Logo O POVO+
Isto é América: novas chamas fazem tensão racial voltar a explodir nos EUA
Reportagem

Isto é América: novas chamas fazem tensão racial voltar a explodir nos EUA

Caso de jovem negro baleado sete vezes nas costas por policial branco reaquece protestos nos Estados Unidos e desencadeia inédita greve de esportistas norte-americanos. Convulsão social tem repercussões na sociedade, nos esportes e na política
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Manifestantes levantam seus punhos durante uma manifestação contra o ataque a Jacob Blake em Kenosha (Foto: Kerem Yucel / AFP)
Foto: Kerem Yucel / AFP Manifestantes levantam seus punhos durante uma manifestação contra o ataque a Jacob Blake em Kenosha

O retorno dos protestos antirracistas e contra a violência policial nos Estados Unidos não é obra do acaso. As manifestações renascem em meio a persistente contexto de problemas estruturais e sociais agravados não apenas pela postura das forças de segurança, mas também pela pandemia de Covid-19 que afeta a comunidade negra de forma mais severa — tanto em questões de saúde quanto econômicas —, se comparada aos brancos.

O estopim dos novos atos foi a agressão a mais um homem negro. Jacob Blake, 29, foi baleado sete vezes pelas costas por um policial branco no último domingo, em Kenosha, no estado do Wisconsin. O pai de Blake e o advogado da família disseram que os três filhos da vítima estavam presentes no momento do ocorrido. O caso reacende a chama que — é bem verdade, nunca apagou-se —, em maio deste ano abraçou os 50 estados do país após o assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial branco em Minneapolis.

A agressão a Blake ocorreu apenas dois dias antes de o assassinato de Floyd completar três meses. Policiais envolvidos na ação foram suspensos durante investigações. A reincidência e a impunidade histórica em casos como esse é motor dos protestos; Eric Garner, Breonna Taylor e Ahmaud Arbery são alguns dos casos recentes mais simbólicos de negros mortos por agentes da lei de forma brutal e injustificável. Diferente dos nomes supracitados, Blake não morreu, mas segue internado e até o momento perdeu o movimento das pernas.

O contexto no qual ele foi baleado ainda não está completamente exposto. O que se sabe é que a Polícia respondia a chamado de "incidente domiciliar" não necessariamente ligado a Blake. Segundo versão apresentada pelo procurador-geral de Wisconsin, Josh Kaul, nessa quarta-feira, 26, agentes teriam tentado prender Blake, chegando a disparar arma de choque contra ele. "Blake deu a volta em seu veículo, abriu a porta do motorista e se inclinou, foi quando o policial Rusten Sheskey disparou", escreveu Kaul. Sete vezes.

A parte final da fala de Kaul é ilustrada por gravação feita por morador da região. O vídeo viralizou nas redes sociais e segue gerando discussões. De um lado, apoiadores do movimento "Black Lives Matter" ("Vidas Negras Importam", em tradução) cobram justiça pelas novas agressões sofridas por um negro. Do outro, grupos conservadores relativizam o fato, usando como narrativa a exposição de supostos antecedentes criminais de Blake e a hipótese de que ele portaria uma faca no momento da abordagem.

Seguindo a lógica mais conservadora, é como se o uso de força excessiva contra aqueles com histórico criminal torna-se ato transgressivo menos grave — justificável, até. Os movimentos progressistas rebatem que essa relativização desconsidera que a polícia, em geral, adota como figura do inimigo o perfil do negro e do pobre; fator que influencia diretamente no desenrolar das abordagens.

O Departamento de Justiça do Wisconsin disse que Blake havia informado aos policiais que tinha um faca em sua posse. Versão não corroborada pelos advogados dele, que reforçam que a polícia o agrediu "com sete tiros na frente dos filhos" e que testemunhas alegaram que Blake "não tinha uma faca e não representou ameaça em nenhum momento". A polícia de Kenosha não usa câmeras corporais, como é comum em outras corporações pelo país, fato que levou a procuradoria a estipular 30 dias de prazo para apresentação de primeiros resultados das investigações.

Enquanto isso, Kenosha registra protestos e violência; em um dos atos mais fervorosos, um jovem de 17 anos, que portava ilegalmente rifle modelo AR-15, matou duas pessoas que protestavam contra a violência policial. O episódio ocorreu próximo a estabelecimento do qual vigilantes armados diziam fazer a segurança. Após o ocorrido, o jovem em questão (branco), caminhou em direção à polícia com o posse do rifle e entregou-se.

O enfrentamento entre grupos opositores deixou de ser um temor e passou a ser uma realidade há alguns meses. Na primeira onda de protestos antirracistas, pessoas de ambos os grupos foram agredidas ou mortas durante conflitos. Muitos dos vigilantes armados são apoiadores do atual presidente Donald Trump, que tem relação conflituosa com movimentos sociais; dentre eles o "Vidas Negras Importam".

O que você achou desse conteúdo?