devido à falta de segurança jurídica e estrutura de política portuária, desestimulava investimentos. A proposta do Governo projeta mudar isso.
E a iniciativa é para transformar a costa brasileira num verdadeiro ponto de transporte por cabotagem. De acordo com o Projeto de Lei (PL 4.199/2020), as empresas poderão alugar um navio vazio para navegação entre portos do País, a partir da liberação progressiva do uso de embarcações estrangeiras, o que dará um reforço à oferta nacional.
A partir de quatro anos de aprovação da PL, não haverá limites para o afretamento, desde que observadas as condições de segurança definidas. Outro progresso a ser implementado será o uso de bandeira do país de origem destes navios. Isso permitiria uma flexibilização, ao vincular obrigações legais, desde comerciais, fiscais e trabalhistas ao país da bandeira do navio, desde que os tripulantes tenham a garantia mínima de 13º salário, adicional de um terço de férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e licença-maternidade. E mais, a tripulação dos navios deve ter 2/3 de brasileiros.
Dentre as metas do Ministério da Infraestrutura, está a ampliação da carga anual de contêineres transportados, de 1,2 milhão de TEUs (unidade de medida para cargas) obtidos no ano passado, para 2 milhões de TEUs, em 2022. Também prevê incrementar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos.
Para o diretor do Centro de Estudos em Transporte da Fundação Getúlio Vargas (FGV Transportes), Marcus Quintella, os benefícios do incentivo ao transporte de cargas entre portos nacionais vão desde ao aumento de competitividade, desburocratização do setor portuário - que até então afastava usuários -, até a qualificação de empresas atuantes na operação e de novos negócios no setor.
"Na matriz de transporte nacional, a cabotagem representa 11%, e se restringe praticamente (aproximadamente 80%) à movimentação de líquidos e gasosos. Precisamos avançar muito ainda no transporte de contêineres, cargas gerais."
O diretor do FGV Transportes ainda aponta que o projeto vai ajudar no desenvolvimento do conceito de multimodalidade logística, diminuindo custos aos empresários e reduzindo as emissões de gases. "Teoricamente, vai tirar os caminhões das rodovias. Logicamente, o BR do Mar vem mudar esse perfil do Brasil - que transporta 60% das suas cargas nas estradas - ao retirar as grandes distâncias dos caminhões", completa Quintela.
Pedro Moreira, presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), parceria da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (ABAD) no Comitê Logística, destaca que o BR do Mar proporcionará a entrada de mais empresas neste mercado, que tem atualmente três prestadoras de serviço.
Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), 160 milhões de toneladas de cargas foram transportadas por cabotagem de janeiro a outubro deste ano. Pedro afirma que ainda é pouco e há grande potencial de exploração. "Os custos elevados inibem a utilização da cabotagem. Esse é um dos motivos que o Agro e outros setores da economia, como o Atacadista-Distribuidor, ainda utilizam pouco esse modal".
Carlos Alberto Nunes Filho, gerente comercial da Tecer Terminais Portuários Ceará e diretor da Câmara Brasil-Portugal na área de Logística, diz que a aprovação da PL estabeleceria uma política de longo prazo positiva para a logística nacional, com potencial positivo para os portos cearenses.
O projeto de cabotagem consolida o Estado como hub portuário, opina Carlos Alberto, servindo para entrada e saída de cargas do Ceará e de estados vizinhos. Ele cita o caso de percurso de mercadorias em longas distâncias, como automóveis, que saem em caminhões-cegonha desde São Paulo numa operação custosa e arriscada, vide o aumento do roubo de cargas. Lembra que um caminhão abasteceria uma concessionária, já o navio renderia todo o Estado.
"A operacionalização deve ser mais rápida do que esperamos. Existe uma expectativa de curto prazo por novas rotas - como a que foi confirmada no Porto do Pecém para o Espírito Santo na semana passada, de cargas que estão na rodovia indo para o (modal) marítimo", analisa.
- Aumentar a oferta da cabotagem, incentivar a concorrência.
- Criar novas rotas e reduzir custos.
- Entre outras metas, o Ministério da Infraestrutura pretende ampliar o volume de contêineres transportados, por ano, de 1,2 milhão de TEUs (unidade equivalente a 20 pés), em 2019, para 2 milhões de TEUs, em 2022.
- Além de ampliar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos, excluindo as embarcações dedicadas ao transporte de petróleo e derivados.
+ Para a formulação do programa foram realizadas reuniões com autoridades do governo, usuários, armadores, representantes da construção naval e sindicatos de marítimos.
A cabotagem é a navegação entre portos ou pontos do território brasileiro utilizando via marítima ou fluvial. É um modo de transporte seguro, eficiente e que tem crescido mais de 10% ao ano no Brasil, quando considerada a carga transportada em contêineres.
EIXOS DO PROGRAMA: foca em quatro eixos temáticos - frota, indústria naval, custos e porto.
FROTA - O programa estimula a frota em operação do País para que as Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs) tenham maior controle e segurança na operação de suas linhas. Desta maneira, propõe que a empresa que detém frota nacional poderá se beneficiar de afretamentos a tempo (quando o navio é afretado com a bandeira estrangeira, o que permite que ela tenha menores custos operacionais).
+ Empregos
O PL traz a obrigatoriedade de tripulação composta por, no mínimo, 2/3 de brasileiros, nos afretamentos a tempo, viabilizada com a estratégia da subsidiária estrangeira.
