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Felipe Neto: "Bolsonaristas me dão uma importância que nem eu mesmo me dou"
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Felipe Neto: "Bolsonaristas me dão uma importância que nem eu mesmo me dou"

Com uma trajetória de mudanças e polêmicas, youtuber carioca Felipe Neto fala sobre as dificuldades da comunicação de esquerda e da necessidade de regulamentação das redes sociais
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 22-11-2024: Entrevista exclusiva com Felipe Neto, durante sua visita ao Expo Favela 2024. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 22-11-2024: Entrevista exclusiva com Felipe Neto, durante sua visita ao Expo Favela 2024. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

 

 

Uma legião de jovens seguiu o youtuber Felipe Neto até os limites do salão da ExpoFavela, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. Era plena sexta-feira, 22 de novembro. Amontoados, os jovens brigavam por uma foto e/ou um abraço do comunicador de 36 anos.

“Cresci com ele”, disseram muitos, com lembranças afetivas de vídeos de críticas a filmes como Crepúsculo (2008), de tinturas coloridas de cabelo, de séries de jogos como Minecraft e reacts de memes, ou seja, reações dele a piadas que circulavam a internet.

Felipe Neto fala sobre regulamentação das redes sociais e saúde mental nas escolas, no evento ExpoFavela(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Felipe Neto fala sobre regulamentação das redes sociais e saúde mental nas escolas, no evento ExpoFavela

Mas Felipe não estava na capital cearense para falar sobre nada disso. Ou, ao menos, não era o foco. De calça branca e camiseta, tinha o estilo e o currículo bem diferente dos colegas do painel que acabara de encerrar.

Há poucos minutos, palestrara sobre regulamentação das redes sociais, educação midiática e saúde mental nas escolas com nomes como o ministro da Educação, Camilo Santana (PT) e o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). Em um meio virtual tomado pela direita, Felipe Neto virou símbolo da comunicação de um espectro mais progressista. Virou foco de ataques de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nem sempre foi assim. O comunicador criou, primeiramente, uma paixão pela atuação. O YouTube foi a forma como pôde se expressar. Diz ter começado na plataforma com uma “mentalidade de extrema-direita”, que incluíam falas polêmicas, algumas machistas, homofóbicas e, na política, antipetistas.

Felipe Neto concede entrevista exclusiva ao O POVO+, durante sua visita ao ExpoFavela 2024(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Felipe Neto concede entrevista exclusiva ao O POVO+, durante sua visita ao ExpoFavela 2024

Aos poucos foi mudando de ideia, e um conjunto de fatores o levou a se engajar cada vez mais para a esquerda. Agora, Felipe Neto segue produzindo conteúdos para a família, no YouTube, mas se diz focado em projetos sociais.

Em 2024, criou o Instituto Felipe Neto, com três frentes: saúde mental, educação midiática e filantropia. Uma das parcerias é com o Instituto Vero, também dele, focado especialmente em projetos voltados a escolas do Brasil e campanhas educativas na Internet.

No dia 7 de setembro lançou o seu novo livro “Como enfrentar o ódio”, focado em um “processo de tomada de consciência política”.

Novas facetas são reveladas todos os dias. No painel do ExpoFavela, revelou ter raízes cearenses e disse admirar a educação no Estado. A declaração foi respondida com um convite para um retorno ao Ceará no futuro, pelo governador Elmano e um agradecimento pelo pronunciamento a favor da campanha petista em Fortaleza.

Se há dez anos esse apoio seria impensável, hoje Felipe não duvida de mais nada. Em uma sala nas entranhas do CEC, ele conversou, acompanhado da namorada Juliane Carvalho, 22, exclusivamente com O POVO+.

Falou da trajetória e dos problemas (e soluções) na comunicação de esquerda. Questionado sobre possíveis pretensões políticas, alegou: “Não tenho a preço de hoje e nem em um futuro próximo. Mas não costumo dizer nunca.”

 

 

 

O POVO+ - Você comentou no painel que tem um vínculo com o Ceará. Conte um pouco mais sobre isso.

