O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse ontem na CPI da Covid que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) negou uma oferta de vacinas que poderia ter ampliado em 111% o total de doses da Coronavac entregues até maio ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Segundo o médico, a proposta feita ao Ministério da Saúde em 7 de outubro de 2020 estabelecia a entrega de 100 milhões de doses até o fim deste mês de maio. Com a interrupção das negociações por Bolsonaro, o contrato só foi assinado em janeiro deste ano e a chegada dessa remessa foi empurrada para setembro. O número de doses entregues até agora é de 47,2 milhões.
Essa diferença poderia ter ao menos dobrado o número de brasileiros com esquema vacinal completo. Até anteontem, o total de pessoas que tinham tomado as duas doses da vacina (somando Coronavac e Oxford/AstraZeneca) era de 21 milhões. Com esses 100 milhões de doses, seriam hoje quase 50 milhões de vacinados.
A oferta de outubro não foi a primeira, segundo Covas. Ele disse ter enviado um ofício ao Ministério da Saúde em 30 de julho de 2020, sobre a importância de parceria.
"Ofertamos 60 milhões de doses que poderiam ser entregues no último trimestre de 2020. Como não houve resposta, reforçamos o ofício. Em agosto, solicitamos apoio financeiro do Ministério para o estudo clínico, com previsão de custo de R$ 100 milhões, e para reformar a fábrica", disse Covas.
Já em outubro, continuou, a proposta de doses subiu para 100 milhões, sendo 45 milhões até dezembro, 15 milhões até fevereiro e 40 milhões até maio.
"O mundo começou a vacinação em 8 de dezembro. No fim de dezembro, o mundo tinha aplicado pouco mais de 4 milhões de doses, e tínhamos, no Butantan, 5,5 milhões de doses prontas, mais 4 milhões em processamento sem contrato com o ministério. Poderíamos ter iniciado a vacinação antes do que começou", afirmou Covas.
Ele não mencionou, porém, que, em dezembro, os testes de eficácia da Coronavac não haviam sido finalizados. A apresentação dos dados à Anvisa ocorreu em janeiro, o que indica, portanto, que dificilmente o Brasil seria o primeiro a vacinar. Poderia, no entanto, ter imunizado um número muito maior de pessoas não fossem as recusas federais às ofertas do Butantan e outros fabricantes.
"O Brasil poderia ser o primeiro País do mundo a começar a vacinação, não fossem os percalços que nós tivemos de enfrentar", declarou Covas. Os "percalços" mencionados teriam sido as declarações de Bolsonaro contrárias a vacinas e, especialmente, à vacina do Butantan, classificada por ele diversas vezes como a "vacina chinesa do Doria", já que o instituto é vinculado ao governo paulista.
"A partir desse ponto (da crítica de Bolsonaro), é notório que houve uma inflexão. E eu digo isso porque, no final da reunião, no dia 20 (de outubro de 2020), com a presença de governadores, parlamentares, nós saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas", relatou Covas.
"Achávamos que, de fato, iríamos ter resolvido parte desse problema. E aí, no outro dia de manhã." O diretor do Butantan disse, porém, que o diálogo não prosseguiu. "Houve, sim, manifestação do presidente dizendo que não haveria o progresso desse processo."
Para Covas, as declarações de Bolsonaro contra a China criam dificuldades para que os insumos das vacinas cheguem ao Brasil. "Cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na China. Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês", reclamou o médico.
As informações de Covas foram na mesma linha do que disse o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo. Em depoimento, há duas semanas, ele disse que o governo ignorou por três meses ofertas de vacinas do laboratório.