Quixeramobim, no Sertão Central do Ceará, é um canteiro de obras que se transforma, já com a execução de explosões (veja vídeo mais abaixo), especialmente desde o anúncio do investimento de um complexo logístico-industrial de mais de R$ 600 milhões, que deverá ser um dos três
A expectativa é de que a passagem da ferrovia pela cidade, localizada a 212 km de Fortaleza, proporcione desenvolvimento econômico e crescimento populacional. E este último ponto se tornou uma preocupação.
A infraestrutura logística pensada pela empresa Value Global para movimentar cargas e negócios em Quixeramobim, a partir do desenvolvimento dos trilhos, envolve construir uma verdadeira "cidade" industrial, de mais de 360 hectares (504 campos de futebol). Para dar uma noção, a zona urbana do município tem aproximadamente 150 hectares (210 campos de futebol).
O município reforma sua entrada principal com uma duplicação do acesso, pensa em construir uma nova rodovia para o porto seco e até um bondinho foi mencionado nos planos.
O POVO participou, com exclusividade, da visita do CEO da Value Global, Ricardo Azevedo, e da comitiva do investidor, em janeiro de 2025, ao terreno onde será construído o polo multimodal.
O local fica a quase 15 km do centro de Quixeramobim e, em outras oportunidades, o executivo já havia mencionado que a construção geraria uma questão: a urbanização do entorno e a necessidade de produzir um plano diretor com essa finalidade.
Em resposta à demanda, iniciou-se um movimento coordenado para evitar a preocupação com uma futura "favelização" do entorno do porto seco. A Prefeitura de Quixeramobim contratou o arquiteto Fausto Nilo para desenvolver um "masterplan" para atualizar o plano diretor do município.
O Governo do Ceará, por meio da Secretaria do Planejamento do Estado (Seplag), quer ir além e propõe um estudo multidimensional com mapeamento geoespacial.
Alexandre Cialdini, titular da Seplag, diz que os planos incluem a realização de um mapeamento de impactos econômicos, ambientais e sociais. A ideia é que o estudo seja replicado para um futuro porto seco em uma região mais ao Sul do Estado, que seria em Iguatu, segundo o secretário.
"Nosso objetivo é realizar uma análise de economia espacial e geoespacial, avaliando os efeitos não apenas em Quixeramobim, mas em toda a região circunvizinha. Estive em diálogo com o prefeito de Iguatu, Roberto Filho (PSDB), para discutir modelos comparativos com as especificidades de cada localidade. O que construiremos aqui em Quixeramobim servirá de referência para Iguatu", explica.
Cialdini exalta ainda a participação de Fausto Nilo, já que ele possui mais de 50 anos de experiência no estudo do urbanismo. A partir dos levantamentos já realizados, inclusive com modelos neurais e alinhamento com os empreendedores, considerando seus planos e perspectivas, a equipe realiza os processos preliminares.
Do ponto de vista do polo multimodal, Ricardo Azevedo esteve no município em uma série de reuniões com empresários e lideranças políticas de cidades do entorno, que culminou em um evento de apresentação do projeto. Na oportunidade, o empresário revelou que o empreendimento conta com a perspectiva de abarcar um raio de 250 km de parcerias e negócios.
Ele também deixou em aberto para prefeitos de municípios vizinhos a possibilidade de novos empreendimentos do grupo que vão além do porto seco. Atualmente, para instalação no porto seco, existem 12 pré-contratos assinados, inclusive com a Vibra (ex-BR Distribuidora). A expectativa é que esse número aumente em breve, haja vista o entusiasmo dos empresários locais com as possibilidades de negócios a partir do polo multimodal. Foi o que pontuou Ricardo ao fim do evento.
A estrutura pensada para o espaço conta com área de tancagem (armazenamento de combustíveis), abastecimento e garagem para mais de 300 veículos rodotrens. O polo também deve contar com área de silagem para grãos, assim como espaço para armazenamento de contêineres, granéis sólidos, minerais, área administrativa e um parque de energia solar.
