Investigação pessoal em "Bom dia, Verônica", nova série brasileira da Netflix
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Nas ficções de suspense, um dos subgêneros de maior sucesso é o da investigação. O ambiente detetivesco já é conhecido em diversas e famosas obras dos Estados Unidos, das já clássicas "NCIS" e "Cold Case" a exemplos mais recentes, como "Mindhunter" e a minissérie "Inacreditável". Aproximando-se das características da fórmula, chega a nova produção brasileira original da Netflix, "Bom Dia, Verônica". Criada a partir do livro homônimo - escrito pelo autor de suspense Raphael Montes e a criminologista Ilana Casoy -, a série apresenta investigações que cruzam o caminho da protagonista Verônica, vivida por Tainá Muller.
A personagem não é delegada, mas sim escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo. A partida da trama se dá quando ela presencia o suicídio de uma jovem mulher no local, o que é o estopim para uma investigação sobre um golpista em um site de relacionamento. A abertura do caso acaba desembocando em um segundo caso ainda mais complicado, envolvendo uma mulher, interpretada por Camila Morgado, controlada pelo violento marido.
Na série, a atmosfera investigativa, com o acompanhamento dos procedimentos, é um dos pontos mais interessantes e envolventes. Pelo cargo que ocupa, Verônica não comanda nenhum dos casos, mas o envolvimento da personagem com as vítimas faz com que ela mergulhe em investigações quase que "paralelas", usando aparatos da Delegacia e a ajuda, em especial, de Nelson (Silvio Guindane), responsável pela tecnologia no local. Verônica é apresentada como uma espécie de anti-heroína, que se equilibra entre o senso de justiça e o caráter avesso a regras, sendo ainda marcada por traumas e complexidades passados que interferem nos passos dados por ela.
As exitosas construções de personagens, contextos e cenários aparentam ser frutos não somente da obra original, mas do envolvimento próximo de Raphael e Ilana na série. A qualidade do elenco também desponta como ponto positivo, com destaque, naturalmente, para o trio principal, formado por Tainá, Camila e Du Moscovis. Alguns senões, porém, podem provocar discussões ou mesmo afastamento do espectador. À medida que ela vai mergulhando nas investigações, assuntos mais pesados vão sendo abordados e a forma como eles aparecem na tela é, também, bastante pesada.
Um questionamento, então, reside nas decisões de que imagens mostrar ou não. Não há nada graficamente extremo que não seja visto em outras séries do tipo ou mesmo outras obras da Netflix, mas a forma com que certas sequências de "Bom Dia, Verônica" são construídas trazem um discurso simbólico de violência bastante forte. Ressalte-se que ele não se confunde com o discurso da obra em si - que inclusive encerra cada episódio com uma cartela com o link de um site de apoio para vítimas de violência e abuso -, mas é possível questionar as escolhas de direção neste sentido.
O discurso da série é, sim, de denúncia e alerta sobre violências de gênero, dedicando ainda espaço para tratar de outros temas bem conhecidos de quem vive no Brasil - mas melhor não falar mais para evitar revelações da trama. É certo que algumas frases do roteiro podem soar um pouco lugar comum, mas o debate é importante. Além disso, em termos de agregar níveis de diversidade, há pontos positivos e que se integram à trama de forma mais orgânica, como quando, para citar um exemplo, a sexualidade de um personagem coadjuvante é revelada naturalmente. O saldo final é positivo. Raphael e Ilana já anunciaram que a saga literária deve ter continuidade e a própria série oferta sugestões de sequência na trama, o que aponta fortes chances de uma segunda temporada. História não vai faltar.
Bom dia, Verônica
Disponível a partir de 1º/10 na Netflix
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