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Em sete meses, 664 crianças e adolescentes de até 14 anos foram estupradas no CE
Reportagem

Em sete meses, 664 crianças e adolescentes de até 14 anos foram estupradas no CE

O sofrimento da menina capixaba de 10 anos que tornou-se tema nacional é vivido por milhares de crianças brasileiras a cada ano. A violência brutal se soma muitas das vezes às falhas no atendimento e na rede de proteção
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Especial Violência contra meninas - CARLOS CAMPUS (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Especial Violência contra meninas - CARLOS CAMPUS

A exposição de uma menina de dez anos que foi estuprada desde os seis anos e engravidada por um tio levantou a discussão sobre violência sexual e aborto no Brasil em agosto de 2020. No entanto, esse não é um caso recente nem isolado.

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No Ceará, de janeiro a julho do mesmo ano, 664 casos de estupro de crianças e adolescentes de até 14 anos foram registrados, conforme a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Foram 551 vítimas do sexo feminino e 113 do sexo masculino. As meninas respondem por 83% dos casos registrados de estupro.

A história da pequena capixaba expõe as falhas do Estado em defender os mais vulneráveis. A rede de proteção é ineficaz no que tange à prevenção contra o crime e à estrutura de apoio e acolhimento das vítimas de abuso sexual.

O número de casos de abuso registrado oficialmente é aterrador. E sequer condiz com a realidade, ainda mais cruel. De acordo com Itamar Batista Gonçalves, gerente de Advocacy da Childhood Brasil, somente 10% das famílias, de fato, realizam a denúncia.

O silêncio não é por acaso. Mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são praticados por pais, padrastos ou outros parentes das vítimas. Pessoas próximas que acabam por exercer uma coerção permanente. "Falta uma política de Estado que enfrente essa situação e que consiga fazer prevenção. Porque senão a gente vai continuar enxugando gelo. Temos a lacuna da prevenção", explica. Ele frisa a importância de um plano nacional incluindo a educação sexual levando em conta as faixas etárias em espaços de formação, como a escola, além de unidades de saúde e outros locais onde as crianças frequentam.

Toda criança precisa saber que, além dos seus cuidadores, ninguém pode tocá-la. Um conhecimento construído na perspectiva de autoproteção. Ela deve saber que pode ter um adulto de confiança com quem pode falar.

Outro ponto essencial é a prevenção secundária, com uma rede de profissionais treinados para identificar casos suspeitos, acolher e fazer a denúncia. Essa rede de proteção, em muitas partes do País, é enfraquecida.

"Falta de capacidade em termos de estrutura, recursos humanos, formação atualizada. Temos que aumentar o alcance e a qualidade dos serviços. A gente precisa dar prioridade absoluta e isso deve ser refletido em maior investimento público. Professores, assistentes sociais e agentes de saúde precisam ser capacitados para identificar esses casos", destaca Luiza Teixeira, especialista em proteção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.

A situação de vulnerabilidade se acentua no caso de lares com histórico de violência. "Existe relação entre educação precária dos pais, desemprego, falta de assistência", relaciona.

 

Como denunciar abusos

Para denunciar qualquer suspeita de abuso sexual contra crianças e adolescentes em Fortaleza, contate o Plantão Conselho Tutelar pelos números (85) 3238 1828 ou (85) 98970 5479. Ainda, há a possibilidade de contatar o Disque Direitos Humanos 100.


Já para flagrantes, a orientação é contatar a Polícia pelo Disque 190. No atendimento da ocorrência, eles encaminharão as vítimas para a Delegacia de Combate a Exploração da Criança e Adolescente (Dececa). Durante o lockdown em Fortaleza, a circulação para delegacias em casos de urgência e necessidade de atendimento presencial está autorizada.

Para combater a violência

1.Direitos da criança e do adolescente

 

Constituição Federal (1988): o artigo 227 traz a doutrina da proteção integral e o tratamento da criança e adolescente com prioridade absoluta.


Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989): subscrita pela Assembleia Geral das Nações Unidas, ratificada por 192 países, é hoje o instrumento internacional de direitos humanos com maior adesão.


Estatuto da Criança e do Adolescente (1990): crianças e adolescentes passaram a ser vistos sob nova perspectiva, como “sujeitos de direitos”. No artigo 37, a inviolabilidade da preservação da imagem e da identidade de menores de 18 anos é determinada.


2.Atendimento integrado em casos de violência

 

A Lei nº 13.431/17 estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e determina a implantação dos mecanismos de Escuta Especializada e Depoimento Especial para toda criança ou adolescente testemunhas ou vítimas de violência, principalmente a violência sexual. Todos os municípios brasileiros devem instituir a rede de proteção especializada e integrada.