Na sexta-feira, 17 de janeiro, representantes da Comerc, empresa de comercialização de energia do Grupo Vibra (antiga BR Distribuidora), e da Ecoenergia, da Colibri, do Grupo Edson Queiroz, estiveram reunidos com os executivos da Value Global para que haja avanço em relação ao parceiro responsável pela instalação de um parque solar fotovoltaico para atender as instalações.
Ricardo destaca que o olhar regional, para todo o Sertão Central, é importante porque o projeto prevê impactar outros estados, como Piauí, Pernambuco, Maranhão, Tocantins, Paraíba e Rio Grande do Norte.
A defesa do investimento em um complexo logístico-industrial - que pode virar porto seco assim que a Receita Federal alfandegar a área - formaria um ecossistema que liga o comércio exterior e centros de distribuição às indústrias e fornecedores de matéria-prima.
"Esse complexo complementa a Transnordestina e também a estrutura do Porto do Pecém. Ele é necessário para evitar gargalos logísticos como os que, infelizmente, já ocorrem, por exemplo, com dificuldades para operação de contêineres. Além disso, ele também complementa a infraestrutura aeroportuária e facilita operações de carga, como transporte de carne e outros produtos", afirma Ricardo.
A promessa do projeto do porto seco de Quixeramobim é uma logística de 30% a 50% mais barata em comparação com as operações atuais, que dependem de frete rodoviário. A locomotiva da Transnordestina terá o equivalente a 2,5 km de extensão, e já está acordado com a operadora da ferrovia que os trilhos passarão pela propriedade e ficarão 24 horas parados na área para movimentação de cargas.
Essa vantagem competitiva atrai grandes empresas nacionais, como a Vibra, mas também empreendedores locais, como Airton Carneiro, presidente da Rações Carneiro e produtor rural que investe na cultura do algodão.
Ele conta que a movimentação de carretas é intensa em sua propriedade. Em média, de 20 a 30 carregam e descarregam no pátio diariamente. Fala com esperança e destaca que somente um trem da Transnordestina equivale a aproximadamente 200 carretas, o que vai potencializar a capacidade de transformação de insumos em ração e reduzir o custo do frete para escoar a produção de algodão rumo às indústrias têxteis da Região Metropolitana de Fortaleza.
Bem informado sobre os impactos, Airton afirma que nem os transportadores rodoviários devem ser prejudicados.
"Inclusive, uma transportadora me perguntou como isso afetaria o setor deles. Eu expliquei que eles continuarão operando, mas com rotas mais curtas e valores agregados maiores."
"Em vez de gastar uma semana em viagens longas, eles poderão fazer três ou quatro viagens semanais até o ponto de conexão com a Transnordestina. Ou seja, isso melhora a logística sem desempregar os caminhoneiros. No final, todo mundo sai ganhando", comenta.
A perspectiva positiva para o futuro de Quixeramobim já o faz pensar em expansão e revela que já adquiriu um terreno, o que permitirá o atendimento da expansão da demanda tanto por milho, quanto por caroço de algodão - que também é matéria-prima para rações, após a retirada das plumas.
"Hoje, todo o caroço que consumimos vem da mesma região onde a Transnordestina está sendo implantada. Com ela, teremos um frete mais barato".
Até então, revela o empresário, comprava-se o caroço do Mato Grosso por valores entre R$ 400 mil e R$ 480 mil por tonelada, mas o custo do frete é quase 50% superior. Ou seja, o frete é mais caro do que o produto.
"A Transnordestina nos permitirá reduzir esses custos", finaliza.
O setor de rações é um componente importante para a produção agroindustrial cearense. De acordo com os dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um avanço de 42,32% na produção de ração animal.
Sem os dados do milho forrageiro, que só foram levantados a partir de 2024, a produção de Ração Animal de 2024 foi de 1.934.440 toneladas. O montante superou em 16% a expectativa inicial para o ano, que era de 1.665.074 toneladas.
Ao serem contabilizados os dados do milho forrageiro, o Ceará contabiliza a produção de 2.370.978 toneladas, que representa crescimento de 74,43%, em relação ao ano anterior.
A produção de ração animal é sobremaneira importante para a região, já que esse é insumo basilar para manutenção do rebanho bovino, que faz o Sertão Central cearense ter a maior produção leiteira do Estado, e uma das maiores do Nordeste.
