O Ceará espera ter confirmados até o início do próximo ano cerca de US$ 21 bilhões em investimentos, após aprovação pelo Senado e encaminhamento à sanção do marco regulatório do programa de incentivos ao hidrogênio de baixo carbono. O cálculo é de Jurandir Picanço, consultor de energias renováveis da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).
A projeção soma os investimentos em geração de energia renovável e eletrólise - o processo químico pelo qual se produz o hidrogênio - das empresas Casa dos Ventos/Total Energy (US$ 7 bilhões), Fortescue (US$ 6 bilhões) e Qair (US$ 6,95 bilhões).
“São três projetos muito parecidos e estão muito avançados. O fato deles terem reservado área e iniciarem terraplanagem (no caso da Fortescue) é uma declaração de que vão tocar o projeto. E sem esse marco legal nenhuma delas ia tomar esse investimento. A expectativa é de que no próximo ano, elas tomem a decisão final de investimento”, ressalta Picanço.
Já sobre o comportamento do setor a partir de agora, ele considera que novos memorandos de entendimento entre empresas e o governo cearense “sempre poderão acontecer”, mas “nossa expectativa é de que a cadeia desenvolva a produção verde aqui e surjam, agora, esses projetos” voltados para o mercado brasileiro.
Entre os setores com maior potencial para tornar esse cenário realidade, como cita o consultor, estão fábricas de fertilizantes, cimenteiras e siderúrgicas. As duas últimas, inclusive, são indústrias que formam o Complexo do Pecém e reforçam o pioneirismo do Estado na formação da cadeia produtiva de H2V.
"O Ceará, com seu potencial estratégico e o Porto do Pecém, consolida-se como um dos principais líderes globais nos avanços do hidrogênio verde e descarbonização. Nosso compromisso é claro: transformar o estado em um hub global de energia limpa”, pontua Eduardo Amaral, presidente da Associação das Empresas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Aecipp).
Ele recorda a soma total das parcerias fechadas “com mais de 30 empresas nacionais e internacionais”, que resultam na atração de “investimentos que ultrapassam US$ 29 bilhões.”
Na avaliação do presidente da Aecipp, juntamente com as articulações entre academia, governo e setor produtivo, esses números configuram “um exemplo do enorme potencial econômico e social que o nosso polo de hidrogênio verde trará, não só para a economia local, mas para a consolidação do Ceará como protagonista no cenário global de energia sustentável."
“O que preciso observar é que não se pode considerar isso como sendo uma nova etapa. Alguns artigos foram vetados por erros técnicos e a aprovação desta semana foi simplesmente a aprovação dos itens vetados, corrigindo de uma forma correta. Isso complementa o projeto anterior”, observa Picanço, referindo-se aos créditos fiscais.
As revisões mencionadas por Picanço e que foram motivo da ação do deputado federal José Guimarães (PT) dizem respeito principalmente aos créditos fiscais para o setor. O documento aprovado na quarta-feira, 4, estima um total de crédito fiscal de R$ 18,3 bilhões, passível de ser concedido entre 2028 e 2032 de R$ 18,3 bilhões.
As regras estipulam os limites anuais de créditos de: R$ 1,7 bilhão em 2028; R$ 2,9 bilhões em 2029; R$ 4,2 bilhões em 2030; R$ 4,5 bilhões em 2031; e R$ 5 bilhões em 2032. Caso o dinheiro não for utilizado em um desses anos, poderá ser realocado nos anos seguintes até 2032.
Os benefícios miram a produção de hidrogênio de baixo carbono, como nomearam os parlamentares. Neste caso, a definição ficou para a produção na qual é admitido valor menor ou igual a 7kg de CO2 por quilo de hidrogênio produzido.
“Eu até temi demora e mudanças, mas foi uma rapidez muito grande. É sinal de que, neste tema, está havendo realmente uma confluência de esforços do Executivo e do Legislativo”, destaca Picanço.
O marco levado ao presidente dá prioridade aos incentivos para setores industriais considerados de difícil descarbonização, como fertilizantes, siderúrgico, cimenteiro, químico e petroquímico. Além de promover o uso do hidrogênio no transporte pesado, como o marítimo.
O presidente do Complexo do Pecém, Hugo Figueiredo, avalia que as duas leis chegam para dar segurança aos investidores, que devem firmar em breve suas decisões finais de investimento. "No início, o hidrogênio verde produzido será realmente para exportação. Mas a longo prazo, o que esperamos é usar parte desse hidrogênio para consumo interno. Agregarmos valor e explorarmos produtos como aço verde, fertilizantes nitrogenados, combustíveis sintéticos, além de equipamentos da própria cadeia produtiva do H2V"
Fernanda Delgado, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (Abihv), diz que a liberação dos créditos fiscais pavimenta “o caminho para um futuro energético mais limpo e competitivo, essencial para que o Brasil se posicione na vanguarda da Nova Economia.”
Ela classifica a aprovação no Senado com os incentivos aos projetos como “marco decisivo para o Brasil adentrar a nova ordem econômica mundial verde” e diz ainda que a decisão “demonstra o compromisso do país com a sustentabilidade, ao fomentar o uso de tecnologias de ponta e incentivar setores cruciais a adotarem práticas de baixa emissão de carbono.”
Academia apta para atender demanda de pesquisa e mão de obra
Componentes estratégicos da cadeia produtiva de qualquer setor, as entidades de ensino e pesquisa se mostram atentas e, principalmente, aptas a atender a demanda por pesquisadores e mão de obra qualificada para atuar na geração de hidrogênio verde (H2V).
A instituição de novos cursos focados no H2V e no desenvolvimento de pesquisas na área podem fazer com que o Ceará não viva algo parecido com o observado na instalação da siderúrgica no Pecém, como recorda Jurandir Picanço, consultor de energias renováveis da Fiec. Ele recorda da importação de mão de obra coreana - vide que as duas principais sócias do empreendimento, a Dongkuk e a Posco, eram sul-coreanas - para os principais cargos da nova indústria da região por não ter mão de obras disponível no Estado. "O hidrogênio vem com a preparação diferente e o Estado está na vanguarda de se preparar para a nova economia", destaca o professor Michael Duarte, coordenador da especificação em Hidrogênio Verde do campus de Paracuru do Instituto Federal de Educação Tecnológica do Ceará (IFCE).
Murilo Luna, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e secretário executivo da Rede de Pesquisa e Inovação em Energias Renováveis do Ceará, ressalta que a academia vem estudando como antecipar as demandas existentes. Ele diz que os estudos vão desde aspectos relacionados às energias renováveis até a conversão dessas energias e a produção de combustíveis sustentáveis e em rotas integradas.