Depois de duas sessões ainda em outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje julgamento que pode alterar o entendimento da Corte sobre a prisão em segunda instância, beneficiando o ex-presidente Lula, preso em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato.
O plenário do STF decide se mantém a atual jurisprudência, adotada desde 2016 e que autoriza o início da execução da pena depois de confirmada por tribunal recursal. Ou se o condiciona ao fim do chamado trânsito em julgado, quando os recursos foram esgotados.
O placar atual é de 4 votos a 3 a favor da prisão em segunda instância. Relator das três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e Patriota, Marco Aurélio Mello entendeu que apenas o trânsito em julgado resguarda a integralidade do princípio da presunção de inocência, garantido na Constituição.
Acompanharam o voto de Mello os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Colegas de toga, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux divergiram da tese, defendendo a continuidade da prisão em segunda instância nos termos atuais.
Ainda não votaram Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF e a quem cabe "voto de minerva" em eventual empate. Desses quatro magistrados, a tendência é de que ao menos três se posicionem contra a prisão em segunda instância, fixando placar final de 6 a 5: Mendes, Mello e Toffolli. Cármen Lúcia é favorável à atual interpretação jurídica.
Responsável pelos casos da Lava Jato no STF, Fachin admitiu ontem que uma possível "alteração do marco temporal para a execução provisória da pena não significa" grave prejuízo carcerário no País. "Não vejo esse efeito catastrófico que se indica", avaliou.
Para o ministro, "se houver uma alteração de jurisprudência, há uma possibilidade de atribuição do juiz de execução do processo penal que ele examine antes de promover a liberação se estão ou não presentes os elementos para decretar a preventiva".
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a revisão do marco de cumprimento da sentença pode afetar quase 5 mil presos no Brasil — entre eles, Lula, cuja condenação no caso do triplex foi endossada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Alex Santiago entende que a autorização para a execução da pena em segunda instância "viola o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5".
De acordo com o docente, a "Constituição é literal" sobre o tema. "Ela coloca um prazo até quando a presunção existe. A partir do momento em que mudou, o STF criou um outro conceito de presunção. Qual era o limite? O trânsito em julgado", afirma.
Santiago considera que, se o Supremo mantiver a prisão em segunda instância, "estará abrindo um precedente perigoso para relativização de direitos fundamentais, previstos no artigo 5 da Constituição, que não podem sequer ser modificados por PEC".
O pesquisador argumenta ainda que, "quando se fala em presunção, fala-se de regra de tratamento de presunção" e que o "Poder Judiciário precisa tratar alguém como presumidamente inocente". Santiago pondera: "Se mandar a pessoa para o cárcere, não vai ser tratada como presumidamente inocente. Claramente é uma violação da regra constitucional".
No STF, porém, há uma tese intermediária costurada nos bastidores que tenta driblar esse impasse. Sob a batuta de Toffoli, essa resposta salomônica cria uma terceira via, que estabelece o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como baliza para o início da execução da pena.
Fernando Castelo Branco, professor de Direito da Universidade Regional do Cariri (Urca), afirma que a "manobra Toffoli", como tem sido chamada, "não seria a melhor solução porque mantém o bode na sala", que é forçar alguém hipoteticamente inocente a começar a cumprir pena.
"Nesse caso", continua Castelo Branco, "o Supremo estaria apenas deslocando o problema para outra instância, mas conceitualmente o problema continua a existir".
Supremo
Até agora, o placar parcial no Supremo é de 4 votos a 3 a favor da prisão em segunda instância. Ainda faltam quatro ministros para proferir o seu voto. Tendência é de revisão da jurisprudência