Felipe Neto: É! A família da minha avó paterna foi do Ceará para o Rio de Janeiro. Tenho um bisavô cearense, uma bisavó cearense e eu me orgulho bastante disso. Acho que preciso me aproximar mais destas raízes. Quero conhecer mais o Ceará, o Nordeste brasileiro, para, quem sabe, contribuir ainda mais.

OP+ - Você tem contato com esse seu lado familiar?

Felipe - Tenho, tenho. Sou muito próximo da minha família. Estou sempre os vendo. São tudo na minha vida. Minha avó paterna é a única que está viva hoje. Perdi minha avó materna e meus avós masculinos. Ela [a paterna] é a única viva. Eu quase a perdi no ano retrasado "A avó de Felipe, Lena, foi internada aos 82 anos, em 2022. Na época, Felipe não deu detalhes sobre a enfermidade, mas citou-a como 'grave'. Ele passou um tempo afastado das redes devido ao ocorrido." . A amo de paixão. Ela me contou muitas histórias do Ceará, tenho um carinho muito grande pelo Estado.

Felipe revela ter ascendentes cearenses, em entrevista ao O POVO+(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Felipe revela ter ascendentes cearenses, em entrevista ao O POVO+

OP+ - Nos seus primeiros vídeos você se define, antes de tudo, como um ator. Você começou no meio artístico. Qual a importância da atuação na sua caminhada ao longo dos anos e qual o peso dela hoje?

Felipe - Eu comecei no teatro com 12 anos de idade. Então sempre tive esse sonho de ser ator, até porque a minha referência era novela. Não existia YouTube quando eu comecei. Meu sonho sempre foi poder viver de atuação.

A vida acabou apresentando outro caminho. Em uma época que ninguém fazia vídeo ainda para o YouTube, eu comecei a fazer despretensiosamente, a coisa estourou e, quando eu vi, estava com milhões de acessos. Nunca mais saí desse mundo. Continuei. Fui muito feliz e sou muito feliz produzindo o que produzo.

A carreira artística me salvou em vários aspectos. Me salvou por me dar uma profissão. Por mais que eu seja considerado um artista “inferior” aos olhos de muitos, eu não deixo de ser um artista.

É uma arte mundana, uma arte que qualquer um pode fazer, mas é uma arte e esse foi o caminho que me deu tudo o que eu tenho. Então eu devo tudo à arte. Mas principalmente foi o caminho que me impediu de ser, por exemplo, um defensor da Ditadura Militar.

Felipe Neto começou na internet, em 2010, com o quadro "Não Faz Sentido", no qual incorporou um personagem "crítico"(Foto: Reprodução/YouTube/Felipe Neto)
Foto: Reprodução/YouTube/Felipe Neto Felipe Neto começou na internet, em 2010, com o quadro "Não Faz Sentido", no qual incorporou um personagem "crítico"

Eu conto isso no meu livro Como enfrentar o ódio, que eu tive uma educação com a presença muito forte de uma pessoa da minha família "No livro, Felipe Neto cita um tio, que o teria ensinado sobre meritocracia, criticando os que estavam no poder - no caso, o PT." que me levou para esse lado da extrema-direita. Era um grande admirador da Ditadura Militar. O que me impediu de seguir o mesmo caminho é que eu olhava para a Ditadura Militar e falava “não, pera aí. Se eu quero ser ator, como é que eu vou defender a Ditadura Militar?”.

Então essa é a importância da arte. A arte é resistência contra o autoritarismo. Ela nunca vai se permitir que alguma autoridade “censora” se coloque como um grande líder. Acho que a arte me salvou em vários aspectos e ela salva a sociedade em vários aspectos.

OP+ - Você também atribui seu engajamento político à educação. Como jovens comunicadores poderiam adquirir esse tipo de conhecimento e, inclusive, mudar de ideia como aconteceu com você? Você tem esperança que essa mudança aconteça com outras pessoas?

