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Politização na pandemia:passaporte da vacina é a bola da vez
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Politização na pandemia:passaporte da vacina é a bola da vez

Resistência federal em adotar do documento ameaça transformar o Brasil em destino turístico de negacionistas e não vacinados
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Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, terceiro maior aeroporto do Brasil com pouca movimentação de passageiros (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, terceiro maior aeroporto do Brasil com pouca movimentação de passageiros

O embate entre os governos federal e estaduais é uma marca na condução da pandemia de Covid-19 no Brasil. Prestes a completar dois anos de seu início no mundo, a emergência sanitária ainda provoca divergências entre atores de lados opostos do tabuleiro político. Atualmente, a discussão perpassa temas importantes, como a obrigatoriedade do chamado “passaporte da vacina”, mecanismo usado mundo afora para incentivar a imunização.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que o passaporte da vacinação é uma "coleira" e que jamais vai exigir o documento. A medida, adotada em diversos países, é defendida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como requisito para entrada no Brasil. Na quinta-feira, 9, o governo passou a exigir apenas uma quarentena de cinco dias e testagem para entrar no Brasil; medidas consideradas insuficientes por especialistas.

Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a epidemiologista Ligia Kerr, é “absurdo” que o governo brasileiro, com quase 615 mil mortes no País, não estimule a imunização de todas as formas. “Os países que atingem maior nível de vacinação enfrentam menos problemas. O passaporte da vacina induz mais pessoas a se vacinarem e aumenta a proteção geral. Hoje, no Brasil, a maioria das pessoas que são internadas ou morrem não tomaram a vacina”, comenta.

Diante do vácuo político e da postura adotada pelo Planalto, gestores estaduais já se movimentam para prevenir o agravamento da pandemia na esteira da nova variante ômicron. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), prometeu adotar o passaporte da vacina no estado se o governo federal não deliberar sobre a medida até o próximo dia 15.

Na prática, cabe às autoridades federais o controle de fronteiras, incluindo os aeroportos com voos internacionais. Portanto, estados e municípios não poderiam impedir a entrada de turistas não vacinados em território brasileiro. No entanto, uma vez nas cidades, seria possível condicionar a circulação dessas pessoas à apresentação do documento. No Ceará, por exemplo, o documento é exigido desde novembro deste ano para a entrada em bares, restaurantes e eventos diversos.

Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, projeta que o comportamento do governo federal coloca, novamente, a população brasileira em perigo. “Há um risco grande de transformar o Brasil num destino turístico para negacionistas e não vacinados; trazendo novas variantes e piorando a situação do País”, alerta.

O passaporte da vacina no mundo(Foto: O passaporte da vacina no mundo)
Foto: O passaporte da vacina no mundo O passaporte da vacina no mundo

A politização do passaporte de vacina é nacional. Foi vista em Fortaleza no último dia 1°, quando manifestantes contrários ao documento estiveram na Câmara Municipal. A Casa realizou uma audiência pública para debater a questão após pedido da vereadora bolsonarista Priscila Costa (PSC), que critica o dispositivo que para ela “segrega”. Outros parlamentares alinhados ao bolsonarismo apoiaram a medida.

No Rio de Janeiro, uma sessão da Assembleia Legislativa (Alerj) que deliberava projeto de lei contrário ao passaporte da vacina terminou em pancadaria. Manifestantes antivacina foram impedidos de entrar no local, que já estava com lotação máxima segundo a Alerj, provocando conflito com seguranças e quebra-quebra. "Eu sou bolsonarista igual vocês. Não faz isso", disse um dos seguranças durante a confusão.

Paula Vieira - Professora da Unichristus e Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídias (Lepem-UFC)
Paula Vieira - Professora da Unichristus e Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídias (Lepem-UFC)

Ponto de Vista: O passaporte da vacina e a política no Ceará

Definir política é passear por concepções de autores que a descrevem segundo economia, força, moral, relação indivíduo e sociedade. De um modo geral, na ciência política, compreende-se política como a tomada de decisões legítimas considerando a coletividade.

Nesse sentido, há intervenção, por meio de normas, nas atividades de um grupo para atingir uma finalidade desejada. É por isso que se referir ao poder político é falar de poder público, ou seja, atingir um objetivo em comum do grupo ou coletividade.

Para além de relativismos possíveis dessa definição, teóricos ou empíricos, o ponto que em que quero chegar é: o fim da pandemia de Covid é um interesse em comum mundial, nacional e local. Diz respeito à saúde pública porque coloca em risco a vida. A tomada de decisão política é dirigida para todos os aspectos da vida social – lotação de hospitais, calendário escolar, economia.

Qual seria, então, a disputa entre os diferentes posicionamentos políticos que estamos assistindo no Ceará? Há, aqui, algumas motivações que perpassam pelas nuances ideológicas que têm reflexo nos interesses eleitorais, mas também possuem visões de prioridades de objetivos políticos. De modo prático, é interessante pensar no sentido de alinhamentos políticos.

Ao decidir cobrar passaporte de vacina, o governador Camilo Santana vai de encontro às decisões do Governo Federal. Assim como todo o correr da pandemia, as decisões do estado do Ceará tomaram direcionamento próprio, considerou o bem comum da coletividade no que diz respeito à saúde pública e a vacinação se coloca como parte de uma prevenção coletiva. Para funcionar, a maioria deve estar vacinada.

