O esquema do "orçamento secreto", no qual R$ 3 bilhões teriam sido disponibilizados livremente pelo Governo a deputados e senadores para assegurar apoio ao Planalto no Congresso, amplia a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) num momento de queda de popularidade e desgaste na pandemia.
Revelada pelo jornal "Estadão", a operação visava alocar recursos públicos em bases eleitorais dos aliados do chefe do Executivo, que indicavam a cidade e o órgão que deveriam receber as verbas.
Acesse a cobertura completa do Coronavírus >
Os repasses não se confundem com as emendas impositivas, legais e cujo teto anual é de R$ 8 milhões por cada deputado ou senador e de mais R$ 8 mi para emprego compulsório na área da saúde.
Pelas regras, o Governo realiza a escolha dos locais beneficiados com as emendas, contratando as benfeitorias a partir de critérios técnicos. No orçamento secreto, porém, os próprios parlamentares apontavam a destinação final, como se parte da competência do Executivo tivesse sido terceirizada para o Legislativo, disfarçando a pedalada orçamentária.
As manobras datam do fim de 2020 e começo de 2021, segundo a publicação, exatamente o período em que Bolsonaro precisou assegurar a eleição de pessoas próximas para as presidências da Câmara e do Senado, garantindo a vitória de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) naquele pleito.
Ao todo, 37 deputados e cinco senadores assinaram ofícios requerendo uso dos recursos, que custeariam compra de maquinário pesado, como motoniveladoras, retroescavadeiras, carretas agrícolas, pás carregadeiras e caminhões, alguns com valor mais de 200% acima do preço praticado no mercado.
Apenas Lira manejou R$ 114 milhões do orçamento paralelo, ou seja, pode indicar como e onde esses valores seriam gastos, com ingerência integral sobre o uso do dinheiro.
Já o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), direcionou o gasto de R$ 277 milhões de verbas carimbadas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho - a totalidade dos recursos se origina na pasta, com boa parte deles encaminhada para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Estatal controlada politicamente pelo "centrão", a empresa teve seu raio de ação estendido por Bolsonaro, passando a abranger mais de mil novos municípios, podendo contemplar regiões distantes das margens do São Francisco.
"Orçamento público sem transparência é maracutaia. Tudo isso é fruto da emenda de relator RP9, que deu espaço para essa manipulação orçamentária", critica o deputado federal Danilo Forte (PSDB-CE).
O tucano considera que não apenas há possibilidade de instalação de uma nova CPI para apurar os repasses, mas antevê que essa comissão, se instituída, "será pior que a dos anões do orçamento", porque "agora será dos grandões".
Deputado federal pelo PT e ex-líder da minoria, José Guimarães (CE) ainda tem dúvidas sobre como Câmara e Senado irão se comportar de agora em diante em relação ao presidente.
"Não sei como o Congresso vai reagir, mas é uma bomba grande. Tem grande repercussão. O correto seria uma investigação. Mas, sobre a CPI, temos que aguardar. Às vezes não temos controle (do colegiado), e então dificulta", afirma.
Para o pedetista Idilvan Alencar (CE), a revelação do esquema responde a muitas perguntas que vinham sendo feitas, entre elas uma sobre a força que Bolsonaro demonstrou ao eleger dois aliados para presidir o Congresso.
"Bolsonaro foi deputado por 30 anos, boa parte deles pelo PP. Ele se elegeu dizendo que não faria toma-lá-dá-cá, que nomearia ministros técnicos sem falar com os partidos. Nomeou ministros péssimos, que, além de ruins, não ajudam na governabilidade. E, ainda assim, ele conseguiu eleger o presidente da Câmara e do Senado. Como? Agora começamos saber", declara.