Em uma das reuniões semanais na Redação do O POVO, agraciadas por café e bolo, de preferência o crocante, a dúvida sobre quem era aquela que dava nome ao sabor que animava as tardes surgiu. Como ela aprendeu a fazer bolos? Qual seria o seu sabor favorito? Será que fazer bolos todos os dias a faz feliz, assim como fazem aqueles que saboreiam uma fatia quentinha?
Trilhando seu caminho de forma honesta, Maria de Fátima dos Santos, 56 anos, a Dona Fátima, conquistou uma clientela fiel há mais de 20 anos e vem ampliando seu negócio a cada nova fornada. Ainda criança, deixou Viçosa do Ceará para trabalhar em Fortaleza, partindo em busca de uma vida melhor daquela a que estava acostumada. Na Capital, aprendeu sozinha e por esforço próprio a fazer bolos, tortas, biscoitos e todo o tipo de preparo de doces e salgados.
Sem esquecer a ajuda de inúmeras pessoas, muitas delas que já partiram e compartilharam o gosto pelos bolos da Fátima com filhos e netos, a confeiteira equilibrou os desafios do mercado com a superação de questões pessoais. "Abençoada por Deus", como ela afirma ser, Fátima se mantém com o coração leve, fazendo bolos todos os dias, educando os filhos, cultivando amigos e não deixando a memória da mãe ser apagada.
O POVO - A senhora sempre morou por aqui, nessa casa? Como foi o seu começo?
Fátima - Com oito anos, eu morava em Viçosa do Ceará, mas nessa idade já sabia exatamente o que eu queria. O que eu queria era não ficar em Viçosa, porque tinha muito problema com os meus pais. Era uma família pobre, de muitos filhos e eu sempre botei na minha cabeça que eu não queria ver aquela situação na minha vida, que eu não queria aquilo para mim. Tinha uma tia que tomava conta de um sítio de uma senhora aqui de Fortaleza. E ela sempre me levava para o sítio. Então, um dia, eu perguntei: "A senhora não quer me levar para o sítio, não? Me leve, eu sei trabalhar, você me ensina". E ela: "Tua mãe não vai deixar". E eu: "Vai sim. Tem dia que ela bebe, ela fica legal. Tem dia que ela bebe e ela não fica legal. No dia em que ela estiver legal, eu aviso e a senhora vai lá e pede, só dizer assim: 'Deixa essa menina ir comigo, ela vai trabalhar e mandar dinheiro para ajudar a criar os filhos'".
OP - Isso a senhora com apenas oito anos?
Fátima - Com oito anos já sabia o que eu queria, eu sempre fui uma menina independente porque eu já cuidava dos meus irmãos. Quando a minha mãe bebia, ela ficava muito bêbada, e aí não tinha quem fizesse comida para os meninos e eu tinha que resolver. Sou a mais velha. Uns dias depois, a mãe amanheceu super legal, e mandei chamar a tia. Ela chegou e fez exatamente o que eu tinha pedido. Foi quando a mãe disse: "Pode levar, não tem problema não. Eu conheço você. Sei que a minha cunhada trabalha com você há muitos anos, vocês são umas pessoas muito boas". Então, a dona Zilmar disse: "Eu vou levar ela e todos os meses vem 'X' para você". O que na época era pouquinho, não dava nem para dar de comer aos meninos, mas ajudava. Foi quando eu vim pra cá e, quando eu cheguei, ela estava montando uma fábrica de bolo na Aldeota.
OP - E foi o seu primeiro contato com a confeitaria?
Fátima - Sim. Nessa época, não tinha concorrência de bolo. Eram poucas pessoas. Eu não queria ir embora, então arrumava o que fazer. Acho que com dez anos eu já ia para a fábrica e me acostumava com o ambiente. Toda hora eu corria na produção e perguntava como fazia os biscoitos, os bolos… Eu ia todo dia e queria fazer tudo o que as meninas faziam, eu queria estar lá.
OP - A senhora aprendeu a fazer bolos ao ver as outras cozinheiras produzindo?