Em posicionamento contrário à exigência do passaporte da vacina são, não por acaso, os adversários do bloco político de Camilo Santana. Priscila Costa e André Fernandes estavam como apoiadores do movimento. Cabe ressaltar, também, que eles são alinhados ao Governo Federal de Jair Bolsonaro. Como argumento, reforçam o direito individual acima do direito coletivo.

No embate entre indivíduo e coletividade, continua chamando atenção a negação que nos mantemos em um momento pandêmico que afeta todos os espaços da vida social. Reforço, por fim, que o social consiste em relação com o outro e é disso que a pandemia se trata. Como continuar os encontros, a economia, a educação, o emprego e a segurança em termos de saúde pública?

Paula Vieira, doutora em Sociologia e pesquisadora do Lepem (UFC)

 

Bloco Camaleões do Vila no Pré-Carnaval 2020 de Fortaleza
Bloco Camaleões do Vila no Pré-Carnaval 2020 de Fortaleza

Réveillon e Carnaval são bola da vez no embate político sobre a pandemia

A realização das festividades de Réveillon e Carnaval de 2022 tornaram-se alvo de discussões no campo político. Grupos a favor das festas defendem sua importância para as economias locais; ainda em recuperação. Já os contrários temem o cenário de risco da nova variante Ômicron que agrava o quadro sanitário em partes da África e da Europa e pode se espalhar pelo mundo.

O Réveillon já teve festas públicas canceladas em pelo menos 23 capitais, dentre elas Fortaleza, mas gestores de algumas cidades têm deixado em aberto a possibilidade da realização de eventos privados desde que com limite de público. Editais públicos de financiamento a blocos de Carnaval também já começaram a ser cancelados em alguns municípios brasileiros, mas o tema ainda está em discussão.

Com a resistência do governo federal em adotar a obrigatoriedade do passaporte vacinal, as festas de fim de ano e de Carnaval são vistas com preocupação por especialistas. Apesar do passaporte ainda não ter sido adotado em âmbito federal, entre estados e municípios já é uma realidade.

Do ponto de vista técnico, a epidemiologista e professora da UFC Ligia Kerr, questiona a realização de grandes eventos. “Em uma festa de Réveillon, pública ou privada, todo mundo está próximo. E no Carnaval? Estão todos próximos, pulando, brincando, beijando, é impossível não haver transmissão. Essas festas, pela forma como se dão, devem ser proibidas”, diz, ampliando a crítica aos estádios de futebol lotados que não respeitam o distanciamento.

Sobre o Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a afirmar que, por ele, “não teria (a festa)” em 2022. “Quem decide não sou eu. Segundo o STF (Supremo Tribunal Federal), quem decide são os governadores e prefeitos", disse o presidente alfinetando opositores e referindo-se a uma decisão do Supremo que garantiu, desde o ano passado, que gestores estaduais e municipais têm autonomia na condução das políticas de enfrentamento à Covid-19.

Bolsonaro usa equivocadamente a decisão como escudo para terceirizar a responsabilidade sobre o quadro sanitário no País. O perfil do STF no Twitter já esclareceu que não impediu o governo federal de atuar. "Uma mentira contada mil vezes não vira verdade!", escreveu em julho.

A cientista política Monalisa Torres aponta que independentemente da pandemia, Bolsonaro já era contra o Carnaval. “Se você puxar na memória vai lembrar do episódio onde ele publicou um vídeo de 'Golden Shower'. Nesse caso, ele utiliza o que considera contradição de governadores, seus antagonistas políticos, como argumento para politizar a discussão”, aponta.

Torres destaca que Bolsonaro precisa antagonizar o tempo inteiro com um “vilão” para sustentar sua base. “Se o governo entrega maus resultados é por conta de um culpado que o impede de governar. O tensionamento com governadores e com o STF é uma estratégia”, diz.

A especialista ressalta que o discurso bolsonarista é fortalecido, nos estados, por políticos próximos ao governo. “Aqueles que estão alinhados ao presidente utilizam sua visibilidade para ecoar esse pensamento e se fortalecer. É um embate ideológico a partir da politização da pandemia. No Ceará, temos políticos que agem nesse sentido de fazer eco, como André Fernandes, Priscila Costa e outros”, cita.

Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Mackenzie, diz que o fato de Bolsonaro criticar o lockdown durante a pandemia e agora dizer-se contra o Carnaval, apesar de contraditório, não afeta o governo. “Bolsonaro não está preocupado com contradições entre o discurso e prática; Ele quer tumultuar o debate político e monopolizar a atenção da sociedade e da mídia. É calculado”, explica.

Prando projeta ainda que por ser uma festa com “ressalvas de bases conservadoras” que são próximas ao presidente e pela “presença de manifestações políticas críticas ao governo”, a não realização do Carnaval pode ser até benéfica para Bolsonaro politicamente falando.

Do ponto de vista de governadores e prefeitos, o especialista diz que há preocupações “bem fundamentadas" porque as festas de Reveillón e Carnaval movimentam a economia local, mas que apesar disso não adianta realizar os eventos com o risco de agravar o quadro sanitário. "Acredito que os governadores e prefeitos devem tomar decisões à luz da ciência e dos protocolos estabelecidos", encerra.

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