Lançamento do Instituto Felipe Neto ocorreu em 18 de outubro de 2024(Foto: Reprodução/Instagram/@institutofelipeneto)
Foto: Reprodução/Instagram/@institutofelipeneto Lançamento do Instituto Felipe Neto ocorreu em 18 de outubro de 2024

Felipe - Esperança a gente tem que ter, mas mais do que esperança, nós temos que agir. A gente tem que fazer. A esperança, eu não considero uma virtude. Acho que, muitas vezes, pode ser até uma covardia.

Muita gente fica em uma esperança e atrela à ela o seu bem fazer. Ou seja, [falam] “eu tenho esperança, então estou fazendo o suficiente”. Mas não, precisamos ter cada vez mais iniciativas que visem a educação.

Então, como fazer isso? Como você pode usar o seu dinheiro, para fazer isso para quem não tem dinheiro? Isso que eu venho tentando fazer. Criei o Instituto Felipe Neto, criei o Instituto Vero, que é para educação midiática.

Estar nas escolas, fazendo educação de internet, para fazer a garotada entender o que é uma notícia, o que é uma opinião, o que é um artigo, o que é uma informação. Fazer com que o ambiente digital tenha menos ódio, menos extremismo.

Então como podemos fazer? É muito difícil a gente trabalhar uma pessoa. Ficar pensando assim, o influenciador tal, será que ele vai mudar? Ou a pessoa tal, será que ela vai mudar? Enquanto a gente pensar dessa forma, dificilmente a gente vai ter resultado.

O que a gente tem que fazer é levar o máximo de conhecimento possível, principalmente maior curiosidade possível, para o maior número de pessoas e torcer para que estas sejam as novas influenciadoras.

O outro caminho, alguém que já está lá, que já conquistou e se recusa a fazer alguma coisa - como a gente tem muitos influenciadores hoje, que se recusam a falar, se recusam a se posicionar - essas pessoas talvez já estejam perdidas e talvez nem valha a pena a gente gastar muito tempo.

Felipe Neto diz que influenciadores grande que não se posicionam não devem ser foco, mas sim os jovens, em formação(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Felipe Neto diz que influenciadores grande que não se posicionam não devem ser foco, mas sim os jovens, em formação

OP+ - Então o foco não estaria nos influenciadores já estabelecidos?

Felipe - O foco estaria na formação. Formar novos. A pessoa tem que ter a cidadania dela bem mais formada no Brasil. Eu acho que ainda é muito mal formada.

Para que ela saia da escola, saia do ambiente escolar e da faculdade um pouco mais preparada para lidar com a realidade do que ela vai encontrar no ambiente digital, no ambiente das ruas. Acho que isso a gente ainda está distante.

Só o que a gente pode fazer é arregaçar as mangas e trabalhar. Crie alguma coisa, faça um instituto, crie uma empresa, divulgue, participe, é o que eu venho tentando fazer.

OP+ - Mas você começou com outra mentalidade. De certa forma você se enxerga nestas personalidades com posicionamento diferente? Nutre uma leve empatia? Ou considera que não há mais desculpa para ser isento ou enveredar para a direita?

Felipe Neto aposta na formação como meio de incentivar jovens influencers a não enveredar à direita(Foto: Reprodução/Instagram@institutofelipeneto)
Foto: Reprodução/Instagram@institutofelipeneto Felipe Neto aposta na formação como meio de incentivar jovens influencers a não enveredar à direita

Felipe - Eu acho que quem se envereda para a direita eu respeito mais do que quem fica calado. Porque uma pessoa que se envereda para a direita, muitas das vezes ela também é vítima. Vítima da desinformação, de uma lavagem cerebral, de teorias da conspiração. Vou enfrentá-los, pode ter certeza disso, mas ela também é vítima.

A pessoa que fica quieta, sabe porque está quieta. Ela sabe qual o lado certo, ela opta por calar a boca para não perder oportunidade. Para estas pessoas eu não tenho nenhum respeito ou admiração.

A menos, óbvio, que estejamos falando de micro influenciadores, que muitas vezes estão em uma cidade que não podem falar porque perderiam clientes e tudo mais.

Quando falamos de grandes influenciadores, pessoas mais consolidadas, que se recusam a falar, é porque essas pessoas não querem perder ainda mais milhões de reais. A essas pessoas eu não tenho mais nenhum tipo de admiração.

