O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) conseguiu ontem uma vitória no inquérito que investiga a prática de "rachadinha" - apropriação de parte ou a totalidade dos salários dos servidores - em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio retirou o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, responsável por decisões desfavoráveis ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro e pelo mandado de prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, e encaminhou para o Órgão Especial do TJ-RJ.
Os desembargadores acolheram habeas corpus apresentado pela defesa, que argumentou que Flávio tinha direito a foro privilegiado no Órgão Especial, a segunda instância da Justiça fluminense, por ser deputado estadual à época dos fatos investigados. Até então, a investigação corria em primeira instância, em acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o foro privilegiado se restringe a fatos ocorridos no mandato em função dele.
No habeas corpus, os advogados de Flávio pediram ainda a anulação de todas as provas obtidas a partir de decisões de Itabaiana, o que não foi concedido pelos desembargadores da 3ª Câmara. Os magistrados entenderam que caberá ao relator do caso no Órgão Especial decidir pela anulação ou não das provas. No inquérito, aberto desde 2018, Itabaiana autorizou medidas como quebras de sigilo bancário, fiscal e eletrônico, além de mandados de busca e apreensão. Foi Itabaiana quem autorizou a prisão de Queiroz, apontado pelos investigadores como suposto operador financeiro do esquema de Flávio na Alerj.
Agora, o juiz Itabaiana terá de encaminhar os autos para o Órgão Especial, e o sistema do Tribunal de Justiça sorteará um relator para o caso. Se o novo relator acatar o argumento de que o juiz da primeira instância não tinha poder para atuar no caso, todas as provas podem ser anuladas - e o inquérito voltaria para a etapa inicial.
A decisão favorável a Flávio chega num momento em que o Ministério Público estava prestes a apresentar a primeira denúncia sobre o caso. Com as decisões de Itabaiana e seus desdobramentos colocados em xeque, a situação fica mais complicada para os promotores, já que todas as provas obtidas a fim de embasar a denúncia estão sendo questionadas. O MP deve recorrer - formalmente afirmou que aguarda a publicação do acórdão da sessão para estudar o que será feito. A Promotoria tem direito a recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso entenda que os desembargadores feriram um entendimento da Corte.
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Em nota, a defesa de Flávio comemorou a decisão, afirmando que "sempre esteve muito confiante" no resultado por ter convicção de que o processo já deveria ter iniciado na segunda instância. "Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações", afirmam os advogados Luciana Veiga e Rodrigo Roca.
Recém contratado, Roca compunha a defesa quando o pedido de habeas corpus foi apresentado por Luciana, mas foi o responsável por fazer a sustentação oral na sessão de ontem.
A decisão também altera a condução das investigações no MP. O inquérito era tocado pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc). Agora, passa para o Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral de Justiça, comandado pelo chefe da Promotoria, Eduardo Gussem, que tem atuação no Órgão Especial do TJ.
Com a mudança, a defesa de Flávio volta a ganhar tempo. Desde o início, a estratégia dos diferentes advogados escolhidos pelo senador foi de tentar paralisar de diversas formas a investigação. No ano passado, uma decisão monocrática do presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu as investigações por quatro meses - o plenário Corte derrubou a decisão em novembro passado.
Todos os investigados no inquérito acabaram se beneficiando da decisão de ontem. No Órgão Especial, porém, cada caso será avaliado individualmente. Por isso, o habeas corpus apresentado por Alexandre Santini, sócio de Flávio na loja da Kopenhagen - por meio da qual eles teriam lavado dinheiro desviado da Alerj, segundo o MP - foi retirado da pauta de ontem.