O Brasil mais do que dobrou a quantidade de estados com produção excedente de energia elétrica que puderam exportar para outros estados. Em 2000, a quantidade de estados exportadores de energia era seis. Em 2020, o número mais do que dobrou e chegou a 15. Um desses estados foi o Ceará, que a partir de 2014 passou a ter superávit na produção. Os dados são de um relatório divulgado pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Dentro desse cenário, destacam-se os resultados das regiões Nordeste e Centro Oeste, que eram deficitárias no início do século e hoje são superavitárias, abastecendo outras regiões. No caso da região Norte, histórica produtora de energia com capacidade de produção superavitária que atende às demandas das regiões deficitárias, a produção energética mais do que dobrou em 20 anos e o superávit de produção subiu de 78% para 143% acima da demanda dos habitantes.
A entrada em operação das usinas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires na região Norte, no período em análise, aumentou ainda mais o seu superávit em energia elétrica, segundo aponta o relatório do MME.
No Nordeste, no início da década de 2010, o déficit de produção ante a demanda da região chegou a ser de 20,9 GW. Tudo isso precisava ser trazido de outras regiões com produção superavitária. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema (ONS), esse déficit foi diminuindo de forma consistente nos últimos cinco anos até que em 2019 houve o último déficit, de 4,9 GW. Em 2020, já houve superávit de 9,2 GW e em 2021 o superávit alcançou 24,2 GW.
O coordenador do Núcleo de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Joaquim Rolim, ressalta que o Nordeste deixou de importar 21% de sua energia em 2000 e agora exporta 12% de sua energia em 2021. Esse fato foi determinante para que não houvesse um racionamento de energia devido à crise de produção no sistema elétrico brasileiro entre 2020 e 2021.
Ainda de acordo com o coordenador do Núcleo de Energia da Fiec, o fator determinante para essa mudança de cenário está ligado ao aproveitamento do potencial em energias renováveis, diminuindo a dependência da Região em produção hidráulica. "O setor elétrico brasileiro tem reduzido as emissões de gases do efeito estufa, com a ampliação da instalação e produção de energias renováveis no Nordeste".
Para o diretor de Geração Centralizada do Sindienergia-CE, Luiz Eduardo Moraes, é notável o desenvolvimento e independência de produção energética do Nordeste, que no início do século dependia da produção de energia proveniente da hidrelétrica de Paulo Afonso-BA.
"Hoje já possuímos em torno de 2,5GW de termelétricas também, que ficam como reserva, mais 2,5GW de eólica e mais de 5GW de solar. E o consumo do Estado já seria atendido com pouco mais de 2GW. E nós temos uma perspectiva de crescimento nos próximos anos muito promissora, principalmente com a ampliação do solar e eólico onshore (em terra), além do eólico offshore (no mar), principalmente com a implantação do hub de hidrogênio verde", analisa.
Ampliação da matriz renovável posiciona muito bem o Brasil: H2V é possibilidade de ser potência
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a matriz energética brasileira em meados da década passada foi formada por 45% de fontes renováveis e 54% de fontes fósseis. Atualmente, o Brasil tem 83% de sua matriz elétrica originada de fontes renováveis, de acordo dados da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia. A participação é liderada pela hidrelétrica (63,8%), seguida de eólica (9,3%), biomassa e biogás (8,9%) e solar centralizada (1,4%).
Esse avanço das fontes renováveis é reconhecido internacionalmente e coloca o Brasil em posição de destaque como potência na produção de energia limpa para consumo próprio. Mas, em meio às metas de redução da emissão de carbono e a demanda por fontes energéticas limpas, o desenvolvimento de uma cadeia de produção de hidrogênio verde (H2V) para exportação aumenta o potencial do Brasil, que agora se vê com potencial de abastecer o planeta com energia limpa.
Luiz Eduardo Moraes, diretor do Sindienergia, acha essa possibilidade plausível analisando o fato que avançamos na legislação, que agora viabiliza a produção híbrida, combinando matrizes de produção, como também regulamentando a produção eólica offshore, que deve render grandes frutos, tanto na demanda de energia para produção do H2V, quando para o consumo interno.
"Hoje não temos nada de eólica offshore, mas já temos no Ibama 80 GW aguardando aprovação, o que é praticamente 50% do consumo total do Brasil (181 GW), somente no Ceará temos 17 GW de offshore aguardando aprovação. É muita energia, mas há um processo de amadurecimento, o valor de produção ainda é mais caro, mas é preciso iniciar, mobilizar o setor, para termos mais essa opção nas próximas décadas", observa.