+ Segurança Jurídica
O regime de admissão temporária para embarcações afretadas, sem registro de declaração de importação, com suspensão total do pagamento dos tributos federais, já é previsto em Instrução Normativa da Receita Federal, e passa a constar em Lei.
+ Novos investidores
Criação da Empresa Brasileira de Investimento na Navegação (EBN-i), que irá constituir frota e fretar as embarcações para EBN’s operarem, dispensando a necessidade de estas investirem em frota própria.
- Burocracia
Determinação para que os processos realizados nos portos sejam mais simples para a cabotagem do que para o comércio exterior. Possibilidade de usar meio digital como comprovante de entrega e recebimento de mercadoria. Não será mais necessário guardar o “canhoto” da nota.
Fonte: Ministério da Infraestrutura
AS EXPECTATIVAS DOS PORTOS CEARENSES
Porto do Mucuripe
O BR do Mar é uma iniciativa que ajuda a reequilibrar a matriz de transporte brasileira e promove o desenvolvimento da cabotagem por ser um transporte seguro, eficiente e de baixo custo. Com a aprovação do projeto de lei, a perspectiva é que haja um aumento de cerca de 10% na movimentação por cabotagem no Porto de Fortaleza, afirma a Companhia Docas do Ceará (CDC). em nota.
Principais cargas movimentadas via cabotagem no Mucuripe: concentrada no segmento de combustíveis, mas buscam novos mercados.
Porto do Pecém
Segundo o gerente de Negócios Portuários do Complexo do Pecém (Cipp), Raul Viana, a cabotagem representa hoje a maior parcela de movimentação, com 8,19 milhões de toneladas entre janeiro e novembro de 2020, sendo o porto vice-líder em número de linhas de cabotagem no Brasil (sete), atrás apenas do Porto de Santos. Ele ainda afirma que a expectativa é aumentar em até 30% ao ano o potencial da cabotagem no Porto do Pecém.
Principais cargas movimentadas via cabotagem no Pecém: minérios; cereais; ferro fundido; alumínio e suas obras; sal; produtos da indústria de moagem; plásticos e suas obras.
BR do mar: Perspectivas para o transporte de cabotagem no Brasil
Serpenteado por uma costa marítima com aproximadamente 7.400 Km de extensão, que abriga mais de 80% da população brasileira, em uma estreita faixa territorial de 200 Km de distância do litoral, o Brasil, de frente para o Oceano Atlântico, apresenta vocação natural para o transporte de cabotagem.
O termo cabotagem encontra-se diretamente relacionado ao ordenamento do transporte aquaviário, conforme especificado pela Lei nº 9.432/1997 que a considera como a navegação realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando a via marítima ou as vias navegáveis interiores.
Olhando para a “popai”, a maior movimentação de carga deste modal se deu entre 1920 a 1930 em razão da precariedade das rodovias, tendo sua participação na malha de transporte reduzida gradativamente. Com o advento da Lei nº 8.630/1993 (Modernização dos Portos) e a Lei nº 12.815/2013 (Exploração Direta e Indireta pela União de Portos e Instalações Portuárias) houve discreta retomada da cabotagem, frente ao potencial de transporte.
O Programa denominado BR do Mar busca aprimorar o ordenamento do modal aquaviário existente a fim de proporcionar: o desenvolvimento de uma matriz de transportes mais equilibrada e eficiente, a redução dos custos logísticos, a otimização dos recursos públicos nos investimentos em infraestrutura e o incremento da participação privada nos projetos de infraestrutura logística.
Na opinião deste pesquisador o programa de estímulo ao transporte de cabotagem, estruturado em quatro eixos temáticos (frota, indústria naval, custos e porto) é uma iniciativa positiva que se encontra alinhada à necessidade de reequilíbrio da matriz logística brasileira, que além de agregar ao desenvolvimento sustentável da atividade, proporcionará o incremento da indústria naval e a consequente ampliação da frota de nacional.
Durante a elaboração do projeto discutiu-se supostos pontos negativos como a ampliação da frota de navios internacionais, devido a abertura do mercado. No entanto, o PL prevê que Empresas Brasileiras de Navegação disponham 2/3 da tripulação composta por cidadãos brasileiros, fortalecendo a Marinha Mercante e o poder naval, na proteção da Amazônia Azul.
Outro ponto de interrogação foi a especulação sobre a concorrência que a cabotagem passaria a exercer sob o transporte rodoviário de cargas, questionamento que não prospera, em razão da dependência que a cabotagem tem dos veículos de carga para proporcionar as conexões porta a porta. O fato é que a cabotagem ampliará a oferta de fretes de cargas, em especial na curta distância, trecho economicamente mais vantajoso para transportadores e operadores logísticos.
Dentre as vantagens logísticas advindas do projeto, a nível regional, destaca-se a redução de barreiras ao comércio entre os estados membros da federação com a ampliação da circulação de mercadorias de baixo valor agregado. A nível nacional, destaca-se o estímulo econômico decorrente da geração de emprego e renda, seja por meio da operação da navegação ou do fomento a indústria naval.
*Marcelo Almeida, doutor em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Gestão pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que atua como pesquisador e coordenador de projetos do Grupo de Pesquisa GesConPP, da Faculdade de Administração, Contabilidade Economia, e Gestão Pública (FACE/UnB)