Empresas exportadoras cearenses afetadas pela imposição de tarifas adicionais pelos Estados Unidos, o chamado tarifaço, querem que os créditos que elas possuem junto à Receita Federal sirvam de garantia para operações de crédito com o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
A ideia é que, como o BNDES é um banco federal e a dívida (créditos tributários de IPI, por exemplo) também é com um órgão federal (a Receita), essa seria uma garantia real e de risco zero para instituição financeira.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, explicou que os créditos já estão homologados e registrados nos balanços das empresas, não se tratando de precatórios ou dívidas incertas.
De acordo com ele, as empresas se sujeitam a pagar um "deságio" (a taxa de juros do empréstimo, como os 6% ao ano mencionados pelo Governo Federal) para antecipar o recebimento desses valores em forma de crédito. Isso resolveria o problema de caixa das empresas de forma imediata e garantiria 100% da operação para o BNDES.
A sugestão foi feita durante o lançamento da Caravana BNDES Brasil Soberano, nesta quinta-feira, 18, na Fiec. O evento serviu para apresentar aos exportadores cearenses, afetados pela imposição de tarifas adicionais pelos Estados Unidos, detalhes do Plano Brasil Soberano.
Equipes técnicas do banco estiveram presentes para apresentar as linhas de crédito e tirar dúvidas do empresariado local.
Durante a apresentação, os empresários cearenses destacaram que as soluções propostas pelo governo federal parecem desconectadas das necessidades imediatas das empresas afetadas pelas novas tarifas de exportação cobradas pelos Estados Unidos.
Ricardo Cavalcante pontuou que há uma forte percepção de que “as autoridades em Brasília não compreendem a dinâmica e os problemas enfrentados pelos empresários nos estados”. Ele citou como exemplo a falta de integração entre os sistemas governamentais e o fato de que as soluções propostas, como as alterações no Reintegra, não são eficazes para a crise atual, pois não geram o caixa necessário de imediato.
Os empresários temem que novas exigências burocráticas dificultem ainda mais o acesso ao crédito. Um exemplo citado é a dificuldade em obter de clientes nos Estados Unidos a comprovação do pagamento de impostos, algo que está sendo exigido por órgãos no Brasil, mas que foge ao controle do exportador brasileiro.
Eles também questionaram a ênfase em linhas de crédito para investimento e aquisição de bens de capital. Ricardo Cavalcante, argumentou que não faz sentido uma empresa ampliar seu parque industrial quando o seu principal mercado, que representava uma parcela significativa do faturamento (acima de 20%), foi subitamente impactado.
A prioridade, segundo eles, deveria ser a manutenção das operações e dos empregos por meio de capital de giro, e não a expansão.
Outra questão levantada é que as taxas do Brasil Soberano, que chegam a 9,2% ao ano no apoio direto e até 10,4% no indireto, são consideradas altas em comparação com as linhas de crédito internacionais, que giram em torno de 5,5% a 6,5%.
Um empresário mencionou que o negócio de exportação opera em dólar e que seria mais vantajoso ter acesso a linhas com custo atrelado à moeda estrangeira, que são mais baratas.
Os representantes do BNDES justificaram que as taxas se baseiam em fontes de recursos nacionais e que, mesmo assim, estão abaixo das taxas de mercado para quem não tem acesso à captação internacional.
Eles consideraram pertinente a sugestão sobre os créditos de exportações como garantia e se comprometeram a levá-la para análise interna, embora tenham ressaltado que o programa atual está amparado por uma medida provisória e utiliza recursos do Fundo Garantidor de Exportação (FGE).
Além disso, foi mencionado o BNDES FGI PEAC Solidário, um fundo garantidor que, se aprovado, poderá garantir até 80% das operações de crédito para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) a custo zero, o que é visto como uma medida potencialmente transformadora para resolver o gargalo do acesso ao crédito por falta de garantias.
O Governo Federal ainda precisa garantir o aporte de R$ 2 bilhões para que essa linha comece a ser ofertada pelo banco.
Para acessar o auxílio, é necessário verificar a elegibilidade por meio deste site. Os interessados precisarão se autenticar utilizando a plataforma gov.br, com o certificado digital da companhia.
Após a autenticação, o sistema informará se é elegível e quais soluções do Plano Brasil Soberano podem ser solicitadas. Em seguida, a recomendação é entrar em contato com o banco com o qual já tem relacionamento.
No caso dos grandes negócios, também é possível diretamente com o BNDES.
Têm direito aos recursos do FGE pessoas jurídicas de todos os portes, cujo faturamento bruto total apurado, entre julho de 2024 a junho de 2025, seja superior a 5%. É preciso também que esteja na tabela de produtos elegíveis publicada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Por outro lado, o valor de R$ 10 bilhões do BNDES abrangerá companhias que os produtos receberam qualquer percentual de tarifa e com qualquer nível de impacto no faturamento bruto. Neste caso, são duas linhas disponíveis: Capital de Giro Emergencial e de Diversificação.
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Exportação de cera de carnaúba em agosto foi zero
O setor de cera de carnaúba, um dos mais tradicionais cearenses, foi drasticamente afetado pelo tarifaço. Humberto Fontenele Neto, tesoureiro do Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba (Sindicarnaúba), disse que, no último mês, a exportação do produto para os Estados Unidos foi zero.
De acordo com ele, o fato é particularmente grave porque cerca de 69% dos valores provenientes das exportações para os EUA são utilizados para a compra de matéria-prima para a safra seguinte.
Para enfrentar a crise, o setor busca recursos estaduais e apoio federal para custear a safra e estocar produtos. "A gente precisa desses recursos justamente para investir na safra, que vai até dezembro, e estocar para, quando os Estados Unidos voltarem, a gente ter mercadoria."
Para mitigar o impacto, ele diz que o governo do Ceará propôs usar os créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) do próprio contribuinte para reembolsar essa diferença ao exportador na tarifa.
No entanto, ele diz que surgiu uma barreira burocrática, pois o governo exige que o exportador apresente um comprovante de que seu cliente nos Estados Unidos pagou o imposto para que o reembolso seja liberado.
Segundo Fontenele Neto, obter este documento é muito difícil para o empresário local. Ele explica que o sistema de apuração de impostos nos EUA é diferente do brasileiro; eles não possuem um "caixa único" e fazem os cálculos ao final do mês ou do trimestre. Isso torna inviável obter um comprovante de pagamento que corresponda à transação específica já realizada e declarada.
O crédito ofertado no Plano Brasil Soberano é visto por Fontenele Neto como uma opção bem-vinda, mas sua atratividade dependerá do spread bancário (diferença entre a porcentagem da taxa de juros cobrada nos empréstimos e aquela paga em investimentos) cobrado pelos bancos intermediários, pois as taxas no mercado internacional são mais competitivas.
PMEs
O BNDES citou ainda o BNDES FGI PEAC Solidário, um fundo garantidor que, se aprovado, poderá garantir até 80% das operações de crédito para pequenos negócios a custo zero