OP+ - E quanto aos jovens? Muitos influencers jovens e políticos jovens vão enveredando, já de início, para a direita ou para a extrema-direita. Como você enxerga esse cenário e o que poderia ser feito para mudar o paradigma?

Felipe - Isso é uma consequência de uma internet desregulamentada. Como a gente tem um ambiente de internet que não tem regras específicas, a extrema-direita continua nadando de braçada, ganhando de todo mundo.

O jovem que se encanta por produzir conteúdo de extrema-direita na internet não está visando ser um grande político de extrema-direita, ele quer acesso. Quer popularidade e fama. Quando você estuda o início destes caras, como o Nikolas Ferreira e o André Fernandes, o que você vai encontrar em comum neles? Uma necessidade extrema de atenção.

Eles queriam, assim como eu quis - também tive minha necessidade de atenção - ser vistos. E o que a extrema-direita está proporcionando hoje é isso. Acesso, audiência.

Felipe Neto diz que extrema-direita oferece a atenção que figuras como Nikolas Ferreira e André Fernandes procuram(Foto: Reprodução/Instagram André Fernandes)
Foto: Reprodução/Instagram André Fernandes Felipe Neto diz que extrema-direita oferece a atenção que figuras como Nikolas Ferreira e André Fernandes procuram

Se você é de esquerda e tenta criar conteúdo na internet, muito provavelmente você vai ter pouco acesso. Quantos influenciadores significativos de esquerda alcançam grande audiência na internet? Poucos. Quantos de extrema-direita? Muitos.

O tempo inteiro surge um novo. O tempo inteiro tem um novo perfil no Twitter com 1 milhão de seguidores propagando todo tipo de mentira.

Isso é resultado de uma impunidade por conta da falta de regulamentação no ambiente digital. A gente só conserta isso com regulamentação. Por isso o mundo inteiro está discutindo esse assunto. A Europa regulamentou e o Brasil precisa seguir o mesmo caminho para regulamentar.

OP+ - Mas, de uma maneira pragmática, você enxerga esse horizonte de uma regulamentação no Brasil?

PRESIDENTE da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
PRESIDENTE da Câmara dos Deputados, Arthur Lira Crédito: LULA MARQUES

Felipe - Enquanto o Arthur Lira for o presidente da Câmara, não. Impossível. E isso ele já deixou bem claro. Ele destruiu o Projeto 2630 "Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet." , que caminhava para a regulamentação, na qual eu trabalhei bastante.

Ele destruiu o projeto. Prometeu criar um grupo de trabalho para começar do zero. Até hoje esse grupo não foi criado. Ou seja, ele já deixou claro que não tem nenhum interesse em legislar a respeito.

Mas vai mudar. Vamos ter um novo presidente da Câmara. É uma figura de direita, de Centrão. E, de Centrão, leia-se, muita gente de extrema-direita ou direita. Eu acredito que ele [Hugo Motta (Republicanos-PB) - deputado cotado para presidência] deva ganhar porque estamos falando de uma aliança até de PT e PL. Uma coisa até meio inexplicável. E só a partir daí vamos conseguir ver se a pauta vai voltar a ser debatida.

De maneira pragmática, enquanto o Arthur Lira for presidente da Câmara, não. Com o novo presidente, talvez.

OP+ - Então como a esquerda pode atuar? Se há esse impasse da regulamentação, como atuar neste ambiente “desigual”?

Felipe - Fazendo pressão. A única coisa que podemos fazer sem lei é pressão. Você faz pressão contra as plataformas, contra os políticos, pela sociedade, através da sociedade e com a sociedade. Pressão internacional.

Eu sou constantemente convidado pela ONU e pela Unesco para palestrar, falar, participar de grupos de trabalho internacionais, onde eu falo o que acontece no Brasil. É o que a gente pode fazer, é o dia a dia.

É botar pressão para ver se alguma coisa muda, mas a gente depende deles [dos parlamentares]. Infelizmente, o presidente da Câmara no Brasil detém um poder desproporcional em uma democracia. Eu digo isso sem nenhum medo de estar errado. Ele não deveria ter, ele sozinho, o poder de pautar o que o Congresso vai votar.

