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Tite, Neymar, Copa e futebol cearense: auxiliar da seleção, César Sampaio abre o jogo
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Tite, Neymar, Copa e futebol cearense: auxiliar da seleção, César Sampaio abre o jogo

Vice-campeão como jogador em 1998, paulista de 54 anos disputará novo Mundial pelo Brasil, agora em nova função. Sampaio elogia treinador, exalta convivência com camisa 10, relembra passagem pelo Fortaleza e destaca momento do futebol cearense
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Auxiliar técnico César Sampaio em treino da seleção brasileira na Granja Comary, em Teresópolis/RJ (Foto: Lucas Figueiredo/CBF)
Foto: Lucas Figueiredo/CBF Auxiliar técnico César Sampaio em treino da seleção brasileira na Granja Comary, em Teresópolis/RJ

 

A tranquilidade na fala e o constante sorriso no rosto transmitem serenidade em um ambiente de constante pressão. A liderança dos tempos de atleta e a vivência nos campos e vestiários por décadas são trunfos valiosos na nova função, além de cursos de formação e muito estudo. E o sonho de conquistar o mundo, que bateu na trave há 24 anos, permanece mais vivo do que nunca.

Jogador com passagens marcantes por Santos e Palmeiras e ídolo no Japão, Carlos César Sampaio Campos atuou também fora dos gramados como dirigente — inclusive com rápida passagem pelo Fortaleza —, mas parece ter se encontrado à beira do campo. Um dos três assistentes de Tite na seleção brasileira, o paulista de 54 anos ocupa o cargo desde 2019 — primeiro de forma pontual e depois efetivado — e sonha até em virar técnico no futuro.

César Sampaio, porém, evita fazer muitos planos, já que virou auxiliar da seleção quase por acaso após conhecer Tite em um curso da CBF. Com longo currículo na Canarinho, sendo vice-campeão mundial em 1998, o ex-volante abraçou a oportunidade de servir a equipe nacional em mais um Mundial, agora na luta pelo hexacampeonato.

A exatos 115 dias da estreia do Brasil na Copa do Mundo do Catar, diante da Sérvia, o foco é formar a lista de convocação "mais justa" possível, munidos de informações e experiências dos últimos quatro anos, preparar a equipe para os desafios de alto nível e buscar a sonhada sexta estrela para só depois definir se seguirá os passos de Tite de deixar a seleção ou se seguirá carreira solo.

O POVO - De que forma vocês avaliam esta parte final do trabalho e qual a expectativa para a Copa do Mundo?

César Sampaio - A expectativa é muito boa, os números nossos nessa última Eliminatória nos dão a confiança de uma boa preparação e, ao mesmo tempo, sabendo que o objetivo maior traçado é o Mundial. Então toda essa introdução é para que a gente possa ter uma equipe bem preparada, forte, os jogadores dentro do seu melhor físico, já que a Copa, por conta da pandemia (pelo clima no Catar, na verdade), vai ser realizada no final do ano. Meio atípico para a gente, falando de Brasil. A gente esteve também visitando o Catar, as instalações. Entendemos que vai ser uma Copa muito monitorada, a valência técnica deve prevalecer, os campos também em uma qualidade muito boa. A expectativa é para que seja uma Copa grande, que venha a atender a expectativa do público todo e que a gente possa fazer por merecer essa sexta estrela. Estamos nessa estruturação para isso.

OP - Quais as suas funções como auxiliar do Tite e qual a estrutura da comissão técnica?

César - Nós temos uma comissão fixa, despachamos aqui na CBF diariamente, das 10 horas às 19 horas. Somos três auxiliares, eu, Cléber (Xavier) e o Matheus (Bachi, filho de Tite); dois analistas de desempenho, Bruno Baquete e o Thomaz (Araújo); um fisiologista, Guilherme (Passos), e um preparador físico, o Fábio (Mahseredjian). Dividimos por atletas, cada um fica monitorando, em média, de oito a dez atletas por posição. O material de trabalho nosso são os jogos, in loco ou por plataforma. Para ficar mais claro: a gente analisa o jogo, dentro dos atletas que a gente tem para dar feedback, e faz um relatório do jogo. Esse relatório serve de instrumento de trabalho diário. A gente tem reuniões diárias, onde cada um fala sobre o seu atleta, relata o que viu, onde ele pode contribuir, qual a função que tem feito no clube.

