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Posseiros, especulação e ameaças contra indígenas no Ceará
Politica

Posseiros, especulação e ameaças contra indígenas no Ceará

Membros de etnias relatam ameaças, invasões e ataques de posseiros, além dos danos ambientais causados por empreendimentos, como eólicas. Em cenário diferente do enfrentado pelos Yanomami, povos originários cearenses também enfrentam conflitos
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Manifestação indígena; em primeiro plano, Thiago Anacé (Foto: Débora Anacé / especial para O POVO)
Foto: Débora Anacé / especial para O POVO Manifestação indígena; em primeiro plano, Thiago Anacé

Insegurança fundiária, especulação imobiliária e ameaças. No Ceará, os povos indígenas das 15 etnias reconhecidas enfrentam desafios que, embora diferentes da realidade dos Yanomami na Amazônia, são igualmente graves, representando um risco para a vida dessas populações.

O primeiro desses obstáculos diz respeito à posse da terra. No Estado, que tem 36 mil indígenas distribuídos por duas dezenas de municípios, apenas um território foi demarcado até hoje: a aldeia Tremembé do Córrego João Pereira, na cidade de Itarema, a 210 km de Fortaleza.

Há, no entanto, outras "24 reivindicações fundiárias" à espera de regularização, segundo Thiago Anacé, professor indígena e membro da comissão local da reserva Taba do Povo Anacé, em Caucaia, na Região Metropolitana.

De acordo com ele, "o governo Bolsonaro cumpriu à risca o que prometeu na campanha (de 2018), de que não haveria nenhuma demarcação de terra indígena".

"Todos os processos foram paralisados. O Ceará é o estado mais atrasado no que diz respeito à demarcação das terras", aponta Thiago.

SITUAÇÃO E CONFLITOS EM TERRAS INDÍGENAS NO CEARÁ
SITUAÇÃO E CONFLITOS EM TERRAS INDÍGENAS NO CEARÁ (Foto: Luciana Pimenta)

Além da suspensão dos trâmites para legalização dos territórios, porém, existem outros problemas que, direta ou indiretamente, decorrem da falta da documentação da propriedade, tais como invasão de posseiros e assédio de empresas e empreendimentos turísticos.

Mesmo reconhecida, por exemplo, a terra Tremembé de Itarema sofre com a perspectiva de instalação de parques eólicos ou com o aumento de rotas de turismo automotor na região.

Jovem líder indígena, Mateus Tremembé vive na aldeia de Barra do Mundaú, em Itapipoca. Ele conta que, na última semana de janeiro deste ano, seu povo precisou expulsar "trilheiros" que avançavam sobre o território nativo em veículos de tração, causando danos à flora e à fauna locais.

"Eram mais de 27 carros. Fizemos a paralisação e pedimos para que se retirassem, mas houve ameaça por parte dessas pessoas. Disseram que não viram as placas de identificação da terra", relembra Mateus.

O indígena se refere aos marcos que sinalizam os limites do território, frequentemente danificados por posseiros, que são indivíduos — normalmente a mando de grupos econômicos — que tentam se apropriar de trechos do espaço de habitação das etnias, seja construindo moradias para uso próprio, seja erguendo pequenos comércios, de modo a assegurar domínio territorial.

"Por estar na região litorânea", relata Mateus, "a ameaça principal às nossas aldeias têm sido a especulação imobiliária, que tem entrado nos limites do território com muita força, e também o turismo de massa, com impacto na depredação e entrada sem autorização nos nossos territórios".

Para Thiago Anacé, essa realidade se agrava porque "a terra não está demarcada", resultando nesse tipo de disputa e em conflito aberto.

"Há uma morosidade do Estado e isso acaba acarretando que a pressão aconteça", critica, acrescentando que boa parte dos povos tem de lidar com essa investida, a exemplo das eólicas em Itarema, linhas de transmissão de energia em Caucaia e atividades extrativistas em Aquiraz, Pacatuba e Maracanaú.

"Quando a gente fala em mineração", ele ressalta, "imagina só o garimpo em terras indígenas dos ianomâmis, mas há as pedreiras com extração de material. Na terra dos Anacé, já deparamos com um grupo que desviou parte do curso do rio e estava retirando areia grossa".

Também nesse caso, os indígenas tiveram de recorrer a seus próprios recursos, fazendo uma autodefesa tanto do território quanto de sua integridade física. "A gente precisou se arriscar e ir lá conversar com essas pessoas", recorda.

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