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Brasil em cancelamento: o impacto da política externa na economia
Reportagem

Brasil em cancelamento: o impacto da política externa na economia

| RELAÇÕES INTERNACIONAIS | Considerado hoje um pária internacional, o País vai somando desafetos ao redor do mundo e vê possibilidades de negócios se distanciarem com a política de relação exterior do governo Jair Bolsonaro
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Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo (Foto: Sergio LIMA / AFP)
Foto: Sergio LIMA / AFP Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo

Há bem pouco tempo, o Brasil foi a "bola da vez" no mercado internacional. Vista como a terra das oportunidades, os investimentos estrangeiros se acumulavam e as relações de comércio exterior do Brasil avançavam de forma acelerada em continentes de grandes mercados, como a América do Norte e Europa, mas também com países do Caribe, Oriente Médio e África, além do atual principal parceiro comercial, a China.

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Muitas oportunidades de negócios foram viabilizadas a partir da boa relação que o Brasil cultivou ao redor do mundo. A ampliação da quantidade de embaixadas brasileiras nos diversos continentes aliada a uma chancelaria forte e reconhecida pelos acordos diplomáticos subiram o conceito do Brasil no cenário internacional. Tanto que, em maio de 2017, o governo brasileiro formalizou o pedido de entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado "clube dos ricos".

A introdução do cenário indicaria uma ambiência promissora para o futuro. Porém, passados exatos quatro anos do pedido de entrada, muita coisa mudou. E o país visto como o primeiro da lista de grandes investidores e economia com a qual muitos gostariam de fazer negócios, agora entrou para a lista de cancelados.

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Já há quem se pergunte nas mesas de negócios internacionais: "O que está acontecendo com o Brasil de uns tempos pra cá?". Alcântara Macêdo, economista e consultor empresarial muito ligado a negócios internacionais e em contato direto com fundos de investimentos, conta que a situação brasileira nas rodas de conversas ao redor do mundo não é das mais positivas.

"Diante do cenário que estamos vivendo, e eu que tenho projetos em andamento e estou em contato com fundos de investimentos, realmente, o nível do que está se falando sobre o Brasil não é bom", destaca. Para Alcântara, isso acontece porque o Brasil é uma economia de grande potencial para atender tanto às demandas internacionais relacionadas à pauta de comércio exterior, como também de investimentos em negócios visto o tamanho do público consumidor no mercado nacional.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de investimento em relação ao tamanho do PIB brasileiro em 2020 apresentou aumento para 16,4%, o que é um ponto percentual (p.p.) a mais do que em 2019. A análise que se tem sobre o resultado é que, com a queda de 4,1% da economia brasileira no ano passado, o capital de investimento ganhou importância na produção de riquezas.

No entanto, o investimento total, chamado no levantamento de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), apresentou uma retração de 0,8% na comparação com 2019. Essa FBCF é tudo o que aumenta a produção, seja um maquinário novo de uma empresa ou construção de uma estrada pelo governo. Sem poder de orçamento, o estado depende do volume de investimentos do capital privado. Atualmente, a participação de investimento no PIB é a menor desde o começo da década de 1970.

Alcântara destaca que, como o Brasil não tem poupança de recursos públicos para permitir investimentos e desenvolvimento, é necessária a pujança dos investimentos internacionais a partir de uma política que dê segurança jurídica para o capital internacional - que atualmente tem juro real negativo. Sem a construção de um ambiente de negócios favorável para isso, não há geração de riquezas, destaca. "Se não houver geração de riquezas, será o mesmo bolo repartido para 210 milhões de pessoas de uma população que só cresce."

Se neste ponto o leitor se pergunta o que protagonizou essa virada de chave, da perspectiva de pleno desenvolvimento ao risco de aumento da pobreza, o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), Leonardo Paz Neves, explica que há de se analisar as diversas facetas de "imagem arranhada" que tem isolado o Brasil.

Para além de declarações negativas contra algum parceiro ou política externa alinhada a um discurso extremado, Leonardo destaca que as ações que geram insegurança aos entes de mercado, como uma crise econômica e política, são ambiente de negócios marcado pela insegurança jurídica, além da própria crise sanitária.

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As questões de momento que se impõe são as relacionadas à pauta ambiental, assunto de primeira ordem para as grande potências ocidentais, também dos desatinos declaratórios e acusadores contra a China. Além disso, observa o pesquisador da FGV, o descontrole da pandemia no Brasil danifica a imagem do País, pois já se entende que as economias que vão se recuperar primeiro serão as que controlarem a questão sanitária.

"Pudemos ver essa falta de relação internacional com as vacinas extras disponibilizadas pelos Estados Unidos - em que o Brasil não ganhou qualquer preferência na fila ou nas conversas, enquanto agem com maior urgência em favor da Índia", analisa.

 

Balança comercial pode ser infligida com sucessivos desarranjos

No campo minado da política externa, o Brasil bombardeia, mas também é bastante castigado, inclusive com ameaças econômicas. Exemplo disso é a reação vinda de um grupo de empresas e investidores europeus que ameaçam parar de usar commodities agrícolas brasileiras se for aprovado no Congresso uma lei que altera as regras de regularização fundiária em terras da União, entendendo que a proposta incentiva o desmatamento a grilagem recompensar grileiros que invadem terras.