Cléber Xavier e César Sampaio têm voz ativa na comissão da seleção(Foto: Lucas Figueiredo/CBF)
Foto: Lucas Figueiredo/CBF Cléber Xavier e César Sampaio têm voz ativa na comissão da seleção

A gente não tem muito tempo de treino, então é importante trazer o jogador para realizar a função que vem fazendo no clube de origem, isso também otimiza o nosso tempo. E assim a gente vai definindo, afunilando. Cada um tem a sua seleção (risos), nós temos opiniões divergentes, aí cabe defender suas opiniões na reunião. E quem define tudo, o ponto de equilíbrio da reunião, é o Tite. São reuniões democráticas, porém acirradas. Tem alguns setores que a margem de diferença entre um atleta e outro é bem pequena, então fica algo muito bem fundamentado. E a gente fica feliz de estar performando, tem conseguido tirar do papel e colocar dentro de campo algo que, até aqui, tem sido prazeroso. A gente espera que toda essa preparação sirva para entrar bem forte na Copa dentro do nosso melhor, extrair dos atletas o melhor de cada um. Sendo assim, o Brasil entra forte na competição.

OP - Como surgiu o convite para ser auxiliar da seleção? Você e o Tite até contaram no PodPah uma história curiosa sobre a sua efetivação...

César - Eu fiquei dez anos como gestor e, dentro da gestão, todo ano eu sempre procurei fazer um curso complementar. É uma função ampla, na grande maioria das vezes o orçamento do clube é direcionado... Não vou dizer que o gestor tem autonomia, mas, na maioria das clubes que eu trabalhei, tive participação no direcionamento desse investimento, para contratar profissionais para diversas posições ou até mesmo equipamentos, estruturação do clube. E aí eu comecei a fazer os cursos de treinador justamente por isso, porque eu que entrevistava os treinadores (para contratar), até para saber a capacidade de um treinador, se está atualizado ou não, modelo de jogo dentro da identidade do clube. Fiz as licenças B, A e Pro e, na Pro, eu coincidi com o Tite.

Tinha esse cargo estabelecido pelo Gilmar Rinaldi, na época do Dunga ainda, de auxiliar pontual, que ex-atletas com histórico na seleção vinham para jogos específicos. Acabei vindo. Caí na mesma classe que o Tite, na época eu estava na ESPN ainda, fiz muitas perguntas para ele durante o curso (risos). Ele acabou me convidando, fiquei dois jogos, depois voltei para mais dois e, na terceira convocação, acabei sendo efetivado. Auxiliar pontual é um nome elegante, mas era um estagiário, literalmente (risos). Eles estavam analisando meu conteúdo e também meu comportamento, como eu iria, no convívio que eles já têm, a base desse grupo já tem 20 anos junto.

Somos totalmente contra qualquer tipo de violência, de agressividade, além da permitida pelas regras. E na fase ofensiva, um jogo criativo, um jogo brasileiro, de construção, tabela, um contra um, que faça valer o preço do ingresso pago

 