Fátima - Sim. Eu, com 13 anos, já tomei conta da produção dela [risos].
OP - E sua mãe durante esses anos?
Fátima - E nunca mais tinha ido lá [em Viçosa]. Naquela época, era adolescente, e não tinha telefone, eram fichas e eu mandava o dinheiro que ela usava para colocar as fichas e me ligava uma, duas vezes por mês. O dinheiro continuava sendo mandado para eles, a senhora que cuidava de mim juntava roupas e enviava para os meus irmãos. Mas uns cinco anos depois, voltei lá e encontrei a mesma situação de quando fui embora.
OP - Como você reagiu?
Fátima - Eu perguntei pra ela: "Mãe, por que a senhora bebe tanto? O que acontece com a senhora? Eu só vou lhe dizer uma coisa, a próxima vez que eu vier aqui, se eu deparar com mesma situação, eu vou tomar os seus filhos todos e a senhora vai ficar sem filho, mas você tem outra opção, você pode deixar o meu pai, ir embora lá para o meu avô, que eu faço uma casa para a senhora lá. E lá a senhora vai ter a sua vida. Eu lhe garanto que de fome você não passa". Eu disse que tinha vergonha e que era o motivo de eu ter saído de lá. Ela olhou para a minha cara e disse: "Pois ontem foi a última vez que tu me viu bêbada. A partir de hoje, eu nem fumo mais nem bebo. Ainda que eu passe fome, mas nunca mais". Ela foi viver a vida dela e eu voltei para Fortaleza para trabalhar.
OP - Quando você retornou para Fortaleza, foi um novo momento na sua vida?
Fátima - Sim. A senhora com quem eu morava me ensinou a escrever meu nome. Nas horas vagas, quando ia dormir, ela me ensinava. Nunca cheguei a ir ao colégio, aprendi muita coisa com ela. E aprendi também com a minha coragem. Botei na cabeça que ia trabalhar e aprender tudo para no futuro ter alguma coisa. Adolescente já dominava a produção, quando faltava algum funcionário eu corria pra fazer o que era necessário.
OP - E como era a vida em Fortaleza?
Fátima - Tinha dias que trabalhava direto, mas eu não queria ir embora. Com 20 anos, eu não queria ir. Eu era uma santa [risos]. Não saía de casa com medo dela me mandar pra fora. Não fazia nada para desagradar. Eu vim para uma família maravilhosa, muito boa, e ela me ensinou muita coisa boa. Sempre deixou claro que era a casa e a empresa dela. Me ensinou algo que levo até hoje: eu tinha que ser quem sou, não era para querer ser outra pessoa. Quando passava gente pedindo esmola, eu ia lá entregar, então, ela me ensinou a não deixar estragar nada, de compartilhar o que sobrava. Eu sou grata a ela e a mim também, pela minha coragem de sair de Viçosa e ir atrás de mudar minha realidade.
OP - A senhora aprendeu a fazer os bolos, biscoitos quando estava na empresa da Zenaide. Mas chegou a fazer algum curso?
Fátima - Foi tudo vendo os outros fazerem. Não tem curso melhor do que você conviver num ambiente que faz. E você tem que querer e ter coragem para fazer. Porque quando eu trabalhava, às vezes, eu passava mais de 11 horas lá. Tinha um rapaz que fazia biscoitos pela noite, porque a produção dos biscoitos teria que ser em um horário que não fosse quente, então, ele ia à noite com a mulher e eu ia com eles fazer biscoito. Eu fazia questão de preparar a massa. Tudo que fiz foi com sacrifício, não foi no meu horário com a Zenaide. Foi no horário em que eu poderia estar dormindo, mas eu ia aproveitar o tempo para aprender. Tinha um pessoal que virava 24 horas e eu passava o dia com eles. Porque, na verdade, eu nunca fiz comida de casa, de ser doméstica ou do lar. Sempre fui para essa área, o meu interesse era lá dentro.