Segundo os dados mais recentes, além da pecuária leiteira, o Ceará também está em quarto lugar entre os maiores rebanhos de caprinos (1,2 milhão) e de ovinos (2,5 milhões) no País.
A chegada das obras da Transnordestina em Quixeramobim já movimenta a cadeia econômica local, ainda que a mobilização tenha apenas iniciado. As primeiras explosões das áreas pelas quais serão instalados trilhos já foram realizadas.
Os operários que realizam os primeiros atos já ocuparam boa parte das vagas de hospedagem disponíveis nas áreas mais próximas ao canteiro de obras, que fica distante mais de 20 km do centro do município.
A promessa é que mais trabalhadores sejam mobilizados e cheguem a Quixeramobim entre o fim de janeiro e início de fevereiro, tornando ainda mais escassa a oferta de vagas de hospedagem. Para evitar o “colapso”, uma articulação da prefeitura tem incluído na oferta de hospedagem os motéis localizados na cidade.
“É verdade! A demanda por hospedagem aumentou tanto que até os motéis estão lotados. Muitas casas estão sendo alugadas, e isso reflete o impacto da construção da ferrovia aqui. Ontem mesmo, estávamos lidando com uma necessidade de cerca de 370 trabalhadores envolvidos na obra. A quantidade de mão de obra necessária é impressionante”, confirma o prefeito de Quixeramobim, Cirilo Pimenta.
Ele destaca ainda que a demanda por mão de obra também gera oportunidades de emprego para os moradores da região. As vagas vão desde motoristas, operadores de máquinas até engenheiros e técnicos.
“É um movimento geral em todas as áreas. Isso também aquece a economia local. Até os serviços de saúde, como emissão de atestados médicos para o pessoal que está trabalhando, estão a todo vapor. É um momento muito importante para Quixeramobim”.
Conforme o prefeito, o município possui 12 mil pessoas com carteira assinada, com saldo positivo de mais de 3 mil vagas obtido desde 2021. Essas vagas no setor da construção se somam aos avanços obtidos com o crescimento do comércio e do setor de saúde, com a implantação do Hospital Regional do Sertão Central, que ampliou o atendimento com a inauguração de um setor de politrauma e outros novos serviços.
A demanda para o mercado imobiliário local também deve ser ampliada com a confirmação de novos cursos da Universidade Estadual do Ceará (Uece) no município. Conforme O POVO apurou, existe fila de espera para aluguel de imóveis em Quixeramobim.
A formação de capital humano também é um dos focos na preparação para a chegada da Transnordestina. No evento do último dia 16, a Universidade de Quixeramobim (Uniq) anunciou oficialmente o lançamento de um MBA e dois cursos de tecnólogos para formação de mão de obra qualificada com foco em indústria e logística, que possam atender a demanda por profissionais no porto seco e na ferrovia.
Com a megaobra em andamento, os papocos entram na rotina dos moradores de Quixeramobim. As primeiras explosões nos canteiros de obras da Transnordestina passaram a ser ouvidas em meados de janeiro, marcando um novo momento para a população do município, que até então só “ouvia falar” sobre a obra.
Embora a quadra invernosa no Estado tenha começado no primeiro fim de semana de fevereiro, as detonações já eram comentadas desde a reunião realizada pela Prefeitura de Quixeramobim com prefeitos e empresários do Sertão Central, que contou com a presença de uma comitiva da Value Global.
O POVO esteve em um restaurante regional do município durante o horário de maior movimento, por volta do meio-dia, e, naquele momento, os primeiros estrondos ainda eram assunto entre os clientes.
Uma moradora da cidade comentou com a reportagem que sua reação ao ouvir o barulho junto da filha foi a seguinte: "Era trovão?".
Vídeo mostra a explosão na obra do porto seco em Quixeramobim
Uma série de vídeos dos canteiros de obras da Transnordestina em Quixeramobim repercutiu nas redes sociais no finalzinho de janeiro. Apesar de as obras estarem a mais de 10 km do centro do município, os estrondos que marcam o avanço do projeto chamaram a atenção.