Mas o meu histórico, no início, não foi muito bom. Nós ficamos cinco jogos sem vencer, quatro empates e uma derrota. Aí, no sexto jogo, vencemos a Coreia e, depois do jogo, o Tite me chamou no quarto dele. Falou: 'César, você pode passar no meu quarto, por favor?'. Aí, eu já liguei para a minha esposa: 'Caí, né?' (risos) Com esse histórico aí na seleção, quatro empates, uma derrota e só uma vitória, eu falei: 'Já se prepara aí que eu estou voltando para casa'. Aí foi quando ele me convidou. Eles haviam sido campeões da Copa América, a gente veio no final do ano, os atletas, para amistosos, não tão envolvidos, teve também eliminação no Mundial (de 2018)... Enfim, era um grupo que estava se reestruturando. E aí fui efetivado nessa condição. De lá para cá, os números são outros, ainda bem, e a gente fica feliz pela confiança. É uma troca interessante. Eu e o Juninho (Paulista, coordenador técnico) somos os mais novos integrantes da comissão técnica; ele em um cargo de gestão, e eu como auxiliar técnico. Esse foi o meu ingresso nesse grupo seleto e muito qualificado.

OP - E como é a relação com o Tite, em termos pessoais e profissionais?

César - É surpreendente. A gente tem parte da personalidade um pouco parecida, valores de vida. Futebol também, mas o que nos aproximou, creio eu, foram princípios de vida que a gente compartilha. Entendemos que um ser humano melhor, um atleta com objetivos claros e motivado, não só pode nos dar aquilo que tem como capacidade, como esse algo mais. Eu entendo que jogos se vencem com conteúdo técnico e tático, mas alguns jogos a gente vence com a alma mesmo. É um grupo que se gosta, entendo que pode chegar mais longe. Na maioria das equipes que joguei, fui capitão, então tinha esse papel de engajamento. Eu não tinha contato com o Tite. Já o conhecia, estive com ele em alguns momentos específicos, mas não era próximo. Isso nos aproximou e, depois, conteúdo técnico e tático.

É um treinador que gosta de uma equipe organizada de ter a posse de bola, eu também. Quando jogava, os conceitos técnicos e táticos de ser melhor, neutralizar as forças do adversário e trabalhar em cima das fraquezas, fazer por merecer, construir o resultado. Nem em todos os jogos é possível, mas, na grande maioria, dar as cartas. E com a valência técnica, é um treinador que prioriza muito essa superioridade tática, organizado, e técnica. Acaba sendo um jogo gostoso para os atletas de jogar e também de assistir. Nem sempre é possível realizar grandes apresentações, mas a ideia é essa: sempre uma equipe organizada, usar dessa estrutura defensiva para neutralizar o adversário. Somos totalmente contra qualquer tipo de violência, de agressividade, além da permitida pelas regras. E na fase ofensiva, um jogo criativo, um jogo brasileiro, de construção, tabela, um contra um, que faça valer o preço do ingresso pago. São esses elementos que nos aproximaram e depois vim a conhecer o restante da comissão.

Auxiliar técnico elogia comportamento de Neymar na seleção(Foto: Lucas Figueiredo/CBF)
Foto: Lucas Figueiredo/CBF Auxiliar técnico elogia comportamento de Neymar na seleção

OP - Em 1998, você teve a experiência de disputar uma Copa como jogador. Agora terá a oportunidade como auxiliar. Qual a diferença nesses meses finais de preparação?

César - É bem distinto. Simplificando, quando jogador o seu objetivo é buscar o seu melhor, então você pensa em uma pessoa, e como auxiliar pensa nos 50, porque, na nossa lista larga, tem que acompanhar tudo. Então, menos horas de sono. Eu sou apaixonado pelo futebol, isso ajuda bastante, não é trabalho. Minha esposa às vezes tem que chamar: 'Vamos comer', 'Sai daí do quarto', porque o meu divertimento, a minha distração, é ver jogo de futebol, então isso acaba sendo prazeroso. Porém, nós temos um grupo muito qualificado, onde toda e qualquer informação tem que ser muito bem fundamentada para ser exposta, não só internamente, nas nossas reuniões, mas também para abordar os atletas. São atletas que são treinados, na grande maioria, pelos melhores treinadores do mundo e a qualidade dessa informação tem que ser precisa e objetiva. Isso requer muito estudo. Tem que estar muito bem fundamentado, e esse é o trabalho no dia a dia.

