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Os riscos do agravamento da fome no Brasil
Reportagem

Os riscos do agravamento da fome no Brasil

Dados do IBGE apontam que aumentou o número de pessoas que passam por algum nível de insegurança alimentar — leve, moderada ou grave — no País. Especialistas apontam retrocessos em políticas públicas
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Foto: Fabio Lima IMAGEM PARA ILUSTRA A REPORTAGEM SOBRE FOME. Morador de rua segura papelao com a frase, "to com fome". (Foto Fabio Lima)

Índice que vinha em queda no País entre 2004 e 2013, o número de domicílios brasileiros com algum grau de insegurança alimentar e nutricional voltou a crescer. Fruto de uma série de fatores, essa condição diz respeito ao nível de prejuízo no acesso das pessoas a alimentos, em termos de quantidade e de qualidade.

No relatório O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo, de 2014, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) destacou o avanço do Brasil no combate à fome. Naquele cenário, foi apontada a priorização da segurança alimentar e nutricional (SAN) desde 2003, e foram destacadas iniciativas como a Estratégia Fome Zero e a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

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"Um segundo ponto é elaboração de políticas públicas para dar acesso ao alimento: neste sentido, entram ações como a geração de empregos formais, a valorização do salário mínimo e programas como o Bolsa Família", complementa Tereza Campello, pesquisadora convidada do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Nupens/USP). A economista aponta também a menção da FAO aos esforços relacionados à garantia de alimentação adequada e saudável por meio da merenda escolar.

Divulgada no último dia 17, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 36,7% dos domicílios — o equivalente a 25,3 milhões de lares — estavam em algum grau de insegurança alimentar. O índice em 2013, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), era de 22,6% e, em 2004, de 34,9%.

O crescimento da insegurança alimentar e nutricional, segundo Maria Marlene Marques Ávila, professora do curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional (GPSAN), é consequência de retrocessos em diferentes políticas públicas — como saúde, educação e assistência social —, uma vez que a segurança alimentar depende de um conjunto de programas intersetoriais.

A professora cita como "marco maior deste retrocesso" a Emenda Constitucional 95/2016, que limitou os gastos públicos por 20 anos. "Especificamente para a Politica de Segurança Alimentar e Nutricional, representou um grande golpe, por um lado, pela interrupção no processo de consolidação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), então em expansão, e, por outro, pelo recuo no financiamento de programas de segurança alimentar." Outra mudança destacada foi a extinção do Consea pela Medida Provisória 870/2019.

Com os impactos da pandemia de Covid-19, além dos países em que a crise alimentar é mais grave e está se acirrando — como o Iêmen, o Afeganistão e a Etiópia —, países de renda média também veem crescer os níveis de fome. É o caso da Índia, da África do Sul e do Brasil, segundo a organização não-governamental Oxfam.

Quando o direito a uma alimentação saudável e adequada é violado, há consequências principalmente quanto à desnutrição ou à deficiência de vitaminas e minerais. Porém, os malefícios vão além da saúde do indivíduo, impactando toda a sociedade, explica Patrícia Jaime, vice-coordenadora científica do Nupens e professora do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

Ela afirma que as crianças são o "grupo-sentinela" desse efeito, uma vez que essa é uma fase de desenvolvimento, crescimento corporal e aquisição de competências cognitivas. "Quando há retardo no crescimento, baixo peso, há um impacto não apenas na saúde da criança, mas no capital humano. É comprovado que crianças desnutridas ou com anemia têm, em geral, pior desempenho educacional. Isso gera um ciclo ligado à pobreza."

A professora Maria Marlene Marques Ávila aponta, ainda, que "mediante a crise instalada, as perdas expressivas e comprometimento dos avanços alcançados em relação ao combate à pobreza e à desigualdade", a situação identificada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 quando à segurança alimentar e nutricional deve se manter. "E seu prolongamento repercutirá no agravamento da fome e na desnutrição, que atinge preferencialmente grupos etários mais vulneráveis, como as crianças e os idosos."

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