No Instagram, diversos blogs e veículos de comunicação da região divulgaram vídeos gravados por moradores. Nos comentários, alguns relataram que, ao ouvirem o barulho, chegaram a pensar que se tratava de trovoadas, comuns no período chuvoso.
Segundo dados divulgados pela Marquise Infraestrutura, empresa responsável pela obra, os 50 km de construção em Quixeramobim incluirão duas pontes, com extensão total de 358 metros, além de quatro viadutos rodoviários.
Para viabilizar a ferrovia, uma série de detonações será realizada, resultando na escavação de 1,78 milhão de metros cúbicos (m³) de solo, além da formação de aterros com 1,71 milhão de m³.
O volume total de escavações nos seis primeiros lotes da obra no Estado é expressivo: aproximadamente 20 milhões de m³, o suficiente para encher, em média, 12 Arenas Castelão, do gramado até a extremidade do teto.
Já a quantidade de concreto utilizada é estimada em 67 mil m³, o suficiente para erguer um prédio de 1.340 andares. O volume de aço empregado na construção chega a quase 7,5 mil toneladas, equivalente ao utilizado na construção da Torre Eiffel, na França.
No que se refere especificamente às detonações, a Marquise informou que, nos seis primeiros lotes, já foram utilizados quase 4 milhões de explosivos encartuchados.
Para se ter uma ideia da potência dos estrondos, a energia liberada nas explosões equivale à propulsão de 225 foguetes Starship, da empresa SpaceX.
Previstas no projeto e dimensionados no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), as explosões fazem parte do processo de implantação de grandes empreendimentos e devem respeitar a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), segundo observa Davi Rabelo, professor de Licenciamento Ambiental do curso de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
"Elencar esses impactos é fundamental no processo do licenciamento ambiental, pois são justamente os impactos elencados que serão mitigados na fase de implantação e operação desse empreendimento", explica.
Rabelo conta que "é consenso, hoje, sobre grandes empreendimentos como a Transnordestina, impacto sobre a vegetação". Além disso, há atenção sobre o processo de aplainamento do solo, o qual pode gerar erosão e, com isso, surge o risco de impactar reservatórios de água próximos.
Complementa os pontos de atenção ambiental a preocupação com o cotidiano das pessoas. O professor ressalta que, além do barulho gerado pelas explosões, o trânsito das pessoas - especialmente se houver reservas indígenas, assentamentos e comunidades quilombolas próximas - é prioridade também.
No EIA/Rima, detalha, é preciso ter todas as características técnicas do material utilizado, como a dinamite, além de estudos de direção e intensidade do vento para que o barulho e a poeira gerada não impactem negativamente sobre a fauna, a flora e os habitantes do entorno.
"Todas essas comunidades devem ser consultadas, se forem muito próximas. Inclusive, se não for informado que há comunidades destas no EIA/Rima, o processo de licenciamento é suspenso", alerta.
Mas, devido ao tempo de planejamento da ferrovia Transnordestina, a maioria dos conflitos observados data de mais de dez anos. Segundo o professor da Uece, uma das explicações é porque parte do percurso resgata ferrovias já utilizadas e que passam por um processo de reativação.
"O impacto sempre vai existir. Ainda mais porque está sendo atualizado, modernizado. Lógico que é menor porque já está aproveitando uma linha existente", acrescenta.
Como exemplo, Rabelo cita a situação da caatinga. A vegetação atual, de acordo com os estudos acadêmicos, encontra-se em recuperação e é considerado muito raro encontrar uma vegetação na Região que tenha resquícios ainda da caatinga primária. Então, novos impactos sempre são considerados relevantes para avaliar a perda sobre a vegetação.
"O projeto da Transnordestina é estratégico e super importante para o desenvolvimento regional do Brasil, mas desde que respeitada as condições ambientais e fundiárias do semiárido brasileiro", arremata.
A tensão nos meios de hospedagem observada atualmente no processo de construção do terminal multimodal em Quixeramobim desperta um alerta para as autoridades, mas grandes obras como a Transnordestina podem evitar que a formação de favelas e o crescimento desordenado aconteça, segundo analisa o professor Renato Pequeno, pesquisador do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (Lehab/UFC).