Nas reuniões, cada um defende aquilo que acredita ser o melhor. A gente não tem um prato pronto. Na maioria das vezes, nós convocamos e treinamos em cima do adversário: qual é a fragilidade do adversário e como vai atacar e qual é a força do adversário e como vai tentar neutralizar. As convocações passam também por análise dos adversários e o grande momento do atleta. Graças a Deus, no futebol brasileiro temos muitos atletas, opções para as diversas opções e aí cabe a gente estar acompanhando semanalmente para que possa ser justo. A seleção mais forte, na minha avaliação, é a seleção mais justa, quando você traz o atleta que está fazendo por merecer essa oportunidade. Lógico que já existe um link tático, esse universo vai diminuindo, mas trazer um atleta em um grande momento traz não só o que ele vem apresentando no clube, mas também a confiança. Quando está bem, o atleta traz esse empoderamento, que é importante, tratando de seleção brasileira, maior vencedora de Mundiais. A gente sabe que essas cinco estrelas pesam, e o atleta, quando vem com confiança, elas impulsionam.

OP - E de que forma a sua experiência como jogador, com bagagem de Copa do Mundo, pode ajudar a seleção no Catar?

César - Cada um se prepara de um jeito, a gente respeita a singularidade de cada um nessa preparação. É importante não deixar para se preparar quando vier a convocação para a Copa, essa preocupação a gente já vem passando para os atletas e eles também já tiveram essas férias, diferente das demais (Copa). Vai ser em um país onde o calor acaba atrapalhando, mesmo em uma estação intermediária. O Tite morou (no Catar), viveu e disse que é diferente, então os atletas precisam estar no seu melhor físico. Isso já é consciente. Em termos do que eu contribuo, confiança.

No meu Mundial, na véspera do primeiro jogo, contra a Escócia, foi uma das noites mais mal dormidas da minha vida. Eu acordava de meia em meia hora, olhava, a noite não passava. Durante o jogo, acabei até fazendo o primeiro gol na Copa. Quando começa o jogo, você vai fazer aquilo que faz sempre. Difícil se fosse chamar para tocar piano, pintar um quadro, mas jogar bola esses atletas fizeram por merecer estar aqui. E também o conteúdo deles hoje, o mundo ficou 'menor'. A gente vê atletas que são fenômenos econômicos até. Atletas saindo muito cedo do país e clubes precisando vender jogadores para cumprir seus compromissos.

Isso já mudou bastante nesses últimos dez anos, em cinco, oito horas os caras estão em locais diferentes, até por conta da exigência da imagem, atletas que fazem dinheiro jogando e com a imagem também. São cidadãos do mundo. A gente vai mais no direcionamento, nesse sentido de engajamento, de estruturação para que, primeiro, eles se preparem bem, e da nossa parte, procurando fazer um diagnóstico preciso da equipe adversária e dando caminhos para eles. É nesse sentido que tenho contribuído e espero melhorar.

Estou bem feliz com o Neymar... É um atleta que dispensa comentários quanto a sua parte técnica. Um diferencial técnico absurdo, ambidestro, um atacante que hoje, já pela maturidade, exerce também a função na parte de criação, um jogador que tem as percepções defensivas do futsal. Sem bola, ele ocupa muito bem os espaços e as abordagens são procurando fazer essa gestão, roubar a bola, agressividade. Tecnicamente é um cara fantástico

OP - Após a derrota na Copa América, alguns atacantes mais jovens ganharam espaço na seleção e deram nova cara à equipe. Vocês sentiram que isso mudou o clima para o Mundial?

César - Sentimos, sim. O Brasil sempre protagonizou mundialmente esse externo de um contra um... Ponta, atacante de beirada, enfim, o termo muda, mas esse jogador que tem essa valência técnica e física também, a velocidade. A gente agradece também a integração, na oportunidade com o (ex-técnico da seleção olímpica, André) Jardine, o Daniel Alves também teve papel importante quando recebemos esses meninos que foram campeões olímpicos. Em um primeiro momento, eu acompanhei, e eles eram muito mais tensos; agora, não só o título olímpico, mas também a presença do Daniel dá uma referência para eles, e eles estão sendo muito bem quistos e atrevidos.