OP - Então, foi vivendo o dia a dia, botando a mão na massa, que a senhora aprendeu o essencial para ter a sua própria produção?
Fátima - A gente tem que aprender dessa maneira. Você não tem noção de como era a qualidade lá, era tudo muito bom. Daí eu comecei a avaliar a qualidade com ela e passou um tempo que eu era que via a qualidade já sozinha. Ela já confiava em mim. Mas eu aprendi muita coisa sobre fazer com qualidade. E hoje sou eu que tenho que ter a minha própria qualidade. Não que ela dissesse o que eu tinha que fazer, mas eu via a maneira como ela trabalhava. Nessa época não existia concorrência, então na confeitaria tinha fila porque as coisas dela eram boas.
OP - E quando você decidiu que era hora de seguir seu próprio caminho?
Fátima - Chegou um momento que desafiei ela, eu tinha 22 anos, acho, e nunca tinha dito "não" para ela. Eu arranjei um namorado, que foi o pai dos meus filhos, e ela mandou eu escolher entre ele ou ficar lá. E eu não gosto que me coloquem para escolher. Ninguém tem que me dar opção de nada, porque eu, com oito anos, já sabia o que eu queria. Aí eu desafiei: "Não vou dizer que eu vou ficar com ele, mas eu vou sair da sua casa agora. Você está me dando a opção, então, eu vou escolher a opção de sair daqui". Foi isso, eu não tinha muita coisa porque lá eu não tinha nem salário, né… Aliás, o salário era para a minha mãe. Enfim, saí de lá, fui para a casa de uma amiga, eu disse: "Gente, eu preciso fazer um bolo para mim. Não tenho nada, não tenho dinheiro". Eu tinha contato com vários clientes, comecei a ligar para eles e avisar que estava montando meu negócio, só que eu precisava de ajuda porque não tinha nada para começar. Aí, uma cliente minha, a Maria, que até faleceu, falou: "Eu vou conversar com todo mundo que te conhece". Ela falou com essas pessoas e eu consegui alugar meu primeiro espaço e ganhei tudo o que precisava: geladeira, forma, instrumentos, mercadoria.
OP - Esse apoio dos clientes que você tinha conquistado antes foi essencial?
Fátima - Bastante. Eu ganhei mercadoria que deu para trabalhar um mês sem tirar R$ 1 meu. E comecei a comprar minhas coisas. Na vila em que morei também, lá tinha um telefone público, então, os clientes ligavam para ele e quem atendia eram os vizinhos. Eu saía na vila, andava um pouquinho, entregava o bolo. Fazia muito biscoito, muito bolo. Passei quatro anos sozinha nesse telefone público. Resolvi me juntar com o pai dos meus filhos e estava ficando pequeno, então, a gente foi para uma outra vila. E ele trabalhava fora e também com os bolos. Mas eu vou ser sincera, eu tive muita ajuda. Tem a Gláucia, que era da Caixa Econômica, que encomendava os biscoitos e distribuía para o pessoal do trabalho. Ela foi muito importante. Tudo que consegui foi com o meu trabalho e a ajuda de muita gente. E sou grata a elas, algumas já faleceram, mas as outras estão vivas. A gente não consegue nada sozinha.
OP - E quanto tempo a senhora tem na casa atual da Fátima Tortas e Bolos?
Fátima - Eu tô há 23 anos nesta casa. E assim, ganhando, pagando e por aí vai. Em dez anos, eu consegui um patrimônio muito bom. Eu acho que pelas coisas boas que fiz pela minha mãe e meu pai, acredito que Deus me compensou.
OP - Como foram os anos iniciais aqui?
Fátima - Era o pessoal conhecido ainda, mas era tanto cliente que trabalhava quase 24 horas. Porque na época era só eu e meu ex-marido. A gente não fazia esses bolos enfeitados que tem hoje [risos]. A gente fazia bolo simples e tinha a cobertura. Então era chocolate, limão... O maracujá sempre foi o "bam bam bam". Os bolos mais simples a gente dominava, eu e ele, só éramos nós dois. E os clientes eram de casa, sabe, eles entravam na cozinha e raspavam a panela, que eles diziam ser a melhor parte. Sinto muita falta disso, porque hoje eles não podem mais. Cansou de chegar cliente dizendo que tem saudade de ver eu cobrindo bolo, ir lá dentro, raspar as panelas.
