O deputado estadual Acrísio Sena (PT) já angariou assinaturas suficientes e está prestes a conseguir instaurar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a suposta extensão cearense de uma rede de produção de notícias fraudulentas, o chamado "gabinete do ódio". O requerimento está sob análise da Procuradoria da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) que emitirá parecer pela admissibilidade ou não da matéria.
Se a proposta estiver de acordo com as "formalidade legais", como prega o Regimento Interno, o presidente da AL-CE, José Sarto (PDT), terá prazo de três dias para comunicar líderes partidários, de modo que indiquem membros para a Comissão de nove membros. Estes membros deliberam sobre o presidente e o relator do colegiado.
A ideia de uma comissão investigativa já possui 17 adeptos entre os 46 parlamentares. O número é superior ao fixado como necessário na Constituição Estadual e no Regimento Interno da Assembleia. Ambos estipulam 1/4 da Casa, ou seja, 12 assinaturas. O procurador-geral da República, Augusto Aras, contestou o número no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).
Para Aras, o número de assinaturas deve equivaler a 1/3, 16 assinaturas, número já atingido pelo petista. "Fiz hoje um novo pedido aos deputados que não assinaram, mas temos número suficiente para a matéria prosperar", comentou Sena. "Estamos aguardando uma reunião da Mesa Diretora para fazer a instalação da CPI. Para fazer composição escolher presidente e relator."
De acordo com o Regimento, conjunto de regras que versa sobre as regras de tramitação e a dinâmica dos trabalhos legislativos, é necessário que se defina o fato (de interesse público) a ser investigado e o tempo de duração da comissão.
O "fato determinado" por Sena no requerimento de instauração do colegiado é a veiculação de notícias falsas a respeito do comparativo de valores pagos por respiradores pelo Estado e por Minas Gerais para atendimento a pacientes com o novo coronavírus.
O petista também sublinha como causa da instauração da CPI publicações sobre suposta contaminação de máscaras vindas da China, adquiridas pelo governo Camilo. Alega ainda que as publicações partiram de perfis falsos na Internet, criando "pavor e insegurança" para a população. O tempo para a apuração é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60.
Um dos apoiadores da iniciativa, Renato Roseno (Psol) lembra que matérias do Estadão já "informaram que haveria participação importante dos cearenses na indústria de manipulação."
As matérias referidas por ele fazem menção tanto a cearenses que trabalham no Palácio do Planalto como ao deputado estadual Delegado Cavalcante e funcionários do gabinete. O bolsonarista já frisou ao O POVO que "gabinete do ódio" é uma ficção e negou envolvimento em postagens de teor falso.
Roseno afirma já ter enviado dois pedidos de investigação com base no que foi veiculado, um ao Ministério Público do Ceará (MPCE) e outro ao Ministério Público Federal (MPF). "Pelo que já saiu na imprensa, há ramificações dessa organização criminosa chamada 'gabinete do ódio' no Ceará", ele acredita.
Audic Mota (PSB), por sua vez, projeta grande repercussão em razão da evidência do tema. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, aprecia duas ações por "abuso eleitoral" contra a chapa Bolsonaro-Mourão devido à disseminação em massa de notícias falsas. "Deve ser sim um tema que deve repercutir porque haverá, talvez, acusação ou requerimentos que possam tender a fazer acusações de lado a lado."
André Fernandes (PSL) e Dra. Silvana (PL) votaram contra projeto aprovado em 29 de abril pela Casa de punição a quem propositalmente propagar notícias falsas no contexto da pandemia. De autoria da deputada Augusta Brito (PCdoB), a proposta é questionada por entidades de imprensa como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) por delegar a autoridades conceitos que elas podem não dominar.
"Não vejo importância em barrar CPI, até porque aqui na Casa a base sempre fará o que deseja. Vejo com tristeza a clara onda que se levanta contra as liberdades de pensamento. Detesto extremismos, sou conservadora e entendo que as redes sociaIs têm sido a arma do povo contra a esquerda", comenta Silvana.
Ela também destaca que "qualquer investigação é boa", já que "sempre temos que nos pautar pela verdade." Mas sugere eventual perseguição a setores à direita. "Se for do meu amigo, é boa vontade. Se for da direita conservadora, é fake?", ela escreveu ao O POVO por WhatsApp.
A parlamentar adiciona que votou contra a lei e "votaria novamente". Apesar disso, não projeta acirramentos em futuros debates na CPI. "O simples debate libertará as pessoas."
Indagado, Cavalcante respondeu que que assinará a proposta de Sena pelo andamento da CPI. O bolsonarista reforçou mais uma vez que "gabinete do ódio". "Tomara que seja instalada essa CPI porque muita coisa vai ser esclarecida no Ceará." O policial também discordou da Adin de Aras, já que dificultará os trabalhos da oposição para instauração de CPI. "A gente é oposição, o governo tem 41 deputados."
Fernandes já defendeu nas redes sociais que não há critérios consistentes para a definição do que é ou não falso. Também afirma não ser certo que o Governo do Ceará seja este definidor. O POVO enviou questionamentos a ele pela assessoria e aguarda resposta.
Confira a lista de Signatários da CPI
Acrísio Sena (PT)
Audic Mota (PSB)
Augusta Brito (PCdoB)
Bruno Gonçalves (PP)
Delegado Cavalcante (PSL)*
Elmano Freitas (PT)
Fernando Santana (PT)
Guilherme Landim (PDT)
Júlio César Filho (Cidadania)
Leonardo Araújo (MDB)
Leonardo Pinheiro (PP)
Manoel Duca (PDT)
Marcos Sobreira (PDT)
Moisés Braz (PT)
Queiroz Filho (PDT)
Osmar Baquit (PDT)
Renato Roseno (Psol)
Salmito Filho (PDT)
Disse ao O POVO que vai assinar*
Se a proposta estiver de acordo com as "formalidades legais", o presidente da AL-CE, José Sarto (PDT), terá prazo de três dias para comunicar líderes partidários, de modo que indiquem nomes para a Comissão de nove membros. Esses deliberam sobre o presidente e o relator do colegiado.