É normal um atleta mais novo chegar e, nos treinamentos, ainda demorar um pouquinho para entender o funcionamento do todo. E eles, pelo contrário. Os nossos líderes também, Alisson, Thiago Silva, Casemiro, Marquinhos, Neymar, Danilo, são caras que procuram deixar esse ambiente leve, e aí os meninos já vêm com tudo (risos). Aproveitando a oportunidade e engradecendo. Como o Tite sempre diz, são bons problemas. Acaba sendo um problema porque, às vezes, o protagonista vira coadjuvante e o coadjuvante vira ator principal, mas quem ganha é a seleção. A gente está bem contente com isso. E eles trazem algumas variações dos clubes: 'No clube a gente faz uma jogada assim' ou 'tem um ataque dessa forma', então sempre existe troca, por mais que a gente analise, veja os jogos, faça relatórios. Pessoalmente, sempre tem esse quesito da especificidade da função e do setor que eles agregam para a gente.

OP - Em entrevista ao PodPah, o Tite revelou que você se surpreendeu com o comportamento do Neymar no dia a dia. Como tem sido esse convívio?

César - Eu estou bem feliz com o Neymar. A gente tinha um diagnóstico superficial de informações e o convívio com ele tem sido fantástico. É um atleta que dispensa comentários quanto a sua parte técnica. Um diferencial técnico absurdo, ambidestro, um atacante que hoje, já pela maturidade, exerce também a função na parte de criação, um jogador que tem as percepções defensivas do futsal. Sem bola, ele ocupa muito bem os espaços e as abordagens são procurando fazer essa gestão, roubar a bola, agressividade. Tecnicamente é um cara fantástico.

O que eu posso falar é que é um ser humano, mais do que um atleta, que gosta de ser respeitado na sua vida particular. Muitas vezes mal compreendido, porque gosta muito do que faz, ama o futebol, e também acha que nas horas particulares, ele faz as escolhas. Muitas pessoas misturam o Neymar atleta com esse jovem que se acha no direito também de se divertir, ter uma vida entre amigos, família, enfim, que faz suas escolhas extracampo. Respeitador, nenhum deslize disciplinar ou alguma coisa nesse sentido dentro desse convívio, desde que estou aqui, e que me parece bem motivado para esse Mundial.

Isso que é legal. É um dos nossos líderes técnicos, um jogador que estando bem fisicamente, mentalmente, tem tudo para ser muito importante nesse desenvolvimento da equipe. E é nesse sentido que a gente pensa, de estar procurando, não o Neymar especificamente, mas o grupo estar engajado para que possamos ter o melhor de cada um nesse Mundial.

O futebol hoje não tem mais dono. Todo mundo pode fundamentar bem a sua ideia e também tem o orçamento. As equipes que têm orçamento maior, teoricamente, conseguem contratar atletas com diferencial técnico, por isso a superioridade. Mas isso é muito relativo, não dá para cravar. Isso que é legal do esporte, a imprevisibilidade. Quando o juiz apita, você tem que transformar o que está no papel como superior em prática dentro de campo

OP - Em 2017, ainda como dirigente, você teve uma breve passagem pelo Fortaleza. Quais as lembranças dessa época?

César - Foi um momento de reestruturação. Fico feliz pelo que o Fortaleza vive hoje, de ter feito parte da fundamentação. Fui convidado pelo Enio (Ponte Mourão), na oportunidade, que era o diretor de futebol. Até agora na última convocação, com o Marcelo (Paz, presidente do Fortaleza, que chefiou a delegação da seleção na Ásia), a gente conversou bastante. A gente conversava na época, acho que ele era da oposição, porém com grandes ideias, e eu parabenizei. Tenho amigos ainda aí na gestão, a gente sempre liga. (...)

