A transformação energética prometida a partir da instalação do hub de hidrogênio verde no Complexo do Pecém promete também uma reformulação de diversos aspectos da mão de obra industrial cearense. As dez empresas interessadas, os US$ 5,4 bilhões previstos em um único projeto e a expectativa de atender demanda de exportação e até indústria automotiva devem empregar boa parte dos estudantes formados aqui, da educação básica até os pesquisadores. Pois as principais instituições de ensino asseguram: os profissionais formados no Ceará são capazes de atender a demanda atual e futura do novo projeto de desenvolvimento.
Hoje, ainda é difícil mensurar a quantidade de pessoas necessárias para fazer a cadeia produtiva do hidrogênio verde funcionar – até mesmo porque não há nenhum projeto sequer no mundo que esteja produzindo em larga escala. Mas as atividades-chave para cada etapa já são desempenhadas por cearenses em laboratórios. Da geração de energia renovável, passando pela dessalinização da água, a eletrólise (processo físico-químico no qual se extrai o hidrogênio) até a distribuição, há teoria sendo estudada e praticada localmente.
“Em termos de preparação de mão de obra, o Estado está preparado para atender as empresas que estão vindo para cá. Ainda estamos nos preparando para um centro de tecnologia de hidrogênio verde. Poderemos fazer uma junção de todas essas cabeças pensantes e desenvolver novas tecnologias ou trabalhar em conjunto com universidades do exterior para desenvolver estudos”, assegura Fernando Nunes, presidente do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Ceará (UFC) – instituição parceira do governo cearense e da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) no projeto.
O cenário dado por Fernando é totalmente inverso ao da chegada da siderúrgica ao Pecém – considerado o último projeto de grande impacto positivo sobre a indústria local. Sem qualificação para a mão de obra ou mesmo para os fornecedores dos serviços, profissionais e empresas cearenses largaram do zero e amargaram ver as vagas de maior salário e os contratos mais “gordos” ocupados por pessoal de fora do Estado e até do País.
“Em 2014, nós não tínhamos nenhuma vocação nessa área. Na época, eles nos requisitaram um plano de ação rápida porque a CSP (Companhia Siderúrgica do Pecém) estava importando mão de obra do Rio, São Paulo e até da Coreia. Fizemos 51 cursos diferentes de 17 áreas. Eles pediram que a gente capacitasse 1,4 mil pessoas selecionadas, dos quais empregaram de imediato 980, e os outros foram sendo empregados depois, lá e em empresas satélites”, recorda Paulo André Holanda, diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial no Ceará (Senai-CE).
A ação desempenhada pelo Senai na época é considerada por ele uma das principais vantagens competitivas, atualmente, no que diz respeito ao pessoal técnico necessário. Isso porque, o Senai tem “condição de tratar esse hub para capacitar mão de obra em segmentos industriais que estão diretamente ligados ou que estão beneficiados”. Assim como a UFC, a instituição também se prepara para aprofundar-se na área, segundo Holanda, com o Instituto Senai de Energias Renováveis e a participação nos editais de inovação da Confederação Nacional da Indústria, onde um projeto de geração solar flutuante é desenvolvido em parceria com uma empresa.
Outra importante instituição que demarca espaço na formação profissional do Estado há décadas, o Instituto Federal do Ceará (IFCE) projeta adaptações nos cursos que vão além da inserção de disciplinas de energias renováveis nos cursos técnicos e tecnológicos. “Temos desde o doutorado até o nível técnico. Criamos uma especialização a nível técnico, mais prática e é uma ferramenta muito útil, principalmente com o hub”, destaca Edilson Mineiro, professor da área de energia do IFCE e do programa Cientista Chefe da Funcap.
Esse potencial de qualificação também faz parte das apresentações feitas dentro e fora do Brasil por representantes do governo cearense. Ao citar as boas colocações nos rankings do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), demonstram, em números, o poder de fogo para a formação de mão de obra: 6 universidades, 26 unidades do Instituto Federal de Educação e 86 Instituições de ensino superior que ofertam 1.165 cursos em 174 áreas de formação. Além disso, os slides trazem as 122 escolas profissionalizantes e os 52 cursos delas.
Dentro deste leque de opções para a formação de mão de obra ainda há o Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec), cuja oferta conta com áreas relacionadas ao hub de hidrogênio, como cursos das Normas Regulamentadoras número 10 (NR10), nas quais estão todos os treinamentos técnicos para lidar com eletricidade – atuação semelhante à do Senai. Entre 2017 e 2021, o Centec contabiliza 188 cursos e um total de 4.148 profissionais formados para este nicho.
“Para o hub, os cursos superiores que temos no Estado já dão para atender a demanda. Seria o ideal? Talvez não, mas devemos ver o perfil, a tecnologia que vai chegar aqui, desde a geração até o transporte e aí saberemos”, analisa Edilson Mineiro, referindo-se às escolhas de tecnologias empregadas para cada uma das atividades da cadeia produtiva do hidrogênio verde.
Esta é justamente a etapa na qual se encontra o cronograma de instalação do hub no Ceará, segundo informa Fernando Nunes. Uma consultoria a ser contratada pelas empresas em parceria com Estado, Fiec e UFC deve definir, a partir das características locais de produção, uso e transporte do hidrogênio verde, quais as melhores técnicas a serem empregadas. A partir daí, uma gama de novos cursos técnicos, tecnólogos e especializações devem ser desenvolvidas.