Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a prisão em segunda instância, adotando o trânsito em julgado (quando todos os recursos estão esgotados) como critério para o início da execução da pena. O voto de desempate foi do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
Com a decisão, o ex-presidente Lula poderá ser solto. Ainda ontem, a defesa do petista afirmou que vai pedir a sua soltura à titular da 12ª Vara de Execuções Penais do Paraná, juíza Carolina Lebbos.
CONFIRA MATÉRIA DA TV JUSTIÇA SOBRE O JULGAMENTO NO STF
Lula está preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, desde abril de 2018, quando foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá. Em seguida, a pena foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a reduziu para oito anos.
A decisão do Supremo afeta quase cinco mil presos nessas condições, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além de Lula, outros presos na Lava Jato também devem ganhar liberdade.
Para Toffoli, no entanto, "não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal".
O julgamento no STF se encerrou após quatro dias de sessões, iniciadas ainda em outubro, quando a análise de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e Patriota passou ao plenário da Corte.
Relator das medidas, Marco Aurélio Mello entendeu que apenas o trânsito em julgado resguarda a integralidade do princípio da presunção de inocência, garantido na Constituição, postulando que o STF revisse entendimento que havia adotado desde 2016.
Acompanharam o voto de Mello os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Colegas de toga, Alexandre de Moraes, Edson Fachin (relator da Lava Jato), Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia divergiram da tese, defendendo a continuidade da prisão em segunda instância nos termos atuais. Com a igualdade do placar, coube a Toffoli o "voto de minerva".
Decano do Supremo, Celso de Mello proferiu o voto mais extenso da sessão de ontem. Em suas quase duas horas de leitura, o magistrado mandou um recado para a Operação Lava Jato. "Nenhum juiz do Supremo Tribunal Federal, independentemente de ser favorável ou não à tese do trânsito em julgado", disse, "é contrário à necessidade imperiosa de combater e reprimir as modalidades de crime praticadas por agentes públicos ou por delinquentes empresariais".
Ainda de acordo com Celso de Mello, "o fato inquestionável é que a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República".
Essa foi a segunda vez que o Supremo decidiu refazer o marco sobre a prisão em segunda instância. Em 2009, a Corte alterou sua jurisprudência, adotando o trânsito em julgado, que vigorou até 2016, ano no qual revisitou o tema.
O QUE REPRESENTA OJULGAMENTO DE ONTEM
O que o STF julgou
Três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo PCdoB e pelo Patriota. Elas preconizam a validação do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), cuja redação estabelece que "ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"
Como votaram os ministros
Contra a prisão em segunda instância (6 votos): Rosa Weber, Marco Aurélio Mello (relator das ADCs), Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli
A favor da prisão em segunda instância (5 votos): Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia
O que pode acontecer com Lula?
Com a revisão da prisão em 2ª instância pelo STF, o ex-presidente Lula ganha liberdade, mas permanece condenado, o que o enquadra na Lei da Ficha Limpa. Assim, o petista não pode disputar eleições
Para reverter essa situação, Lula aguarda resultado do pedido de suspeição de Sergio Moro, em análise no STF
Suspeição de Moro
Apenas o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro pode anular as condenações de Lula. Titular do inquérito do caso triplex antes de assumir o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, Moro condenou Lula a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
A condenação de Lula foi confirmada no TRF-4, mas a pena foi reduzida. A defesa do ex-presidente entrou com pedido de suspeição do então juiz baseado no argumento de que fora parcial ao aceitar participar da gestão do candidato vitorioso no processo eleitoral do qual Lula foi impedido de participar depois de condenado por Moro, a partir de entendimento da Lei da Ficha Limpa
Depois disso, os episódios envolvendo a Vaza Lato, que expuseram diálogos entre Moro e integrantes da força-tarefa no Ministério Público Federal, ampliaram a suspeita de que o então juiz pode ter ultrapassado o limite de atuação de um magistrado, segundo a defesa do ex-presidente. Esse é o imbróglio sobre o qual o STF deve se debruçar ainda neste mês
Caso o Supremo decida pela suspeição de Moro, os processos de Lula na Lava Jato voltam à estaca zero, e as condenações são anuladas. O petista, então, recuperaria seus direitos políticos, podendo concorrer a cargo eletivo
Recurso no TRF-4 (caso do sítio de Atibaia)
Lula também aguarda resultado de análise do TRF-4 sobre recurso no caso do sítio de Atibaia. A ação estava pronta para ser julgada, mas a defesa do ex-presidente pediu para que fosse aguardado o resultado do pedido de suspeição de Moro, cujo resultado interfere diretamente sobre o caso
Caso o STF acolha o pedido e Moro seja declarado suspeito, o caso do sítio também é anulado, voltando a sua etapa inicial
Prisão
Defesa do ex-presidente Lula entra hoje com pedido de soltura do petista. Lula cumpre pena desde abril de 2018 no caso do triplex