Tem que respeitar também a presença do Rogério (Ceni), conversei muito com ele. Ligava para ele, torcendo. O que ele fez, não só dentro de campo, mas também nas dependências do clube, nas benfeitorias, a estruturação foi maravilhosa. É normal o momento que vive hoje. Tratando-se de jogar Libertadores, ter competições paralelas e ter um elenco que, muitas vezes, é curto para atender a expectativa de todas as competições, é normal oscilar. Mas a gente está na torcida para que possa se recuperar. E eu trago para a seleção e para a CBF um pouco dos lugares que passei.

Uma pessoa maravilhosa que não sai da minha mente nunca é a Toinha, não sei se está aí ainda. Você ver aquela senhora... Muitas vezes, os jogadores e eu chegávamos abatidos, olhávamos o sorriso dela, a maneira como ela te recebia já te ressuscitava, colocava em pé de novo. São a essas pessoas que a gente agradece bastante, faço questão de mencionar o nome dele especificamente porque o momento requer isso. Lógico, que todos possam fazer o seu melhor, mas buscar de dentro, do coração e da alma, essa força para estar se recuperando no Brasileiro. E a gente torce muito à distância. Por onde passei fiz amigos, conservo essas amizades ainda e torço para que o clube possa se recuperar.

César Sampaio dá expediente diário na sede da CBF(Foto: Lucas Figueiredo/CBF)
Foto: Lucas Figueiredo/CBF César Sampaio dá expediente diário na sede da CBF

OP - Nos últimos anos, o futebol tem tido bons resultados a nível nacional e participações internacionais. A que você atribuiu esse desempenho?

César - Para mim, o conteúdo técnico está tendo mais acesso, todos estão tendo acesso a um conteúdo técnico, a estruturação de ideia de jogo, falando principalmente de treinadores, unificou. Eu estou aqui na seleção por conta da CBF Academy, se eu não tivesse feito o curso e conhecido o Tite, dificilmente estaria aqui. Ele também teria mais dificuldade de conhecer o meu conteúdo, e eu, o dele. Esse curso é muito legal. Tem toda a estrutura das aulas, mas esse networking, a conversa entre os treinadores... Tem muitos treinadores que montam comissão técnica durante o curso. Eles chegam, já têm algum clube certo, veem a performance de um no treino, o comportamento de outro na classe, o conteúdo... São todos feras, tratando de Licença A e Pro, treinadores com histórico, mas esse refino você acaba percebendo. São dois módulos de sete dias.

Essa troca de informação acaba dando fundamentos e possibilidades para treinadores organizarem as suas ideias. A gente tem falado bastante de treinadores estrangeiros no Brasil, mas entendo que o treinador é uma pessoa do esporte, não tem muita nacionalidade. Em todas as profissões, quando você é destaque naquilo que faz, diferente dos demais, os grandes centros acabam te recrutando. Hoje, o conteúdo de informação, que era meio uma 'mala preta', um treinador não falava com outro... Na minha época, os caras mudavam treino quando vinha repórter. Mudava o horário de treino (risos), treinava a essência mais cedo e depois um treino alternativo. E isso hoje está disponível nas plataformas todas.

O futebol hoje não tem mais dono. Todo mundo pode fundamentar bem a sua ideia e também tem o orçamento. As equipes que têm orçamento maior, teoricamente, conseguem contratar atletas com diferencial técnico, por isso a superioridade. Mas isso é muito relativo, não dá para cravar. Isso que é legal do esporte, a imprevisibilidade. Quando o juiz apita, você tem que transformar o que está no papel como superior em prática dentro de campo.

OP - Por falar em futebol cearense, na seleção vocês trabalharam com o Thiago Galhardo, recém-contratado pelo Fortaleza. O que você pode falar sobre ele?