“É fundamental que esse projeto, que vem em uma escala regional, dialogue com a política de desenvolvimento urbano de cada município por onde a Transnordestina está passando. Assim, a gente consegue evitar um processo de favelização”, avalia sobre o planejamento do governo cearense.
O tema preocupa Pequeno, que estuda o assunto há décadas e observa com atenção a ampliação do número de favelas no Ceará. Dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, citados pelo pesquisador, atestam a existência de favelas em 12, dos 19 municípios da Região Metropolitana de Fortaleza.
Na prática, explica, a favelização é um processo de ocupação associado a condições precárias de moradia, resultante da ausência ou insuficiência de políticas públicas de habitação e de atenção às demandas sociais em contextos de empobrecimento.
“Esse processo de favelização tem avançado, mas pode ser controlado, especialmente se associado a esses grandes projetos. Tem um exemplo de Cubatão (SP), quando foi feito o complexo de rodovias Imigrantes-Anchieta e estava sendo duplicado até chegar a São Paulo. Nessas rodovias que interligam São Paulo ao Porto de Santos, no caminho, foi feito o Polo Industrial de Cubatão e muitas favelas foram geradas nas proximidades das obras de construção das rodovias, dos túneis e das indústrias. Isso vem quando não há um plano de controle da obra”, citou o professor.
A atração de investimentos projetada para Quixeramobim com a promessa de desenvolvimento econômico deve causar um fluxo de pessoas para a região semelhante a outros grandes empreendimentos, como citado por Pequeno.
Mas saber que há uma tensão na questão da moradia desde agora já é motivo para que as autoridades ajam, como prometeu o secretário estadual Alexandre Cialdini (Planejamento e Gestão).
Isso elimina da realidade de Quixeramobim e das cidades impactadas pela Transnordestina no Ceará o principal motivo de criação de uma favela: quando “o Estado não apresenta soluções para quem está vivendo precariamente e as políticas de habitação são insuficientes”.
Perguntado sobre as responsabilidades das empresas envolvidas em grandes projetos, Renato Pequeno é objetivo: “A primeira coisa é que essas empresas devem seguir a lei municipal, seja plano, lei urbanística e se restringir ao papel que está executando e não fazer uso das informações privilegiadas, como muitas vezes têm. A responsabilidade da empresa é que execute o projeto com o mínimo de impacto possível, respeite as leis, não promova intervenção que comprometa a qualidade de vida e a qualidade dos recursos hídricos.”
Elaborado ainda em 2015, o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da Transnordestina fortalece o objetivo do empreendimento em “promover a redução dos custos econômicos e ambientais de operação para o transporte de insumos e produtos para médias e longas distâncias, uma vez que possibilita melhor relação de custo/benefício”.
No documento, a Transnordestina Logística SA (TLSA) admite que "a implantação e operação da ferrovia poderão ocasionar modificações ambientais e sociais na região, relacionadas aos fatores ambientais identificados na área de inserção do empreendimento, e a partir das quais foram apresentadas soluções de monitoramento e verificação, controle e mitigação para os impactos associados".
As "apreensões" da TLSA, a partir das oportunidades de emprego e negócios geradas com a chegada do empreendimento giram em torno da "possibilidade de afetação de propriedades e de interferências relacionadas às obras."
Riscos identificados e medidas para atenuá-los
Medida: Com a adoção de medidas como cuidados no transporte de cargas; prevenção e controle dos processos erosivos e a identificação e monitoramento de pontos críticos de drenagem, a possibilidade é menor.
Medida: Devendo ser controlado por medidas como o acompanhamento e verificação sistemática da integridade e eficiência dos sistemas de controle ambiental.
Medida: Controle dos sons para reduzir esses incômodos de forma a manter o mais próximo da situação atual.
Medidas: Monitoramento de fauna residual, resgate e afugentamento de fauna e mitigatórias específicas.
A TLSA ainda se propõe a “apoiar os municípios da AID (área de intervenção direta) na revisão e/ou elaboração dos Planos Diretores e Leis de Zoneamento, contribuindo para o desenvolvimento das cidades de modo a potencializar o papel da Ferrovia enquanto vetor de desenvolvimento regional”.
