O trabalho por aplicativo, que há dez anos se apresentava como alternativa rápida de renda e promessa de autonomia, vive hoje um cenário de desgaste entre quem está na ponta.
É o que aponta pesquisa nacional realizada pela GigU — fintech social que oferece ferramentas financeiras e de segurança a motoristas e entregadores — que ouviu mais de mil trabalhadores em todo o País e identificou que 45,4% deles pretendem continuar nas plataformas nos próximos anos, mas apenas até encontrar algo melhor.
Enquanto isso, 32,9% não pretendem continuar e querem sair dessa área assim que possível. O
percentual daqueles que pretendem continuar porque encaram os aplicativos como principal
fonte de trabalho soma 21,7%.
Para 77%, as plataformas não se preocupam com o bem-estar do trabalhador.
A pesquisa mostra também que quase quatro em cada dez trabalhadores ganham até R$ 5 mil por mês, mas 74,6% gastam até R$ 3,5 mil para se manter na atividade. Combustível, manutenção, seguro, alimentação e aluguel de veículos consomem boa parte do faturamento.
O resultado é uma margem estreita: 44,2% relatam dificuldade para pagar as contas, e 43,2% já atrasaram despesas básicas, como água, luz e gás.
Enquanto tentam fechar a conta, motoristas e entregadores acumulam jornadas longas. Enquanto tentam fechar a conta, motoristas e entregadores acumulam jornadas longas. De acordo com Luiz Gustavo Neves, CEO da GigU, os dados revelam um setor tensionado entre custos altos e remuneração estagnada.
“Tudo subiu — carro, manutenção, combustível —, mas o valor por quilômetro permanece praticamente o mesmo”, afirma.
A falta de transparência é outro ponto de questionamento para mais da metade dos entrevistados. Além disso, 15,5% deles relataram ter sido bloqueados sem explicação das plataformas.
Para o secretário-geral da Associação dos Motoristas de Aplicativos do Ceará (Amap), Rafael Keilon, bloqueios e punições ainda são um ponto sensível.
“Hoje, o motorista deixa cerca de 70% da renda com custos e comissões. Quem roda de carro alugado praticamente trabalha para não dever. E quando vem um bloqueio injusto, muita gente nem consegue se defender”, afirma Keilon.
Apesar disso, ele reconhece avanços recentes no suporte, como a possibilidade de uso de gravação pelo próprio app para contestar acusações injustas.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas como Uber, 99 e iFood, afirma que não teve acesso à pesquisa da GigU e, por isso, não comenta seus resultados.
A entidade defende que o setor tem buscado “um modelo regulatório equilibrado”, com mais proteção social e segurança jurídica.
Como contraponto, cita uma pesquisa realizada pelo Cebrap em 2024, segundo a qual:
A entidade diz que o setor tem participado de discussões com o Governo Federal para construir “um modelo regulatório equilibrado” e afirma que as plataformas mantém canais abertos para atender dúvidas e reclamações sobre bloqueios e suporte.
Se há divergências nos diagnósticos, há um ponto em comum entre motoristas, especialistas e parte das empresas: a necessidade de regras claras.
Para a Amap, o “mínimo aceitável” numa regulação justa incluiria:
A falta de um piso faz com que corridas de R$ 1 por km continuem sendo ofertadas. “Se você não aceita, outro aceita. E assim a categoria inteira perde”, diz Keilon.
Neves, da GigU, reforça que qualquer regulação que aumente custos para motoristas tende a piorar o cenário. Mas vê espaço para avanços. “Os motoristas pedem a foto do passageiro há anos. Isso reduziria riscos. Uma regulamentação pode ajudar nisso”, ressaltou.
A pesquisa indica que o trabalhador de aplicativo brasileiro não rejeita os apps — ele rejeita as condições atuais. Para 96,4% dos entrevistados, o principal pedido é claro: aumento nos ganhos por corrida.
Outros fatores apontados como fundamentais:
Enquanto a discussão nacional sobre o tema avança lentamente, trabalhadores seguem tentando sobreviver em um modelo que, para muitos, ficou desequilibrado demais.
“Se os ganhos voltassem ao que eram em 2018, a categoria já estaria satisfeita”, resume Keilon.
Confira os assuntos econômicos no Ceará, no Brasil e no Mundo
Siga o canal de Economia no WhatsApp para ficar bem informado
Semana
Pesquisa mostra que 41,85% dos trabalhadores trabalham 6 dias por semana. Outros 23,3% trabalham 7 dias por semana e 23% cinco dias