 

 

OP+ - Você mudou bastante de opinião ao longo dos anos e reconhece isso. Há algumas versões sobre essa sua virada à esquerda. Fato é que, em 2018, você ainda se dizia antipetista, mas se engajou no movimento anti-Bolsonaro. Houve um “estalo” para sua mudança? Quando você percebeu que, todos os dias, precisava pautar esse debate, se engajar mais à esquerda e se pronunciar contra a extrema-direita?

Felipe - Esta é a grande temática do livro, “Como enfrentar o ódio”. Não há um estalo. A vida não é muito feita de estalos. Toda mudança, quando ela é profunda, ela é progressiva, acumulativa.

Você vai mudando ao longo do tempo. Eu começo a questionar meus valores de extrema-direita, que eu tinha entranhados em mim, já ali em 2011 e 2012. Eu só vou declarar voto no [Fernando] Haddad em 2018. Estamos falando aí de seis, sete anos de um processo de transformação e, mesmo assim, declaro voto no Haddad dizendo muito claro que sou contra o PT.

 

 

"Eu estava neutro no 2º turno pelo meu ódio ao PT. Tudo mudou quando Bozo falou, AGORA, que vai varrer os opositores para fora do país ou pra cadeia. Em 16 anos de PT eu fui roubado, mas nunca ameaçado. Autoritarismo nunca mais! Irei de Haddad sem orgulho algum, mas pela Democracia."

Pronunciamento de Felipe Neto em 2018, via Twitter.

 

 

Eu não me tornei petista, em nenhum momento eu virei petista propriamente dito. Não tem nenhum partido que eu seja filiado, embora, em uma luta contra o bolsonarismo eu vista a camisa, bote o boné, enfim, defenda absolutamente o PT.

O que foi o divisor de águas para mim foi: estudo. Comecei a estudar o que aconteceu nas Américas, como nossa sociedade surgiu, o que foi o governo brasileiro desde o Império, até o período atual, todas as presidências que tivemos.

Quando você vai se aprofundando na história, você vai tendo uma compreensão melhor principalmente deste espectro: o que é esquerda? O que é direita? O que significa isso?

Eduardo Galeano e Noam Chomsky são citados por Felipe Neto como influências no meio da literatura social e política(Foto: Reprodução Youtube/RT/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Foto: Reprodução Youtube/RT/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Eduardo Galeano e Noam Chomsky são citados por Felipe Neto como influências no meio da literatura social e política

Eu li dois autores que foram muito importantes nesta transformação, que foram o Eduardo Galeano e o Noam Chomsky. O Galeano principalmente com o “Veias Abertas da América Latina”. A partir dali eu comecei a ter uma compreensão maior do que é essa resistência contra esse hipercapitalismo.

E eu diria que, se eu tivesse que definir um estalo, o que foi que me fez, de fato, perceber que eu estava errado a respeito do Lula e da Dilma, foi a Vaza Jato. Por que eu já tinha percebido que a Lava Jato era uma grande armação, mas a coisa não tinha ficado completamente prática e visível.

Isso ficou absolutamente visível com a Vaza Jato. Quando saem as conversas do [Sérgio] Moro combinando as coisas com o [Deltan] Dallagnol, com os procuradores, eu percebo o nível que estávamos inseridos e ali vem uma transformação grande.

Felipe Neto foi oposição forte ao Governo de Jair Bolsonaro (2019-2023)(Foto: GUILHERME DIONIZIO/ESTADÃO CONTEÚDO)
Foto: GUILHERME DIONIZIO/ESTADÃO CONTEÚDO Felipe Neto foi oposição forte ao Governo de Jair Bolsonaro (2019-2023)

OP+ - Imagino que ser oposição no Governo de Jair Bolsonaro também tenha ajudado [no engajamento à esquerda].

Felipe - Ver o Bolsonaro fazer tudo o que fez, ser quem é, me ajudou a querer estudar e me aprofundar mais ainda. Para eu poder criticá-lo.

