Escrito na juventude e guardado por duas décadas, "Era uma vez... O Oceano em Movimento" é o primeiro livro lançado por Roberta Bonfim - atriz, jornalista, pesquisadora e mãe. A obra nasceu da vivência com o mar, na Fortaleza de sua infância, e ressurge como um convite poético e urgente à preservação ambiental. Ao transformar uma narrativa espontânea em livro ilustrado, ela propõe que crianças e adolescentes desenvolvam, desde cedo, uma relação de afeto e responsabilidade com a natureza.
O POVO - Você escreveu esse livro há mais de 20 anos. O que motivou você, ainda naquela época, a tratar do oceano e da relação com o meio ambiente?
Roberta Bonfim - Carolina, eu acho que, naquele momento, nem pensei nele como uma obra, sabe? Eu era muito jovem e tinha uma relação muito próxima com as praias, porque nasci em Fortaleza, na Praia de Iracema. Cresci ali, no nosso extinto Edifício São Pedro, com vista para o oceano, vivendo-o intensamente, mas também já presenciando os esgotos a céu aberto, que nos acompanham desde muito antes da minha consciência ambiental.
A escrita foi espontânea. Reencontrei esse texto e, só nos últimos sete anos, passei a perceber o potencial dele para dialogar com o público infantojuvenil.
Foi lendo para minha filha que entendi a força dessa história. Ela reagia com interesse. Depois, li para um primo e percebi que a narrativa conseguia sensibilizar. Assim, nasceu o sonho de transformá-la em um livro. Convidei o Lourenço Vilar para fazer as ilustrações e fizemos o nosso lançamento.
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O POVO - Como foi revisitar esse texto agora, em 2025, num contexto ambiental urgente?
Roberta - A narrativa original não mudou. A única coisa nova foi o título. Quando escrevi, o texto não tinha nome; começava com "Era uma vez". Ao revisitar o material, percebi a potência da história em relação à crise ambiental atual. Conversei com minha filha, que tem sete anos, e ela me disse: "Mas mãe, o nosso oceano está sempre em movimento, né?"
Hoje, mais do que reler o livro, percebo sua relevância quando vou à praia e me deparo mais com sacos plásticos do que com algas. Isso é muito triste — e é responsabilidade humana. Acredito que a obra tem importância para o público infantil e infantojuvenil, pois contribui para uma educação baseada no afeto com o ambiente. Essa natureza que é a natureza que somos, que nos cerca, que habitamos.
O POVO - O título "Era uma vez… O Oceano em Movimento" sugere uma fábula ou conto. Como a linguagem da literatura infantil pode ajudar a comunicar questões tão profundas como a crise ambiental?
Roberta - Acho que temos uma dificuldade com o excesso de palavras e a humanidade não gosta de ser criticada, né? Mas quando usamos a fábula, damos ao oceano a chance de se apresentar, de nos convocar — e também de apresentar outros elementos, como o sol, a lua, as chuvas. O convite é para que entendamos os ciclos: o do dia, da lua, do sol, das marés...
E ao entendermos esses ciclos, percebemos também os nossos ciclos. Trazer isso como metáfora é, para mim, uma forma de tocar as almas. Tenho fé de que essa abordagem lúdica pode romper a barreira racional das nossas mentes.
Como escritora — e agora lançadora deste livro — quero acreditar que, por meio do lúdico, ele pode sensibilizar e educar as crianças, para que elas convidem os adultos a se entenderem como parte do ambiente e a tratá-lo com mais afeto e respeito.
O POVO - O livro propõe uma reflexão sobre a "responsabilidade individual e coletiva no mundo". Como você acredita que a literatura pode inspirar ações concretas em relação à preservação ambiental?
Roberta - Acredito na potência da literatura — para quase tudo, Carol. Ela é companhia. É um momento em que a gente se encontra com as palavras e a imaginação se liberta. E essa conexão entre o imaginado e o escrito gera sensibilização. Quero acreditar que essa sensibilização pode transformar pequenos comportamentos. Que sejamos lembrados de como é simples separar o lixo orgânico do sólido, de que o resíduo sólido precisa ser descartado no lugar certo. Que, ao olhar para o mar, nos inspiremos e, em vez de deixarmos lixo na areia, levemos tudo de volta, deixando apenas pegadas.
O POVO - Você é atriz, jornalista e pesquisadora. Como essas experiências se cruzam na construção desse livro?
Roberta - Não vejo essas experiências como tão diferentes. Acredito que tudo passa pela escrita e pela arte. Eu costumo brincar que construí três tripés na vida, que estão presentes em todos os caminhos que trilho: o afeto, a cultura de participação e a responsabilidade socioambiental.