Operacionalmente, a empresa afirma que vai "planejar o tráfego de ônibus, carros e maquinários da obra a fim de causar menor intervenção junto aos
Outra medidas mitigadoras
1. Verificar a implantação da sinalização provisória de todas as vias interceptadas pela ferrovia
2. Supervisionar a efetividade do plano de tráfego e apontar sugestões para melhoria ou remediação de ocorrências existentes, bem como registrar conformidade
3. Planejamento e Execução do Projeto de Adequação Viária
4. Estudar a dinâmica da região e o uso dos acessos traspostos pela ferrovia
5. Elaborar o projeto de Adequação do Sistema Viário
6. Envolver e informar a comunidade sobre a nova dinâmica de tráfego.
O documento alerta para um outro efeito da instalação de grandes empreendimentos e que também preocupa o professor Renato Pequeno: "em decorrência dessas expectativas, tem-se a especulação imobiliária ao longo do eixo".
A lógica de mercado que gera a especulação imobiliária é entendida pelo pesquisador Renato Pequeno, uma vez que “quem é proprietário entende que o empreendimento chega e valoriza a terra dele” e, “sempre que se gera essa expectativa, o proprietário acaba segurando aquela terra aguardando a valorização.”
No entanto, no momento em que uma área é subutilizada e o ambiente ao redor passa por um processo de degradação ou mesmo favelização, ele defende que haja medidas para que seja dada uma função para o terreno dentro daquela realidade.
“Existe um mecanismo chamado de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo. Se mantém um terreno vazio, não constrói nada e fica só aguardando valorização, existe um trio de instrumentos que fazem parte da lei do estatuto da cidade que agem”, cita.
O funcionamento é simples: o terreno sem atividade em uma área de grande aquecimento pode ser autuado pelo Município para que tenha uma função dentro de um ano. Caso isso não aconteça, o IPTU sofrerá um aumento além do já previsto na legislação do município anualmente.
Pequeno ainda informa que este tipo de mecanismo para evitar especulação imobiliária permite que, após cinco anos sem nenhuma atividade pelo dono do terreno, o município pode desapropriar aquele terreno para fins de moradia.
“E desapropria não pagando o valor de mercado, mas pagando o valor venal, referência para o IPTU, que muitas vezes é bem menor que o valor de mercado”, observa.
As proposições do Governo do Estado e da TLSA, no entanto, não devem se sobrepor às medidas e planos dos municípios impactados pelo empreendimento, segundo observa o pesquisador do Lehab/UFC. De acordo com ele, “planejar o Município é responsabilidade do Município”.
O alerta envolve tanto os louros por um bom projeto de zoneamento e/ou plano diretor quanto às responsabilidades devido às cobranças de órgãos competentes para fiscalizar a atividade das Prefeituras, como tribunais de contas e ministérios públicos.
Para o último caso, ele ainda lamenta uma realidade local: “No Ceará, a gente tem muitos municípios com planos diretores, só que são planos que não servem para nada, pois, muitas vezes, são planos feitos por consultorias que mal visitam os municípios.”
Na falta de uma aproximação com a população, que deve apontar as necessidades a serem atendidas pelo planejamento da cidade, o risco das ações do poder público municipal não surtirem efeitos são enormes, com a favelização e a especulação imobiliária compondo os efeitos negativos do mau planejamento.
“Se o proprietário do projeto é o Governo do Estado, que ele faça, mas que faça isso articulado aos municípios, que ele considere que os municípios tenham plano diretor e que busque fazer com que os municípios utilizem esses planos, pois quem vai gerir é o município”, finaliza Renato Pequeno.
Esta série de reportagens é a primeira de um projeto de conteúdo editorial jornalístico e de dados, resultado de parceria do Grupo de Comunicação O POVO (GCOP) e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). O conteúdo será publicado ao longo de 2025.
O protocolo de parceria foi assinado em novembro de 2024 e prevê cooperação técnica que visa à produção de reportagens jornalísticas, a partir de levantamento de dados e análises exclusivas produzidas pelo Observatório da Indústria, referentes a diversos segmentos econômicos, nas esferas estadual, nacional e mundial.
Especial retrata os municípios cearenses que serão impactados pela Transnordestina