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11 denúncias de violência política contra mulheres parlamentares no Ceará em 4 meses
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11 denúncias de violência política contra mulheres parlamentares no Ceará em 4 meses

A maioria dos casos é de violência cometida por vereadores contra parlamentares mulheres. As situações envolvem ataques verbais em plenário ou redes sociais, postagem de caricaturas discriminatórias, perseguição, pedido de cassação de mandato e até tentativa de agressão física
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Dos 11 casos informados no relatório, a maioria consistia em ataques verbais em plenário nas câmaras municipais e em redes sociais. (Foto: Reprodução/Freepik)
Foto: Reprodução/Freepik Dos 11 casos informados no relatório, a maioria consistia em ataques verbais em plenário nas câmaras municipais e em redes sociais.

Em quatro meses, houve 11 denúncias de violência política de gênero no Ceará. As vítimas foram 13 mulheres, a maioria parlamentares, responsáveis pelas denúncias à Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero da Assembleia Legislativa. A maioria dos atos de violência é atribuída a vereadores.

A maioria das situações denunciadas envolve ataques verbais em plenário nas câmaras municipais e em redes sociais. Também foi registrada tentativa de uso de força física de um parlamentar contra uma vereadora, além da postagem de caricaturas discriminatórias, perseguição e pedido de cassação de mandato. A idade das mulheres que fizeram as denúncias varia de 28 a 50 anos.

Das 11 denúncias recebidas, uma, referente a Santana do Acaraú, foi encaminhada como notícia-crime ao Ministério Público. Sobre outro, referente a Tianguá, foi enviado ofício à Câmara Municipal.

Em duas denúncias não foi dado prosseguimento a pedido das próprias parlamentares. Segundo uma delas, só havia intenção de dar prosseguimento caso se repetisse. Nesse caso, ela "traria as novas provas respectivas para que seja feita uma análise jurídica detalhada".

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Três casos não foram considerados pela Frente Parlamentar como violência política de gênero. Essa análise não significa que os fatos narrados não tenham acontecido, mas que não se enquadram na lei de combate à violência política contra a mulher, número 14.192, sancionada em 2021.

Sobre outras três denúncias, foram pedidas mais informações.

Os dados foram coletados e organizados pela professora Jéssica Teles, pelo advogado Raul Bittencourt e pela socióloga Alana Brandão.

Além de receber as denúncias, a Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero da Assembleia cearense faz o monitoramento e dá encaminhamento aos casos que chegam a ela. O grupo de parlamentares também é responsável por elaborar e aprimorar e fiscalizar leis de proteção e segurança das vítimas.

Para as eleições de 2024, a projeção é de que o número de casos e, consequentemente, de denúncias aumente. Serão as primeiras eleições municipais após a lei entrar em vigor.

A presidente da Frente Parlamentar da Assembeia, deputada estadual Larissa Gaspar (PT), explica que está entre os planos do grupo o envio de propostas de proteção às mulheres nas eleições do próximo ano. As propostas pretendem contemplar ações em todo o Estado.

Violência política de gênero

Segundo Paula Vieira, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a violência política de gênero consiste em agressões que só são proferidas pelo fato de o alvo ser mulher. A lei 14.192/2021 diferencia esse tipo de agressão das demais discussões e embates políticos.

"Quando você olha, o teor da violência política de gênero é de objetificação dos corpos ou desqualificação do posto, a partir de uma ideia de que ela está transgredindo um lugar. Um lugar que socialmente não é para ser dela", explica Paula.

Dentre os exemplos elencados pela cientista política estão interrupções em plenário, esvaziamento das pautas das comissões femininas, propagação de caricaturas obscenas, impedimento aos recursos do fundo partidário e fraude na cota de gênero — o que tem levado à cassação de mandatos parlamentares no Ceará e pelo Brasil.

"Se não há dinheiro, não há recurso para campanha. Se não há recurso para campanha, como é que nós elegemos mulheres?”, indaga a cientista política.

Gênero no Interior

No interior do Ceará, de onde partiram 10 das 11 denúncias recebidas pela frente parlamentar, Paula Vieira explica que a violência política de gênero tem características mais singulares. Há os casos de mulheres colocadas como candidatas-laranja por partidos, sem consentimento, e parlamentares casadas com políticos estabelecidos. Essas últimas acabam tendo a própria atuação diminuída.

Paula Vieira realizou pesquisa na qual catalogou casos de violência política de gênero no Ceará. Apesar de serem muitas vezes tratadas como algo normal, ela ouviu relatos de diferentes maneiras de obstruir a participação política das mulheres.