 

O atendimento integrado tem o objetivo de evitar o processo de revitimização da vítima, o que acontece quando relatam a violência que sofreram inúmeras vezes, em diferentes serviços da rede de proteção.


3.Direito ao aborto

Aborto é criminalizado no Brasil. Mas segundo o artigo 128 do Código Penal, "não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".


A interrupção da gravidez também é permitida, desde 2012, por entendimento do Superior Tribunal Federal (STF) quando o feto tem anencefalia.


4.Sobre as violências vividas

O que é abuso sexual?

É a utilização do corpo de uma criança ou adolescente para a prática de qualquer ato de natureza sexual. Pode ocorrer com ou sem violência física. Neste caso, com falas sexualizadas, voyeurismo e exibição dos órgãos sexuais para a criança. A violência psicológica está sempre presente.

- Abuso sexual intrafamiliar: quando a violência ocorre dentro da família, ou seja, vítima e autor da violência sexual possuem alguma relação de parentesco.

- Abuso sexual extrafamiliar: quando não há vínculo de parentesco entre o autor da violência sexual e a criança ou adolescente


O que é violência sexual?

- Forçar ou encorajar a criança a tocar um adulto de modo a satisfazer o desejo sexual;

- Fazer ou tentar fazer a criança se envolver em ato sexual;

- Forçar ou encorajar a criança a se envolver em atividades sexuais com outras crianças ou adultos;

- Expor a criança a ato sexual ou exibições com o propósito de estimulação ou gratificação sexual;

- Usar a criança em apresentação sexual como fotografia, brincadeira, filmagem ou dança, não importa se o material seja obsceno ou não;

- Tocar a boca, genitais, bumbum, seios ou outras partes íntimas de uma criança com objetivo de satisfação dos desejos;

- Espiar ou olhar a criança se despindo, em momentos íntimos, tomando banho, usando o banheiro, com objetivo de satisfação sexual;

- Mostrar material pornográfico;

- Assediar a criança, fazer comentários erotizados sobre o corpo dela, fazer propostas sexuais, enviar mensagem


5.Um olhar para as crianças e adolescentes

 

Como conversar com as crianças para protegê-las?

- A criança precisa saber que está amparada pelo cuidado dos pais e saber a quem recorrer se acontecer algo errado

- Os adultos devem evitar criar tabus sobre a sexualidade para que os pequenos não tenham vergonha de relatar algo

- A criança precisa saber que, quando estiver fora de casa, pode pedir ajuda de um professor ou de um médico, por exemplo, e contar alguma situação estranha, incômoda ou que escapou do controle delas

- A melhor forma de autoproteção é fortalecer o autoconhecimento e a autonomia de crianças e adolescentes

- Para os menores, a hora do banho é uma boa oportunidade de ensinar sobre as partes íntimas do corpo e saber o nome delas

- Dizer não! A criança precisa saber que, além do cuidador, ninguém pode tocá-las, que o corpo é delas e que ninguém tem direito sobre ele. Ela deve entender que tem o direito de dizer não quando algo incomoda ou constrange


Como perceber se a criança está sofrendo algum tipo de violência sexual?

Somente em 40% dos casos existe evidência física. Os principais sinais que a criança pode mostrar e podem ser observados são comportamentais:

- Perda do apetite ou compulsão alimentar;

- Pesadelos, medos inexplicáveis de pessoas ou lugares;

- Apatia, afastamento dos amigos;

- Perda dos antigos hábitos de brincar;

- Voltar a chupar o dedo, fazer xixi na cama ou cocô nas calças;

- Agressividade, diminuição do rendimento escolar, dificuldades de aprendizagem;

- Fuga de casa;

- Conhecimento ou comportamento sexual fora do esperado (exceto conceitos básicos e saudáveis de educação sexual);

- Comportamento erotizado;

- Irritação, sangramento, inchaço, dor, coceira, cortes ou machucados na região genital ou anal.


O que fazer se suspeitar de abuso?

- Se suspeitar que o seu filho foi vítima de abuso, evite que a criança sinta que fez alguma coisa errada. Pergunte o que aconteceu, quando aconteceu e com quem, mas não faça interrogatório e não peça justificativas

- Procure ouvi-la mas tente não se mostrar perturbado. As crianças podem sentir-se culpadas e esconder informação. Deixe claro que você acredita na criança e ela não é culpada por qualquer coisa que tenha sido obrigada ou tenha aceitado fazer

- Em caso de suspeita, denuncie! A denúncia pode ser feita no Conselho Tutelar, Ministério Público, Delegacia da Infância e Juventude ou Disque 100


6.Para ver com as crianças:

Livro Pipo e Fifi. Autora: Carolina Arcari. Veja mais conteúdos em www.pipoefifi.com.br/


A série de animação "Que Corpo É Esse?", disponível no canal do Youtube do Childhood Brasil

 

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