OP - A senhora ainda faz os bolos, então?
Fátima - Faço. Tem aqueles clientes antigos que não podem mais entrar na cozinha, que reclamam por não poder acompanhar o processo ou que eu não posso atendê-los diretamente. Eu atendo ainda, mas eu ainda faço muita coisa lá dentro. Tem coisa que só é feita comigo. Porém, alguns clientes que entram, botam uma touca, e vão lá pegar a panela, uma colher... [risos].
OP - O contato com os novos clientes mudou…
Fátima - Muita gente não me conhece. Quem me conhece só é o público antigo, ou os que o contato passou de vó para filho, de filho para neto e de neto para bisneto. Ontem mesmo, teve um que veio porque a avó faleceu e ele não sabia quem eu era. Ele chegou e falou: "Dona Fátima, eu trouxe o convite da missa de sétimo dia da minha avó". E eu reconheci quem era a avó dele..
OP - São várias famílias, várias pessoas. A senhora se sente parte da história deles?
Fátima - Procuro fazer de tudo para dar o melhor para eles. E procuro ajudar, conversar... Não sei, é um carinho muito grande. Teve o Dr. Pinho, lá de Viçosa, ele morreu agora com 106 anos. Ele foi muito importante na minha vida, porque quando ele vinha de Viçosa para cá, sempre passava por aqui. Então, ele passou esse carinho que tinha por mim para os filhos, para os netos, os bisnetos. Ele era humilde e foi uma pessoa que me ajudou e ajudou toda a minha família. Quando ele faleceu, fui uma das primeiras pessoas a ser comunicada pelos filhos dele. E o carinho que eles têm comigo, tu não tem noção, dinheiro no mundo paga, bolo nenhum paga, nada paga. Para mim, isso é receita de sucesso.
OP - Teve algum cliente especial, uma memória que a senhora guarda?
Fátima - Todos, no geral, são marcantes. Mas teve um cliente que sempre comprou um bolo aqui, no seu último aniversário, que eu não sabia que seria o último, ele me convidou. E aquilo me surpreendeu porque nunca fui em aniversário de cliente, por não ter tempo; mas, dessa vez, eu fui. Cheguei lá antes dos parabéns e foi um momento bom. Eu falo desse bolo, desse cliente, porque ele comprava comigo desde a época da Zenaide e era alguém que confiava no meu trabalho. Tem outra história de outro cliente que fez questão de eu estar presente no aniversário dele, era de 87 anos. Tinha muita gente, cantamos parabéns, eu parti o bolo e servi para todo mundo. Isso também me marcou porque eu consegui ir e participar de todos os momentos do aniversário, entende? E era algo que todos os anos ele me chamava, mas eu não encontrava tempo suficiente para ir. Aí passou um mês e eu fiquei sem notícias dele, por ser um cliente que tinha uma certa frequência com os pedidos, esse sumiço me deixou preocupada. Liguei para o filho dele, que me contou que o pai tinha falecido devido a um infarto e tinha acabado de enterrar… Teve também uma cliente, que a filha dela me ligou às 22 horas pedindo um bolo de laranja. Sempre fiz bolo de laranja para essa cliente, mas pelo horário era complicado preparar. Só que a filha dela disse que a mãe estava doente e pedia uma única coisa: o meu bolo de laranja. Eu fiz, pedi para levarem na casa dela, acho que demorou uns 40 minutos no total. Essa cliente era parte do grupo que me ajudou lá no início, que esteve comigo durante todos esses anos. No dia seguinte, ela faleceu. Então eu pensei: "E se eu tivesse recusado fazer esse bolo?", eu ia estar com remorso até hoje. E fazer esse bolo, mesmo tarde da noite, não custou nada, o que eram 40 minutos, entende? Todas essas memórias me marcaram muito porque foram coisas que fiz e não que deixei de fazer. Não tenho remorso de nada sobre o que deixei de fazer, meu coração é tranquilo. Se eu tivesse deixado de fazer, eu hoje estaria triste.