César - O Galhardo é... Não vamos dizer um 9 específico de área, é um jogador de mais mobilidade. O termo é segundo atacante, um jogador de aproximação, que tem o seu diferencial técnico como forte, um grande finalizador. Um jogador que quando tem oportunidade, na grande maioria das vezes, acerta o gol, vai exigir do goleiro em um lance claro de gol. E é um jogador muito envolvido com o jogo. Hoje, o diferencial técnico, para mim, de um defensor é a parte ofensiva, de construção, passe, lançamento, aproximação, suporte curto, e o diferencial técnico do atacante é a parte defensiva, ou seja, um jogador que sabe preencher bem o espaço sem bola, que tem essa recomposição, que é um cara 360, que atacando ou defendendo vai ter uma função específica. É lógico que o atacante vai atacar melhor e o defensor vai defender melhor, mas, em termos de unidade, a gente entende que com quanto mais atletas nós atacarmos e quanto mais atletas defendermos, teoricamente nós teremos mais chances de fazer gols e não tomar. E o Galhardo é isso, um cara totalmente envolvido no jogo, ativo ofensiva e defensivamente, além das valências técnicas.

... o Vina é um jogador que nós gostamos muito das valências. Um cara cerebral, de uma técnica incrível. Aquele 10 clássico mesmo, que manda no jogo. Tudo passa em torno dele e sempre tem um coelho na cartola, sempre tem algo para contribuir com a equipe

OP - Outro jogador ligado ao Estado é o Arthur Cabral, revelado pelo Ceará, que estava muito bem na Suíça e agora joga na Itália...

César - Ele estava até debaixo do meu report (relatório, em português). O momento que ele vivia era fantástico e acabamos trazendo. É um jogador, diferente do Galhardo, mais de presença de área, é um pivô, que tem na bola área o seu forte, tem esse jogo combinado também e as finalizações. Enfim, é um 9 (risos). O Galhardo é um segundo atacante, ele já é esse primeiro, de área. Nós estivemos também na Itália vendo um jogo da Juventus contra a Fiorentina, e ele foi muito bem no jogo, pude falar com ele.

Foi interessante que o primeiro jogo nosso, se não me falha a memória, foi contra o Uruguai, nessa data Fifa de dois jogos. Nós tínhamos uma limitação de atletas no banco de reservas, e ele acabou sendo cortado do banco. E quando eu fui dar a notícia para ele... Pô, eu já recebi essa notícia algumas vezes. Vai dentro da perspectiva do atleta: você ir muito bem na sua posição e depois vir para a seleção para treinar e jogar. Eu sei o quanto é frustrante essa informação, mas me impressionou a consciência dele. Eu cheguei e falei: 'Olha, a notícia que eu tenho para te dar não é agradável, é ruim de falar e de ouvir, porém valoriza os processos, estar aqui, a sua carreira tem evoluído' e tal. E ele foi muito lúcido, para a minha surpresa. 'Não, César, só de estar aqui', ele falou, 'Tem alguns ídolos meus, algumas referências que eu estou treinando junto, então isso aqui para mim é fantástico'.

A gente procura sempre dar o mesmo treino e conteúdo e a mesma atenção... Na maioria das vezes, eu, o Cléber (Xavier), o Matheus (Bachi) e os auxiliares que fazemos os treinamentos, a não ser os treinamentos específicos estratégicos, e o Tite fica passando nos campos. O mesmo período que ele fica no campo de quem vai iniciar, ele fica no campo de quem não vai iniciar. Tem até um termo que a gente usa, que a gente não tem um banco de reservas, tem um banco de reforços. E é reforço mesmo, porque em alguns jogos difíceis nessas Eliminatórias, as soluções vieram desse reforço. E aí os jogadores se sentem envolvidos nisso, respeitados. O Arthur é um desses atletas que ainda seguem na nossa lista larga de radar. A gente busca muito a justiça, então ele performando, estando bem na sua forma física, fazendo gols, assistências, sendo diferencial técnico, a gente vai estar sempre de olho.