Eu não posso combater algo se eu não tiver munição o suficiente para poder dialogar, debater, constar. Eu fui me aprofundar. Eu diria que a ascensão do Bolsonaro acabou tendo este aspecto na minha vida, me levou a estudar muito mais profundamente e me colocar muito mais à esquerda.

OP+ - Falando no Governo Bolsonaro. Um perfil seu da Revista Piauí começa no dia das eleições do segundo turno de 2022. Você pulando na piscina de roupa, comemorando. Parecia uma sensação de alívio…

Felipe -  Mas foi. Foi isso mesmo. Eu estava com um avião abastecido para me tirar do Brasil caso o Bolsonaro se elegesse. Eu sabia que tinha algo muito pesado vindo. E estamos vendo agora, que, de fato, tinha.

Ele perdeu e, ainda assim, a gente quase teve um assassinato de todo mundo. E eu fico pensando… Eu era colocado ali em uma prateleira muito alta… 

Ontem o Bolsonaro postou reel no Instagram me atacando. Então, assim, eu tenho uma relevância para eles impressionante que nem eu me dou…

 

 

Dias antes da entrevista ao O POVO+, em 19 de novembro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um vídeo no seu perfil no Instagram. Nele, resgatou falas antigas de Felipe Neto, no qual o youtuber defende a prisão de Lula e critica a classe artística

As falas são recortes de pronunciamentos de 2015 e 2016

 

 

OP+ - Por que você acha que isso acontece?

Felipe - Eles têm o Nikolas Ferreira. E ele faz a juventude querer ser de extrema-direita. Acho que eles veem que o que impede talvez seja a minha presença - e de outros, lógico. Mas acho que me dão essa importância que nem eu me dou. Me dão uma importância enorme.

Então fico imaginando tudo o que teria acontecido comigo se ele tivesse sido eleito. Foi um alívio [a derrota], porque eu temia pela minha vida, dos meus familiares e eu sabia que se ele ganhasse, eu teria que ir embora.

OP+ - Essa questão dos familiares. Você já informou que sua mãe teve de sair do Brasil nesse período.

Felipe - Sim.

OP+ - E você disse ter se sentido muito seguro com a vitória do Lula. Mas, vemos agora, com as últimas notícias - de atentado nos Três Poderes e investigações da Polícia Federal, tentativas de golpe - que ainda há uma certa insegurança no Brasil. Qual sua percepção sobre isso? Como é atuar na oposição ao bolsonarismo hoje, mesmo com um governo progressista, mas com uma extrema direita ainda tão forte?

Prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) após atentado do "homem-bomba", Tiu França(Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil Prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) após atentado do "homem-bomba", Tiu França

Felipe - Eu não me sinto seguro ainda. Eu ainda preciso de um corpo de seguranças grande, várias medidas de segurança. Mas me sinto muito mais seguro do que me sentia durante a gestão Bolsonaro. Até porque o Brasil e o Mundo todo têm uma coisa de serem educados pelo exemplo.

A sociedade é extremamente influenciada pelo exemplo. E é curioso que isso remonta desde os gregos. Desde a Grécia Clássica já se falava sobre a importância do exemplo. A educação pelo exemplo.

Quando você tem uma figura de liderança, neste caso o presidente da República, dando o exemplo de determinado comportamento, você vai ver muita gente repetindo.

Então, o que a gente viu enquanto o Bolsonaro estava no poder? O aumento exponencial das células neonazistas, das pessoas saindo do armário do racismo, colocando para fora tudo o que sentiam contra negros, nordestinos, pobres, imigrantes - mesmo sendo poucos no Brasil. Vimos que o exemplo dado pelo presidente influencia a sociedade.

Agora, como temos na cadeira da presidência um homem que dá um bom exemplo, a gente não tem mais tanta disseminação de violência quanto. Mas, ainda sofremos muito perigo. Ainda estamos com muito risco.

Acabamos de ter um atentado à bomba no Supremo Tribunal Federal, um homem que se suicidou na porta do STF, descobrimos um plano golpista de assasinato. Nada está seguro. Precisamos continuar enfrentando, lutando e tendo preocupação sim.