OP - E a Dona Zenaide? A senhora voltou a ter contato com ela?
Fátima - Depois que saí de lá, ainda jovem, ela não conseguiu manter a loja, tanto que os clientes que conheci enquanto estava com ela vieram pra mim. Passaram os anos, ela adoeceu e, por não ter tido filho, acabou ficando em uma casa para idosos. Eu ia algumas vezes lá nessa casa passar um tempo com ela, quando eu não podia, o meu filho mais velho ia e a acompanhava, e ela tinha um carinho muito grande por ele. Depois que saí da casa dela, mantivemos o contato, a amizade continuou, não é porque eu saí e ela não ter me ajudado nos primeiros meses que eu ia guardar mágoa. Eu era grata, ela me acolheu e eu a agradeço por tudo isso. Nesses anos, ela ainda ficava com os meus filhos, todos tiveram contato com ela, passavam dias na casa dela e os tratava bem.
OP - Falando dos seus filhos, eles trabalham na Fátima Tortas e Bolos?
Fátima - Tem um na produção, que é o Mário Filho. O Matheus me ajuda em tudo e atende no financeiro. E o Vitor trabalha fora, mas me ajuda demais. E tem o Lucas que também está por aqui. Todos são meninos incríveis, eu não sei de onde eu tirei tantos filhos bons na minha vida.
OP - Como é trabalhar em família?
Fátima - Sabe como é o pessoal mais jovem, né? Meus filhos e os funcionários querem trabalhar de maneira diferente, mas o meu jeito é antigo. Continuo no jeito antigo, mas não dou mais conta, né?
OP - E de que forma a tecnologia ajudou na produção na Fátima Tortas e Bolos?
Fátima - Olha, mudou porque agora eu estou trabalhando mais. Amo o que faço, só não viro a noite fazendo bolo por não ter idade. O Mário fica na produção e no atendimento aos clientes no WhatsApp. Já com as vendas no iFood, isso facilita para a gente e também para os motoqueiros.
OP - Já pensou em aposentadoria?
Fátima - Sim. Mas não vou deixar de fazer bolo. A pessoa que está acostumada a trabalhar não pode parar. Eu vou diminuir o ritmo, sim, futuramente vai ser do meu filho, mas eu vou continuar por aqui ajudando. O Mário vai assumir tudo por ser o que está com a mão na massa, por viver lá dentro. E a produção é o que mais importa em tudo aqui, porque é de lá que sai o que vai parar nas mãos do cliente.
OP - A senhora come bolo todo dia?
Fátima - Todo dia vão dois bolos lá para a mesa de casa, um para o café da manhã e outro para o fim da tarde.
OP - E qual o seu bolo favorito?
Fátima - O de maracujá [risos].
OP - Ao olhar para a sua trajetória, como você avalia esses anos?
Fátima - Tudo valeu a pena na minha vida. Está valendo. Deu tudo certo. Eu sempre me conformei com pouco, eu não quero muito, só queria seguir e engrandecer o meu trabalho, criar meus filhos e pagar minhas dívidas. O pouco é suficiente e para mim tá bom.
OP - A senhora ainda visita Viçosa do Ceará?
Fátima - Agora vou mais, porque tenho tempo. Deixo os meninos cuidando de tudo e vou. Vou a cada três meses, às vezes, fico mais de uma semana por lá… É um lugar maravilhoso.
OP - Depois de todos esses anos em Fortaleza, com empresa e família formada. Como ficou a relação com a sua mãe?