“Elas contaram sobre as vezes em que foram trancadas dentro ou fora do plenário pelos homens para que elas não participassem das discussões, por exemplo”, comenta.

De acordo com Paula, isso pode ser mais vigiado e ganhar mais visibilidade nas grandes cidades do Estado, como a capital, Fortaleza, e a Região Metropolitana, além de Sobral, na zona norte, e Juazeiro do Norte, no Cariri. Nos demais municípios, muitas vezes não há registro e repercussão tão grande dos episódios, o que pode fazer com que violências não sejam denunciadas e passem impunes.

A lei e as mulheres trans e líderes comunitárias

Um dos debates relacionados à lei 14.192, de 2021, que trata da violência política de gênero, é sobre a inclusão de mulheres trans no texto. A norma é voltada a toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.

Em nenhum momento é citada a palavra gênero, o que, segundo cientista política Paula Vieira, torna o debate aberto. "As conservadoras legitimam, mas a letra da lei não fala sobre cis e trans. Fala em mulheres. Então, no meu entendimento, inclui mulheres trans, pois são mulheres", diz a cientista política.

A deputada Larissa Gaspar, presidente da Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero, aponta outro ponto que considera carência na legislação: a exclusão de líderes comunitárias. Se não forem pré-candidatas ou candidatas, as mulheres não podem ser resguardadas pela lei.

"Tivemos o pedido de uma professora na Frente, mas não conseguimos tramitar da mesma maneira pelo fato de a lei não incluir", relata a deputada.

Sobre esse tópico, Paula Vieira diz que a inclusão de líderes comunitárias ajudará na própria legitimação delas como lideranças e mobilizadoras. Segundo a pesquisadora, esseserá um tópico que deve ser mais discutido em 2024.

"Para a gente expandir a discussão sobre violência política de gênero e também para lidar com normas comunitárias para mulheres. Professoras, mulheres que sejam gestoras que sofrem muito com isso. A lei nesse caso traria alguma segurança."

Como denunciar casos à Frente Parlamentar

A Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero atua com objetivo de colaborar com as instituições, de modo responsivo e responsável com o sistema de justiça, pautando as atividades no devido processo legal, respeito aos direitos humanos e de acordo com os protocolos mais avançados de trabalho em casos em que os direitos das mulheres estão em situação de violação.

Mesmo quando o caso não se configura como violência política de gênero, a Frente afirma que "o acolhimento da vítima é realizado, sua experiênciapessoal é valorizada e algumas medidas são adotadas para educar, informar e evitar o cometido do citado crime, contribuindo para difusão de uma cultura política de menos discriminação e violência contra a mulher na política."

Em caso de violações, a denunciante deve entrar em contato pelo e-mail fpcombateviolenciapolitica@al.ce.gov.br e relatar o caso, que será analisado pelo grupo para que sejam tomados os encaminhamentos. (Ludmyla Barros/especial para O POVO)

 

Quem compõe a Frente Parlamentar

A Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero da Assembleia Legislativa do Ceará é composta por:

  • Presidente: deputada estadual Larissa Gaspar (PT)
  • Vice-presidente: deputada estadual Jô Farias (PT)

Demais deputados e deputadas subscritores: Emilia Pessoa (PSDB), Gabriella Aguiar (PSD), Juliana Lucena (PT), Luana Ribeiro (Cidadania), Dra. Silvana (PL), Romeu Aldigueri (PDT), Renato Roseno (Psol), Júlio César Filho (PT), Alysson Aguiar (PCdoB), Lucinildo Frota (PMN), Agenor Neto (MDB), Danniel Oliveira (MDB), Leonardo Pinheiro (Progressistas), Nizo Costa (PT), De Assis Diniz (PT), Missias Dias (PT), Stuart Castro (Avante) e João Jaime (Progressistas).

 

Formas da violência de gênero

A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) define cinco formas da violência de gênero. A violência política de gênero pode se manifestar na forma de qualquer uma delas, com objetivo de impedir, limitar, constranger e atrapalhar a presença feminina na política.

As formas da violência de gênero são:

  • Violência física: contra a integridade ou saúde do corpo da mulher
  • Violência psicológica: causa dano emocional, diminuição da autoestima ou tem objetivo de degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões
  • Violência sexual: constrange a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força
  • Violência patrimonial: retenção ou subtração de bens ou documentos
  • Violência moral: conduta que caracterize calúnia, difamação ou injúria
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