Joaquim Rolim, coordenador do Núcleo de Energia da Fiec, ainda acrescenta que já em 2024 o Brasil terá produção de hidrogênio verde com custo de produção mais barato do que o hidrogênio azul (produzido a partir de gás natural), segundo uma agência internacional. "Nossa matriz energética brasileira é 84% limpa, enquanto a média mundial é de 26%. As perspectivas futuras são positivas, pois além de exportar energia para outras regiões, o Nordeste pode contribuir ainda mais com o H2V exportando para outros continentes".
Luiz Eduardo completa dizendo que esse pensamento no longo prazo não é devaneio, mas visionário e estratégico, assim como foi o investimento em energia eólica e solar há 30 anos, o que permitiu a emancipação do Nordeste no que se refere à dependência de energia de outras regiões. "É um pensamento de longo prazo que rende frutos."
"E é uma tendência mundial, pela meta de zero carbono até 2050, e para se efetivar essa meta arrojada da forma como se pensa sem emissão de carbono para atender a meta, a eólica offshore precisa ter 2 mil GW instalados no mundo", afirma. "O Brasil tem uma condição melhor, matriz renovável muito boa e o mundo precisa desses locais de sobra de geração renovável. E essa oportunidade está surgindo pelo hidrogênio verde, que oferece a chance de transportar energia de onde se abunda para onde não se tem."
Cenário
O Brasil inicia 2022 com 181,94 GW de potência instalada, de acordo com dados do Sistema de Informações de Geração da Aneel. Desse total em operação, 82,99% das usinas são impulsionadas por fontes consideradas sustentáveis, com baixa emissão de gases do efeito estufa.
Relatório MME
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o século XXI está sendo protagonista de matrizes regionais de geração elétrica menos concentradas e mais diversificadas por fonte. A pasta enfatiza que no século passado, a expansão hidrelétrica ocorreu prioritariamente junto aos maiores centros de carga, das regiões Sudeste e Sul.
Previsão
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o ano de 2021 obteve o segundo melhor resultado na ampliação da capacidade de geração desde 1997, com 7,5 GW. E 2022, a estimativa é melhorar esse feito com incremento de 7,6 GW. As usinas eólicas representaram, em potência, 71% da entrada em operação já realizada no mês janeiro.
EXPORTADORES DE ENERGIA
Cenário 2000 x 2020
2000
6 estados exportadores: Pará, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Paraná e Goiás.
2020
15 estados exportadores: Rondonia, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, CEARÁ, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.
- Se a geração for superior à demanda, há exportação líquida.
- Dos 6 estados exportadores de energia em 2000, apenas Minas Gerais deixou de ser exportador em 2020 e, neste caso, em decorrência da baixa geração hidráulica em razão da seca.
Demanda das regiões - Eletricidade (MWh/habitante)
Período: Geração / Demanda
Nordeste
2000: 1,08 / 1,36(Déficit 21%)
2019: 1,88 / 1,93
2020: 2,11 / 1,88(Superávit 12%)
Norte
2000: 2,69 / 1,52(Superávit 78%)
2019: 6,53 / 2,61
2020: 6,44 / 2,65(Superávit 143%)
Sul
2000: 3,55 / 2,33(Superávit 52%)
2019: 4,52 / 3,65
2020: 3,61 / 3,66(Déficit 2%)
Centro Oeste
2000: 1,16 / 1,75(Déficit 34%)
2019: 4,81 / 3,11
2020: 4,82 / 3,12(Superávit 54%)
Sudeste
2000: 2,06 / 3,01(Déficit
32%)
2019: 2,05 / 3,73
2020: 2,11 / 3,63(Déficit 42%)
BRASIL
2000: 1,99 / 2,24(Déficit 11%)
2019: 2,96 / 3,08
2020: 2,92 / 3,03(Déficit 4%)
- As regiões NE e CO que eram deficitárias em 2000, passaram a ter superávits, sendo que o NE somente no ano de 2020;
- A entrada em operação das usinas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires na região Norte, no período em análise, aumentou ainda mais o seu superávit em energia elétrica;
- Já na região Sul, o baixo regime de chuvas dos últimos anos prejudicou sobremaneira a geração hidráulica, alterando o perfil de região exportadora para ligeiramente importadora.
Fonte: Ministério de Minas e Energia (MME)
Nordeste - Exportação de Energia Elétrica (GWh)
2010: -17.386
2011: -14.045
2012: -11.832
2013: -20.960
2014: -12.138
2015: -13.169
2016: -17.317
2017: -14.183
2018: -14.238
2019: -4.917
2020: 9.275
2021: 24.204
Ceará - Exportação de Energia Elétrica (GWh)
2000: -5.794
2010: -5.496
2011: -6.868
2012: -6.138
2013: -1.268
2014: 4.042
2015: 5.039
2016: 3.029
2017: 5.420
2018: 2.160
2019: 3.223
2020: -439
2021: 4.440
Fonte: ONS / Fiec