Cléber Xavier e César Sampaio são dois dos três auxiliares de Tite(Foto: Lucas Figueiredo/CBF)
Foto: Lucas Figueiredo/CBF Cléber Xavier e César Sampaio são dois dos três auxiliares de Tite

OP - Nesse momento de destaque do futebol cearense, dois jogadores se sobressaíram: Vina, do Ceará, e o Pikachu, que estava no Fortaleza. Eles estiveram no radar de vocês?

César - O modelo de jogo ajuda ou, às vezes, acaba prejudicando o atleta. Bom, o Vina é um jogador que nós gostamos muito das valências. Um cara cerebral, de uma técnica incrível. Aquele 10 clássico mesmo, que manda no jogo. Tudo passa em torno dele e sempre tem um coelho na cartola, sempre tem algo para contribuir com a equipe. Ele esteve na nossa lista larga mesmo. Me lembro até que, no momento, a gente estava com (casos de) Covid, nem sempre podia contar com todos. O setor em que ele joga a concorrência é muito alta, o sarrafo é muito elevado (risos). Mas acho que é até uma motivação para o atleta também. Lembro que o Tite mencionou na entrevista de convocação, então foi respeito e consideração ao que ele estava fazendo. Não tem nenhuma demagogia, é pelo que ele vinha executando dentro de campo.

O Pikachu também. Ele é um ala. Nossa equipe, durante a Copa América, a gente fez algumas mudanças e, dentre elas, nós tínhamos o (Renan) Lodi como quinto homem do ataque, do outro lado, pela esquerda. A gente procura entender onde está o espaço para colocar um atleta nessa função, mas hoje nós jogamos mais com a linha de quatro, ou seja, com um lateral construtor, muitas vezes, do que um lateral em amplitude e um externo. A gente prioriza os pontas porque viu que é melhor deixar uma sustentação para esses caras terem o um contra um e pode vir essa ultrapassagem natural durante uma jogada, mas procura sempre dar amplitude com um externo e usar essa lateral mais como construtor e, na fase defensiva, como lateral mesmo, com a linha de quatro mais estruturada.

São modelos. Não sou nem a favor nem contra, a gente fez grandes jogos com o Lodi na função, porém hoje entende que esse externo ou usar como construtor, um meia no 4-2-4 por um dos lados, também pode ser uma superioridade técnica no setor. Mas isso não está fechado (risos). Cada jogo é um jogo, cada jogo o espaço está em um lugar. Pode jogar dez vezes contra o mesmo time que sempre vai ter alguma coisa diferente. Daqui para frente, se tiver espaço, a gente vai usar um lateral ali, sim. É questão do jogo mesmo.

OP - O Tite anunciou que deixará a seleção após a Copa. Você já decidiu algo sobre o futuro?

César - Eu não planejei estar aqui (risos). Eu sou um cara muito competitivo, quando faço algo procuro sempre o meu melhor. Meus planos são para hoje. Quero fazer um grande dia hoje, tenho que ir malhar no final da tarde, saindo daqui tem as responsabilidades (risos). Enfim, um futuro melhor para você depende muito do que tem feito hoje. Extraindo o máximo de informação de um grupo muito qualificado e, pontualmente, contribuindo também com meu modo de pensar nas conversas, engajando esses atletas. Tenho minhas responsabilidades para hoje, tenho meu caderninho com os feedbacks, o trabalho que tenho que fazer e quero fazer um grande dia hoje. Se eu fizer isso, amanhã vai ser melhor, depois de amanhã, semana que vem, mês que vem... A gente tem um compromisso aqui com a CBF, um contrato, e enquanto estiver aqui, vou procurar fazer o meu melhor. Como cristão, Deus tem sido fantástico na minha vida. Só que Deus não joga bola, não trabalha (risos). Ele já me pôs aqui, agora tenho que fazer a minha (parte).

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