Embora as políticas de promoção da igualdade racial tenham sido sempre aquém da necessidade de reparação histórica, o Brasil passa por um momento ainda mais grave, de corte de recursos e esvaziamento dos órgãos e conselhos para discussão do tema.
Criada em 2003, ainda no governo Lula, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) surgiu com orçamento insuficiente para a demanda que existia. De 2014 para 2020, o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) disponibilizou um total de R$ 24.789.824,00 para editais de fomento à causa. Neste ano, chamadas públicas foram abertas com valor total de R$ 2,6 milhões. Quase 40% a menos do que foi possibilitado em 2019: R$ 4,2 milhões.
Zelma Madeira, responsável pela Coordenadoria de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial no Ceará, da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), cita que houve avanço tímido entre 2004 e 2014 na América Latina. Mas a conjuntura atual é marcada por refreamento dos investimentos. "Nós não temos um estado nacional que dê o apoio. No máximo, quando fazem, é para cair na pauta do identitarismo", lamenta.
"Nós estamos diante de um grande desafio. O que nos coloca algo para podermos respirar na realidade cearense é ter as campanhas, insistir nos municípios. Não é dizer que está fácil. É desafiante. É tempo de ter engenhosidade, apostar na criatividade, ver experiências exitosas", pontua a coordenadora.
Conforme dados compilados pelo professor Ilzver Matos, doutor em Direito pela PUC do Rio de Janeiro, este ano a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial (Ceppir) tem o menor orçamento dentro da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS), com cerca de R$ 354 mil. A título de comparação, a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais recebeu R$ 3,4 milhões.
Em Fortaleza, de acordo com levantamento feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), o Fundo de Promoção da Igualdade Racial variou negativamente quase 50% de 2019 para 2020 dentro da Lei Orçamentária Anual. No interior do Estado, é ainda mais difícil encontrar ao menos um órgão ou conselho que trate das questões. Apenas os municípios de Juazeiro do Norte, Horizonte e Fortaleza criaram conselhos e estão vinculados ao Sinapir.
"Nós temos um grande problema da questão racial não ser tratada e nem da política ganhar mais aderência nos municípios", confessa Zelma. Para a coordenadora, falta estímulo às cidades para aderirem ao Sinapir e criar órgãos, conselhos, elaborar planos ou melhor sistematizar ações voltadas à igualdade racial.
"O movimento negro está pleiteando outras coisas. Não é só reconhecimento da cultura, religiosidade, mas espaço no poder político, dos seus direitos. O estado fica naquela de reconhecer coisa que o movimento já superou. Ninguém trabalha sem recurso. Tendo, o estado tem de destinar", afirma Ilzver.
Para ele, o Ceará está atrasado nessa questão se comparado aos estados da Bahia e do Maranhão, onde há secretarias específicas com autonomia e orçamentos próprios para tratar das questões étnico-raciais.
"Se a gente não exigir políticas de saúde e educação específicas, a gente sabe que a política universalista não nos alcança", avalia o professor.
Em nota, a SPC citou que este ano a Secretaria Executiva de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, que contempla a política da igualdade racial, teve um orçamento aproximado de R$ 74,9 milhões, mas não citou valores e projetos executados.
O abismo que separa pessoas pretas ou pardas de brancas
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,10% dos brasileiros se declaram negras no Brasil. Dos 209,2 milhões de habitantes do País, 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Os negros, que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos, são, portanto, a maioria da população, mas estão longe de alcançar o mesmo patamar social de pessoas não-negras. (Flávia Oliveira)
Mercado de trabalho
Cargos gerenciais
Ocupados por brancos 68,6%
Ocupados por pretos ou pardos 29,9%
Taxa composta de subutilização *
Branca 18,8%
Preta ou parda 29%
*Soma das populações subocupada por insuficiência de horas, desocupada e força de trabalho potencial
Distribuição de renda e condições de moradia
Pessoas abaixo das linhas de pobreza
Inferior a US$ 5,50/dia: Branca 15,4% Preta ou parda 32,9%
Inferior a US$ 1,90/dia: Branca 3,6% Preta ou parda 8,8%
Rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas ocupadas (R$/hora)
Sem instrução ou fundamental incompleto
Branca 8,7
Preta ou parda 6,7
Fundamental completo ou médio incompleto
Branca 9,7
Preta ou parda 7,7
Médio completo ou superior incompleto
Branca 12,2
Preta ou parda 9,6
Superior completo ou mais
Branca 32,8
Preta ou parda 22,7
Violência
Taxa de homicídios, por 100 mil jovens de 15 a 29 anos de idade
Branca 34
Preta ou parda 98,5
Educação
Taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade
Branca 3,9%
Preta ou parda 9,1%
Representação política
Deputados federais eleitos em 2018
Branca 75,6%
Preta ou parda 24,4%
Fontes: Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil do IBGE (2019)/ Diretoria de Pesquisas / Coordenação de População e Indicadores Sociais