OP+ - Neste anos mais difíceis, você se arrependeu, em algum momento, de ter tomado essa decisão de se posicionar politicamente?

Felipe - Não. Não me arrependi em nenhum momento. Alguns momentos percebi que tinha me colocado em um lugar de perder muita oportunidade. Perdi muito dinheiro. Muito mesmo.

Obviamente, as empresas não querem fazer campanha com um cara que 25% da população odeia. Obviamente perdi muito dinheiro, oportunidades, contatos com pessoas, empresários. Mas, não me arrependo.

Foi a educação que recebi de pai e mãe. É lutar por justiça. Se eu não tiver lutando por justiça, para devolver parte daquilo que a sociedade me proporcionou, eu sou um vazio existencial. Eu não vejo função da vida.

 

 

OP+ - Mudando rapidamente de tópico. Você fala de remediar erros passados e já disse que seu maior arrependimento foi ter divulgado casa de apostas. Como você remedia esse erro, na prática? O que você faz em relação ao dinheiro que ganhou e as pessoas que acabou incentivando a apostar?

Felipe - Em primeiro lugar, eu separei o dinheiro que eu ganhei na divulgação de casas de apostas. Esse dinheiro está sendo reinvestido na sociedade por meio do meu Instituto, do Vero, de doações.

Todo mundo viu a ação para o Rio Grande do Sul. Todo mundo verá cada vez mais ações minhas e esse dinheiro que eu acumulei com esta campanha não vai ser usado em benefício próprio.

Além disso, venho lutando ativamente, principalmente pelo Instituto Conhecimento Liberta, a qual me tornei sócio, em uma campanha contra as Bets no Brasil. Pela proibição dos cassinos online e pela regulamentação das casas de apostas esportivas.

São duas coisas bastantes distintas, que precisam ser discutidas de maneiras distintas. Mas, que cassinos onlines precisam ser imediatamente banidos da sociedade brasileira, isso é urgente.

Venho lutando, venho pressionando políticos, venho fazendo minha parte. Admiti meu erro. Mostrei pra todo mundo o perigo disso.

Continuo neste discurso de que ninguém mais use dinheiro neste tipo de gasto, pelo sonho de tentar enriquecer. Venho tentando corrigir o erro que eu cometi. Espero que eu consiga em algum momento, perceber que consegui, que reparei o dano que eu causei, mas é uma jornada até lá. 

OP+ - Voltando ao YouTube. Você comentou que, pelo menos da campanha de 2022, não estava tão envolvido na questão de escrever roteiros, por exemplo. Estava focado na política. Como está essa questão hoje e como você leva seu posicionamento político aos seus vídeos?

Felipe - O YouTube é meu trabalho. Meu canal é uma produtora de conteúdo que vai ter uma variedade enorme de conteúdos divertidos para a família. Não é um canal de política, não é um canal sobre o Felipe Neto, pessoa física. É uma apresentação. Sou ali um comunicador de diversão.

Capa de vídeo de dezembro de 2018, pouco após a campanha eleitoral daquele ano. Até hoje, Felipe Neto segue fazendo vídeos com tom humorístico(Foto: YouTube/Felipe Neto)
Foto: YouTube/Felipe Neto Capa de vídeo de dezembro de 2018, pouco após a campanha eleitoral daquele ano. Até hoje, Felipe Neto segue fazendo vídeos com tom humorístico

É natural que o assunto política não entre tanto no meu canal do YouTube. Entrou muito no período eleitoral, porque ali era uma questão de vida ou morte. Era preciso lutar e enfrentar, então meu canal do YouTube se tornou um megafone para a questão política.

Mas, quando a temperatura deu uma diminuída, o meu YouTube [voltou a ser] o lugar onde eu produzo conteúdo profissional para família, para todas as idades. As minhas redes sociais são onde eu travo a minha luta.

Eventualmente isso pode acabar invadindo o YouTube sim, posso fazer piadas e brincadeiras com o assunto, mas sempre de uma maneira mais leve. Acho que esse é o motivo do sucesso do canal, não?

