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"Nunca mais mudaremos de canal"
Reportagem

"Nunca mais mudaremos de canal"

Em 26 de novembro de 1960, a TV Ceará era inaugurada no Estado. Exatos 60 anos depois, O POVO remonta os passos do canal 2, que marcou um novo momento social, cultural e econômico cearense
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Jane Azeredo aparece com Emiliano Queiroz como seu par romantico na novela Cigana Carmem. A foto, do acervo pessoal da atriz, é original do fotógrafo Leocácio Ferreira (Foto: BARBARA MOIRA)
Foto: BARBARA MOIRA Jane Azeredo aparece com Emiliano Queiroz como seu par romantico na novela Cigana Carmem. A foto, do acervo pessoal da atriz, é original do fotógrafo Leocácio Ferreira

"Em meio a grandes festividades, foi inaugurada sábado último, pelos 'Diários Associados', a Televisão Ceará, presentes as mais altas autoridades do Estado, bem como dezenas de convidados especiais". A matéria do O POVO de 28 de novembro de 1960 registrava um evento importante para a Cidade, que acontecera dois dias antes: a implementação da TV Ceará, a primeira emissora de televisão do Estado. A instituição do veículo de comunicação trazia também uma perspectiva de modernização para a Capital que tentava se desvencilhar de aspectos provincianos para se tornar metrópole.

O canal surgiu como extensão da Rede Tupi, pertencente ao empresário Assis Chateaubriand, responsável por trazer a televisão ao Brasil. Isso foi dez anos antes, em 1950, com o início da TV Tupi Difusora em São Paulo. O oligopólio de Chateaubriand, os Diários Associados, chegou ao Ceará ainda na década de 1940, quando a Ceará Rádio Clube (1934) e os jornais impressos "Unitário" (1901) e "Correio do Ceará" (1915) foram incorporados ao grupo.

Para trazer a TV ao Estado, era preciso conquistar a população. Segundo O POVO destacava na edição de 24 de novembro de 1960, a "realização dêsse sonho dos cearenses" contou com a colaboração do próprio povo do Estado, "com a tomada de ações da emprêsa, no total aproximado de doze milhões de cruzeiros", tal qual escrito à época. Além dessa participação, anunciantes e empresários também eram estimulados pelo empreendimento.

"Grupos de empresários eram levados para ver o ritmo de construção. O parâmetro para comparação era Brasília, erguida do nada, em pleno Planalto Central", explica o professor Gilmar de Carvalho, autor do livro "A Televisão no Ceará (1959/1966)", lançado originalmente em 1985 e reeditado em 2004 e 2010. "A TV Ceará começou com uma campanha junto aos grandes empresários de Fortaleza para que eles contribuíssem para a construção do prédio e a compra de equipamentos", lembra Narcélio Limaverde, um dos pioneiros do canal, primeiro apresentador de televisão Estado.

"Fortaleza era uma cidade em busca de crescimento, que recebia várias pessoas do interior que procuravam qualidade de vida longe da seca. A ideia era de que a chegada da televisão era a chegada também da modernidade", explica a docente Ana Quezado, autora da dissertação "Fortaleza nos primeiros tempos da TV: cotidiano, memória e cultura (1958-1965)" em 2007.

Neste contexto, não havia equipes preparadas para a lida televisiva e, por isso, nomes do rádio foram alçados à nova linguagem. "A TV Ceará se beneficiou da atuação e liderança da Ceará Rádio Clube, no ar desde 1934. Claro que era necessária uma adequação. Grandes vozes não significavam rostos bonitos, e a tevê se ancorava na imagem", aponta Gilmar. A atriz Glice Sales, que compunha a equipe da Ceará Rádio Clube, conta que o percurso até a televisão foi natural.

"O pessoal que trabalhava lá, quando o advento da televisão chegou, passou 'de mão beijada' para a televisão, porque não tinha gente para fazer as coisas", divide a artista. Junto da "migração" das equipes da Ceará Rádio Clube para os estúdios do canal 2, os diretores da emissora televisiva apostavam na realização de cursos preparatórios, realizados pelo paraibano Péricles Leal. "Antes da inauguração, fui levado para Recife e aprendi a me apresentar na televisão. Comecei a treinar lá, cheguei em Fortaleza e aprendi como a pessoa se portava diante da televisão", rememora Narcélio.

O canal 2, quando já inaugurado, pautou o cotidiano de milhares de pessoas. Na programação, toda ao vivo, havia novelas nas faixas "TV de Romance" e "Videorama', o teleteatro "O Contador de Histórias", a "TV de Mistério", a "Comédia de Costumes", o "Dois na Berlinda", com Praxedinho e Anicetinha (Marcus Miranda e Maria Luiza Moreira), os primeiros passos de Renato Aragão no humor, com o "Vídeo Alegre", e musicais. "Não se pode reclamar muito da grade implantada. A televisão foi além das expectativas dos fruidores. Diria que surpreendeu", avalia Gilmar.

A TV Ceará "foi um divisor de águas, em muitos sentidos. Impactou a publicidade, mudou hábitos, mexeu com as tradições e criou nosso primeiro olimpo", resume o pesquisador. Pessoas se reuniam na casa de conhecidos para assistir aos teleteatros, programas de humor, apresentações musicais e notícias. "Um aparelho de televisão era muito caro, não havia a menor possibilidade de uma pessoa pobre ter uma televisão. Por isso, famílias que compravam viravam um ponto de encontro. Surgiam, assim, novas práticas de sociabilidade na cidade", comenta a professora Ana Quezado.

Popularizou-se, então, o acesso às artes, além de nomes vindos do teatro, como Ilclemar Nunes, Almir Teles, Edilson Soares, B. de Paiva, Gracinha Soares, Haroldo Serra, Hiramisa Serra e Eduardo Campos, este último teatrólogo e diretor, e autor de várias dramaturgias do canal. "Defendo a hipótese de que Eduardo Campos usou a televisão como laboratório para suas peças teatrais e levou a experiência televisiva para os palcos", avalia Gilmar. O primeiro teleteatro "O Contador de Histórias" do canal foi "A Fúria dos Justos", realizado por Péricles Leal e baseado no texto "Os deserdados", de Manuelito.

 

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Na reportagem especial completa, você confere registros de notícias sobre a TV Ceará, entrevista completa com a professora da UFC Mariana Barreto, linha do tempo com trajetória do canal e quadro de relatos 

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