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Tarifaço: Com 87% das vendas de aço para os EUA, setor teme altos custos e modera investimentos
Economia

Tarifaço: Com 87% das vendas de aço para os EUA, setor teme altos custos e modera investimentos

Desde 2024, dados do Governo Federal mostram que o Estado estreitou laços com países como Itália, Índia e Reino Unido
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A MEDIDA de dobrar a cobrança afeta o Brasil e o Ceará no comércio exterior e na estabilidade econômica (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA A MEDIDA de dobrar a cobrança afeta o Brasil e o Ceará no comércio exterior e na estabilidade econômica

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), oficializou o aumento da tarifa do aço e do alumínio de 25% para 50%. A medida de dobrar a cobrança afeta o Brasil e o Ceará no comércio exterior e na estabilidade econômica. Temor de inflação, com alta dos custos, freio nos investimentos e busca, ainda que lenta, pela diversificação de mercado, são impactos avaliados por especialistas ouvidos pelo O POVO.

Conforme Ricard Pereira, diretor administrativo do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico no Estado do Ceará (Simec), as taxas vêm no pior cenário.

“No momento, o mercado passa por uma retração e uma queda, devido à baixa demanda, oferta de matéria-prima e oferta de produto importado, como o vindo da China. E esse anúncio de aumento das taxas, com certeza, será mais um pedacinho de peso nessa balança para o lado negativo.”

Segundo os dados do Comex Stat, até abril deste ano foram exportados mais de US$ 151 milhões da categoria de ferro, ferro fundido e aço no Ceará. O número é 26,3% maior do que o registrado no igual período do ano anterior (cerca de US$ 120 milhões), no entanto, representa menos da metade deste intervalo de tempo em 2023 (US$ 318 milhões).

Considerando apenas os Estados Unidos, há uma predominância de 87% dos valores comercializados destes produtos pelo Ceará, chegando a mais de US$ 133 milhões.

Neste caso, nos quatro primeiros meses de 2025, o valor mais que dobrou na comparação com o quadrimestre de 2024 (US$ 61,6 milhões). Porém, ainda é 44% menor do que em 2023 (US$ 237,8 milhões).

O Ceará em Comex, estudo elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), evidencia ainda que o desempenho do ferro e aço vem sendo impactado, desde o início de 2024, por entraves operacionais no processo de averbação de embarques — etapa que confirma oficialmente a saída da mercadoria do País.

“Na prática, isso significa que muitas exportações realizadas fisicamente não foram registradas nos sistemas estatísticos oficiais.”

Para o alumínio, os números totais são mais baixos, já que não é um setor forte no Estado. Até abril de 2025, foram comercializados cerca de US$ 500 mil, uma baixa tanto em relação ao igual período de 2024 (US$ 884 mil) quanto de 2023 (US$ 747 mil).

Assim, Ricard Pereira, diretor administrativo do Simec, estima que o impacto mais forte será sentido no setor de aço, especialmente nas empresas que produzem um tipo mais comum. “Estamos no olho do furacão e sempre é preocupante a instabilidade. Não há nenhum tipo de industrial, pessoa que invista no meio de produção, que consiga viver com a instabilidade, com a insegurança. E isso a gente expande para outras questões sociopolíticas que o Brasil está vivendo, como a alta da Selic. Então, essas tarifas são apenas mais um dos problemas.”

Já o economista Bruno Corano explica que uma das poucas saídas possíveis seria buscar mercados alternativos. “Se a demanda cair, as empresas vão precisar reduzir a sua produção ou encontrar outros compradores ao redor do mundo, o que não é uma tarefa fácil nem rápida. É uma perspectiva de deterioração, não de melhoria.”

Ainda conforme os dados do Comex Stat, de 2024 para cá, o Ceará estreitou laços com países como Itália, Índia e Reino Unido. Este último, por exemplo, foi o segundo com maior valor exportado em 2025 no setor de ferro e aço, com mais de US$ 14 milhões.

O POVO procurou a ArcelorMittal Pecém, unidade da siderúrgica no Ceará que, em 2024, chegou ao segundo ano consecutivo - desde o início da operação da planta, em 2016 – com a produção de 3 milhões de toneladas de placas de aço por ano, porém, em retorno, orientou a procura pelo Instituto Aço Brasil.

A entidade, em nota, frisou a importância da atuação do governo brasileiro, por intermédio dos Ministérios das Relações Exteriores (MRE) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), visando o reestabelecimento do acordo bilateral estabelecido em 2018, que permitia a exportação de aço brasileiro aos EUA dentro de cotas, sem a aplicação de tarifas adicionais.

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Medida pode beneficiar consumo interno dos EUA

Na visão do economista Bruno Corano, embora a produção doméstica de aço não possa ser ampliada do dia para a noite, a tendência é que, ao longo dos meses, os EUA consumam mais internamente, porque exportar pode ficar mais caro, e reduzam suas importações.

Por isso, atinge diretamente o Brasil, que é o segundo maior exportador de aço para o País. “Os Estados Unidos produzem algo como 75% a 77% da sua necessidade de aço. O restante importam, majoritariamente, do Canadá, depois do Brasil, México e Coreia do Sul. Com as tarifas, vai ficar muito mais caro importar, pressionando para a produção interna aumentar”, explica.

No caso do alumínio, o impacto direto para o Brasil é menor, pois os Estados Unidos importam cerca de 50% do que consomem, mas grande parte vem do Canadá. “O alumínio não impacta tanto o Brasil, mas vai custar muito mais caro para os americanos. Também não será possível aumentar tanto a produção rapidamente”, acrescenta.