Tem muito bolsonarista que assiste e que, inclusive, manda mensagem dizendo: “Cara, eu te odeio politicamente, mas não consigo parar de ver seus vídeos no YouTube”. Não sei se é bom ou ruim (risos). Só é.

Felipe Neto apoiou a candidatura de Lula em 2024. Ele diz não ter pretensões políticas, mas apenas a reeleição do presidente(Foto: Reprodução/Instagram/@lulaoficial)
Foto: Reprodução/Instagram/@lulaoficial Felipe Neto apoiou a candidatura de Lula em 2024. Ele diz não ter pretensões políticas, mas apenas a reeleição do presidente

OP+ - Sobre o pleito de 2026. Qual será a sua atuação? Você tem alguma pretensão política?

Felipe - Não tenho. Só a pretensão de continuar uma luta política do lado de fora. Continuar influenciando e, obviamente, fazer de tudo, em 2026, para a reeleição do Lula. Por que o outro cenário é a vitória ou do Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo], seja lá de quem for. A gente ainda não sabe.

Há rumores de ser o Flávio ou o Eduardo Bolsonaro. Então, vou lutar com todas as forças pela reeleição do Lula e continuar criticando e cobrando quando o governo fizer alguma coisa que vá em desalinho do que é o pensamento progressista de esquerda.

OP+ - Então sob nenhuma hipótese você entraria na vida política?

Felipe - Não, hoje em dia, nenhuma hipótese. Nem em um futuro próximo. Mas, não costumo dizer nunca porque já cuspi muito para cima e sempre cai na testa. Eu não tenho uma pretensão hoje, mas não posso dizer como vou estar pensando daqui a dez anos. 

OP+ - Política vicia. Quando a gente começa a falar não para mais.

Felipe - Sim. (risos)

OP+ - O que você faz no tempo livre, fora ler, que você já comentou?

Felipe - Fora a leitura, eu não tenho muitas coisas. Gosto de passar o máximo de tempo possível com a minha namorada, com meus amigos e família. Viajar, sair para jantar, ir ao cinema. Assistir filme e série em casa, na cama, quentinho debaixo do edredom.

A minha vida é muito pacata. Não tenho muita adrenalina para contar do dia a dia. Gosto de adrenalina, faço muitas coisas de adrenalina, mas mais quando viajo.

Felipe Neto e a namorada, Juliane Carvalho, 22, em Évora, Portugal(Foto: Reprodução/Instagram/@felipeneto)
Foto: Reprodução/Instagram/@felipeneto Felipe Neto e a namorada, Juliane Carvalho, 22, em Évora, Portugal

OP+ - Você considera essa a sua melhor versão?

Felipe - Acho que hoje sou a melhor versão do meu ser e amanhã serei melhor que hoje. Tentar todo dia e perceber que melhorei em alguma coisa.

OP+ - E quanto ao futuro? Depois de tantas facetas, qual a próxima versão do Felipe Neto que podemos esperar e quais seus planos para um futuro próximo?

Felipe - Agora minha faceta será realmente esta, voltada para literatura e o Instituto. Voltada para a saúde mental e educação midiática. A luta pela regulamentação digital. Pela formação de regras e normas que regulem a nossa vida digital, dêem um norte para a gente e protejam a sociedade. É isso que as pessoas podem esperar de mim em um futuro breve.

E a volta da Saga Minecraft, por que sei que tem muito jovem cobrando! (risos).

 

 



Fãs estudantes

Adolescentes de 16 anos no painel do ExpoFavela disseram ter "escapado" de uma excursão escolar para conhecer o youtuber. "Crescemos com ele", justificaram.

ONU e Unesco

Em 2023, Felipe participou da Assembleia Geral da ONU e de um fórum mundial da Unesco. Ambos voltados para regulamentação e combate a fake news. No último, foi convidado junto de Lula e Luís Roberto Barroso, ministro do STF.

Livros e filmes

Felipe tem seis livros publicados e já participou de filmes, sendo o de maior expressão "Tudo por um Popstar" (2018)

Campanha em Fortaleza

Felipe Neto apoiou a candidatura de Evandro Leitão (PT), em Fortaleza, muito em combate ao nome de André Fernandes (PL).

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