Fátima - Eu não tive convivência com a minha mãe, nunca dei um abraço nela, porque sempre travou aquilo, mas ela sempre vinha para a minha casa, depois que eu me casei ela vinha três vezes no ano, passava um mês comigo, me ajudava em tudo. E continuei ajudando ela. A minha mãe começou com o Alzheimer aos 55 anos e veio morar aqui. Ficou em cima de uma cama durante três anos, nesse tempo eu banquei tudo: hospital, cuidados, remédios. Vinha uma equipe médica a cada semana verificar ela, mas tive muita ajuda de outras pessoas. Uma delas foi a Dra. Silvana, que eu conheci quando era criança, que vinha comprar com a mãe e eu dava biscoitos. Depois de alguns anos, ela já formada, médica, veio aqui e esbarrou com a minha mãe. Daí contei a situação e ela pediu para eu levar a minha mãe lá no Hospital da Polícia. A minha irmã se mudou pra cá e ajudava nos cuidados, mas a Dra. Silvana estava acompanhando. Quando minha mãe faleceu, a Dra. fez todos os procedimentos. Sabe, aquela criança que conquistei com um biscoito cresceu, virou uma mulher, uma médica, ajudou a minha mãe e me ajudou. Hoje, a Dra. Silvana cuida da minha família e também dos meus amigos. Tudo o que a gente faz de bom, sem intenção por trás, Deus nos dá em dobro.
OP - Essa ajuda deve ter sido importante…
Fátima - Bastante. Eu nunca tinha conseguido dar um abraço na minha mãe. Antes dela falecer, eu subi para o quarto dela, li a Bíblia e a gente conversou. Meu filho mais novo apareceu e pediu pra eu dar um abraço na avó. Acho que ele foi usado por Deus para que eu tivesse essa oportunidade de dar um abraço na minha mãe. Tinha vergonha de abraçar. Na hora, pedi desculpas, falei que não tinha raiva e agradeci por tudo o que ela tinha feito por mim: "Obrigada por ter me dado para aquela mulher, porque foi ali que pude ajudar a nossa família. A senhora pode ir, vá em paz, eu nunca guardei rancor, eu sempre te agradeci". Consegui dar aquele abraço, senti o coração dela. Minhas irmãs eram do carinho, mas comigo era ajudar com o que dava, dinheiro, roupa… Não tinha como eu dar algo se nunca recebi antes.
OP - A senhora sentiu um alívio?
Fátima - Sou outra pessoa. Sempre fui uma pessoa boa com os outros, mas eu não mudava de ideia, era firme nos meus pensamentos. Você dá o que você tem. Na hora, ao abraçar e falar, foi quase uma hora de conversa, e eram as lágrimas dela caindo e esse alívio em meu coração. Quando eu terminei, ela faleceu. Essa última conversa com a minha mãe mudou o meu coração.
Popularidade
Com endereço fixo na rua Padre Antonino, nº 106, no bairro Joaquim Távora, a Fátima Tortas e Bolos se tornou um dos estabelecimentos mais populares da região. Famosa entre os colaboradores do O POVO, os quitutes estão presentes nas reuniões ou no simples café da tarde. Independente do setor, cada coletivo que faz um pedido com a dona Fátima tem sua história com os bolos.
Sucesso on e off
Uma das primeiras informações que dona Fátima deu foi: "Me ligue, eu não gosto disso de mensagem, isso aí é com meus filhos". Empresária à moda antiga, Fátima gosta de olho no olho e deixa "esse negócio de internet" para os jovens. As redes sociais do Fátima Tortas e Bolos (@fatimatortasebolos no Instagram) tem um sucesso inegável. Com vídeos e imagens que enaltecem os doces, o perfil reúne clientes de diversas gerações que não deixam de comentar e elogiar os produtos.
Mulher de fibra
Criança decidida, que construiu seu caminho e conquistou tudo aquilo que desejou, a história de dona Fátima se assemelha à de muitas mulheres que lutam para mudar sua realidade. Na conversa, Fátima compartilhou sentimentos íntimos, principalmente aqueles ligados à sua mãe. O assunto, que durou cerca de meia hora, trouxe emoção à entrevistadora.