Por outro lado, Ulisses Ruiz de Gamboa, professor de economia da Mackenzie, enfatiza que o maior risco não está apenas na redução das exportações, mas no aumento da instabilidade global.

“O efeito mais importante para o Brasil é que toda essa política nacional americana está gerando muita incerteza mundial. E essa maior incerteza já está fazendo cair a demanda mundial pelas matérias-primas que o Brasil exporta.”

Diante desse cenário, Ruiz de Gamboa defende que o Brasil aproveite a situação para ampliar sua inserção no comércio internacional. “O Brasil deveria adotar como estratégia a busca por novos acordos comerciais, como Mercosul-União Europeia, México e outros países.”

Ele ressalta que o Brasil é uma economia ainda muito fechada, limitando sua capacidade de adaptação, e é uma oportunidade para abrir mais esse cenário externo.

Abal demonstra preocupação com medidas

Em resposta, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) demonstrou preocupação com as decisões do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. 

"A entidade alerta para os riscos de uma nova escalada tarifária por parte dos EUA e defende uma resposta estratégica e calibrada. A decisão americana amplia o cenário de incertezas e reforça a importância de instrumentos de defesa comercial e de uma visão de longo prazo para reposicionar o Brasil nas cadeias globais."

Também informa que os Estados Unidos absorveram 16,8% das exportações brasileiras de alumínio, com destaque para chapas e folhas.

"Estima-se que até 90% do alumínio primário produzido nos EUA tenha, em seu DNA, insumos brasileiros — uma complementaridade produtiva que deveria ser considerada em qualquer análise de impacto ou negociação bilateral", diz em nota.

Brasília (DF), 23/12/2024 - O vice-presidente da república e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participa do programa A Voz do Brasil. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
Brasília (DF), 23/12/2024 - O vice-presidente da república e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participa do programa A Voz do Brasil. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Alckmin diz que vai mostrar que o Brasil não é problema para os Estados Unidos

O presidente em exercício e ministro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, disse que vai mostrar que o Brasil não é problema para os Estados Unidos, em relação ao tarifaço geral de Donald Trump do aço e alumínio, dobrando de 25% para 50%.

"A medida dos Estados Unidos, que o presidente tomou ontem, aumentando o imposto de importação de 25% para 50%, não foi só para o Brasil, foi para o mundo inteiro. Então não é ruim só para o Brasil. É ruim para todo mundo, porque você vai encarecer os produtos", frisou, em coletiva de imprensa durante inauguração de parque de energia solar em Minas Gerais.

Ele reforçou que, no caso do aço, há uma complementariedade econômica entre os países. "Nós somos o segundo maior comprador do carvão siderúrgico americano. Nós compramos o carvão siderúrgico, produzimos o semielaborado e vendemos para os Estados Unidos. Os Estados Unidos fazem o elaborado: o motor, o automóvel, o avião. É uma cadeia importante. Então, lamento."

Sobre a medida a tomar, Alckmin falou em partir para o diálogo, por meio do grupo de trabalho formado, pelo lado do Brasil, pelos Ministérios da Indústria e o das Relações Exteriores, e pelo lado americano pelo USTR (Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos).

"Já estivemos em reunião presencial e por videoconferência e vamos aprofundar esse diálogo…  Destacar que o Brasil não é problema para os Estados Unidos, porque dos 10 produtos que eles mais exportam para nós, em oito a tarifa de exportação é zero", complementou.

Do ponto de vista de defesa comercial, o presidente em exercício explicou a renovação de 19 Nomenclaturas Comum do Mercosul (NCMs) do aço. Esta categorização para o comércio exterior foi modificada com imposto de importação mais alto, mas com o uso de cotas. 

Alckmin ainda citou outros quatro NCMs de fuga que precisaram ser atualizados. "A gente viu que estava tendo desvio."

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) demonstrou apoio ao Governo Federal e, em comunicado, informou que as federações de indústria e associações setoriais buscam, junto com o Executivo, "respostas firmes e de soluções para resolver a situação." 

 

Panorama do aço e do ferro

Ferro fundido, ferro e aço exportações, em valor US$ FOB

Ceará

Jan-Abril (2023) - 318.130.176

Jan-Abril (2024) - 120.404.771

Jan-Abril (2025) - 151.994.520

Brasil

Jan-Abril (2023) - 4.969.853.235

Jan-Abril (2024) - 3.977.452.641

Jan-Abril (2025) - 3.717.642.416

Alumínios e suas obras, em valor US$ FOB

Ceará

Jan-Abril (2023) - 747.430

Jan-Abril (2024) - 884.951

Jan-Abril (2025) - 499.525

Brasil

Jan-Abril (2023) - 480.856.129

Jan-Abril (2024) - 528.073.020

Jan-Abril (2025) - 540.727.468

Para quais países o Ceará exportou em 2025?

US$ FOB

Estados Unidos - 133.508.715
Reino Unido - 14.658.665
Países Baixos (Holanda) - 2.469.743
Itália - 291.110
Índia - 245.749
Canadá - 162.458
Bélgica - 157.615
Espanha - 104.867
Suécia - 96.016
Austrália - 63.064
Venezuela - 61.468
Peru - 30.750
Argentina - 30.600
Panamá - 3.709
Libéria - 1.389
Paraguai - 194

Fonte: Comex Stat

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