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Um terço dos mortos no Jacarezinho não tem ação criminal no TJ do Rio
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Um terço dos mortos no Jacarezinho não tem ação criminal no TJ do Rio

Levantamento mostra que nove dos 27 mortos não eram alvo de processos no Tribunal de Justiça. Polícia diz ter anotações criminais sobre todos, mas não revela dados
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Protesto contra operação policial para combater supostos traficantes, que deixou 28 mortos, na favela do Jacarezinho, no Rio (Foto: AFP)
Foto: AFP Protesto contra operação policial para combater supostos traficantes, que deixou 28 mortos, na favela do Jacarezinho, no Rio

Um terço dos mortos pela Polícia Civil fluminense na Operação Exceptis, na última quinta-feira, 6, não tem processos criminais no site do Tribunal de Justiça do Rio.  Nenhuma ação penal consta em nome de nove dos 27 mortos na ação. A Polícia afirma que todos tinham anotações criminais, com base em informações próprias. 

A reportagem não teve acesso a inquéritos policiais - não foi possível, portanto, checar se algum desses nove homens mortos era investigado por algum crime, mas ainda não fora denunciado à Justiça.

A operação policial na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, deixou ao menos 28 pessoas mortas. A ação começou logo cedo, pouco depois das 6 horas, quando moradores já relatavam a presença de helicópteros sobrevoando a região e de intensa troca de tiros.

Além dos mortos, houve feridos - inclusive dentro da estação de metrô de Triagem, da linha 2. Desses, 27 foram classificados pela polícia como "criminosos". A eles se soma o inspetor André Leonardo de Mello Frias, também morto na operação

A reportagem procurou processos criminais, do tribunal do júri e recursos em segunda instância. Não encontrou nenhuma acusação em nome de Cleyton da Silva Freitas de Lima, Natan Oliveira de Almeida, Ray Barreiros de Araújo, Luiz Augusto Oliveira de Farias, Marlon Santana de Araújo, John Jefferson Mendes Rufino da Silva, Wagner Luiz Magalhães Fagundes, Caio da Silva Figueiredo e Diogo Barbosa Gomes.

Acusados de tráfico/roubo ladrões estavam entre a maioria dos 18 mortos com processo criminal. Foi possível encontrar pelo menos 22 acusações de crimes relacionados a tráfico de drogas e 14 a roubo. Há ainda alguns casos de receptação e furto e uma acusação de estelionato. Em alguns casos, o mesmo réu responde por vários crimes, por isso a soma de delitos é maior do que o de mortos com processo.

Apenas três dos 27 mortos eram alvos de mandados de prisão na operação policial. Eram eles Richard Gabriel da Silva Ferreira, Isaac Pinheiro de Oliveira e Rômulo Oliveira Lúcio. Como outros procurados pela Polícia naquele dia, respondiam a processo por "Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins (Art. 35 - Lei 11.343/06) C/C Aumento de Pena Por Tráfico Ilícito de Drogas (Art. 40 - Lei 11.343/2006), IV", na 19ª Vara Criminal da capital. Alguns dos processos constam como arquivados - temporária ou definitivamente. A pesquisa foi feita em um período de 21 anos, entre 2000 a 2021.

Posição

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), defendeu a atuação da Polícia Civil durante a operação em que foram mortos moradores da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio.

"Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a operação de ontem realizada pela Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados expedidos pela Justiça", afirmou Castro em vídeo.

"Foram dez meses de trabalho de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas", seguiu o governador. "A reação dos bandidos foi a mais brutal registrada nos últimos tempos. Armas de guerra prontas para repelir a ação do Estado e evitar as prisões a qualquer custo", disse.

Bolsonaro parabeniza polícia após operação que deixou 28 mortos no Jacarezinho

Sem lamentar a morte de 27 civis durante uma operação policial da última quinta-feira, 6, no Jacarezinho, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) parabenizou na noite desse domingo, 9, a Polícia Civil do Rio de Janeiro após o episódio.

Em publicação no Twitter, Bolsonaro afirmou que "ao tratar como vítimas traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os iguala ao cidadão comum, honesto, que respeita as leis e o próximo".

"É uma grave ofensa ao povo que há muito é refém da criminalidade. Parabéns à Polícia Civil do Rio de Janeiro!", escreveu o presidente. A operação já foi alvo de pedido de investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por indícios de "execução arbitrária".

No último sábado, 8, a Polícia Civil divulgou a lista de nomes dos mortos, classificando 27 deles como "criminosos". A eles se soma o inspetor André Leonardo de Mello Frias, também morto na operação.

Na postagem feita neste domingo, Bolsonaro faz uma homenagem ao policial. "Nossas homenagens ao Policial Civil André Leonardo, que perdeu sua vida em combate contra os criminosos. Será lembrando pela sua coragem, assim como todos os guerreiros que arriscam a própria vida na missão diária de proteger a população de bem. Que Deus conforte os familiares", afirmou Bolsonaro.

Deflagrada para cumprir mandados contra pessoas ligadas ao tráfico, a incursão, na prática, resultou em pouco resultado efetivo e muitas mortes. Em alguns casos, segundo representantes da Defensoria Pública e de moradores, há indícios de mortos sem confronto ou que já estavam feridos e rendidos. Defensores falam em "execução" e classificam o episódio como uma chacina.

Na sexta-feira, 7, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, classificou como "bandidos" os mortos na operação policial. "Tudo bandido! Entra um policial numa operação normal e leva um tiro na cabeça de cima de uma laje. Lamentavelmente, essas quadrilhas do narcotráfico são verdadeiras narcoguerrilhas, têm controle sobre determinadas áreas e é um problema da cidade do Rio de Janeiro", declarou o militar ao chegar para despachar no Palácio do Planalto.

Foi também na sexta-feira que o ministro Edson Fachin, do STF, pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma investigação sobre o episódio, que para o ministro do Supremo teve indícios de "execução arbitrária". "Os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária", afirmou Fachin.

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