O acordo econômico entre o Mercosul e a União Europeia é outra pauta importante que está emperrada, aguardando ratificação, e que parece mais distante de uma resolução a cada movimento político brasileiro e europeu. E, para o mestre em Relações Internacionais e Ação no Estrangeiro pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Philippe Gidon, se mantiver a atual postura, o mercado brasileiro pode sofrer prejuízos. "Ao que tudo indica, o mercado europeu para os produtos brasileiros tende a se fechar."

A pauta ambiental é prioridade para eles, assim como é para os Estados Unidos, que, no novo governo democrata de Joe Biden, reduziu o Brasil ao segundo escalão do relacionamento bilateral. Exemplos de como o ambiente de negócios do Brasil está desinteressante para investimentos externos, em meio à crise econômica causada pela pandemia, é a saída de empresas internacionais, como a Ford (decidiu alocar suas operações na Argentina), a Sony (abandonou a fabricação de equipamentos de áudio e câmeras na Zona Franca de Manaus), a farmacêutica suíça Roche, a varejista francesa L'Occitane e a norte-americana Walmart (maior rede de varejo do mundo, repassou seus ativos no Brasil).

Juliano Cortinhas, doutor em Relações Institucionais e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB), analisa que desarranjos políticos na escolha da agenda de relações exteriores e uma complexa e duradoura crise política nacional que impede a discussão de pautas urgentes para a economia são as causas para o crescente distanciamento. "Esses erros que vão se somando do governo na política externa têm repercussões diretas na economia."

"Acho que o impacto é sério. O Brasil fez muitas apostas erradas no governo Bolsonaro e vem pagando caro por isso. Há uma fuga de capital, o nível de investimentos é o menor em décadas. Isso tudo contribui para a situação calamitosa em que nos encontramos. Pensamos que haveria uma contenção de problemas com a saída do Ernesto Araújo, mas as recentes falas de Bolsonaro e Paulo Guedes ao culpar o nosso grande parceiro comercial por uma crise mundial não contribuem", afirma.

Entre as polêmicas protagonizadas pelo ex-chanceler, Ernesto Araújo, podemos destacar sua "preocupação" com o que chamou de "comunavírus", em meio às milhares de mortes. Sobre a sua atuação no comando do Itamaraty, destacava que o diferencial da política externa nacional era a defesa da liberdade, mesmo que o País se tornasse um "pária internacional". Em outubro de 2020, numa formatura de novos diplomatas, chegou a destilar críticas à atuação do Itamaraty em governos anteriores, destacando que em sua gestão a nova abordagem internacional brasileira estaria obtendo resultados.

Philippe avalia que a degradação da imagem do Brasil a partir do seu posicionamento anti-China é preocupante para a pauta de exportações de commodities. Responsáveis por pelo menos da balança comercial brasileira, os chineses compram grandes quantidades de produtos como soja, carne, ferro, e há neles uma dependência do Brasil para conseguir tal quantidade de produtos. Os ataques da gestão brasileira ainda não geraram resultados econômicos mais importantes, pois a relação da China com outros países está abalada também. O professor destaca o caso da soja, em que os Estados Unidos são o grande concorrente do Brasil. Já no caso do minério de ferro, apareceria a Austrália.

Juliano avalia que, assim como nas relações interpessoais, o Brasil precisará retomar a confiança de seus parceiros, o que em alguns casos pode demandar tempo. Em sua opinião, a solução poderia vir a partir da troca do comando do Executivo em 2022. "Temos sido vistos como pária internacionais. Em raros momentos de nossa história fomos tão mal vistos no mundo. Há quase um consenso no mundo da visão negativa. É assustador o quão rápido isso aconteceu."

Emanuel Pessoa é mestre em Direito pela Universidade de Harvard e doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP)
Emanuel Pessoa é mestre em Direito pela Universidade de Harvard e doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP)

BATE PRONTO com Emanuel Pessoa

O POVO - Como o senhor analisa o atual movimento de diversos países em crítica às políticas ambiental e de controle da pandemia do Brasil e como isso poderia impactar relações comerciais?

Emanoel Pessoa - Rigorosamente, o Brasil é visto como uma potência ambiental, bem como é o país com mais área verde protegida. Assim, os demais países observam não apenas o Brasil, mas o que ele fala também. Por isto, a retórica de conflito adotada nos últimos anos reverbera mal. Com os fundos de investimento adotando critérios ESG, a percepção de que o Brasil não vai bem na área ambiental impacta em investimentos, bem como uma parcela grande dos eleitorados europeu e americano estando antenada com a questão ambiental acaba por colocar pressão política nesses países em relação a acordos comerciais e compras do Brasil.

OP - Até que ponto os contratos firmados ou negociações em andamento poderiam ser prejudicados com o desarranjo político?

Emanoel - O desarranjo político assusta os investidores, pois eles se preocupam com descumprimento de contratos, gastos públicos elevados e a postergação de reformas que acompanham a disputa política atual. No caso dos contratos, o maior risco é que a deterioração econômica leve as empresas a não terem condições de cumprir com suas obrigações. Além disso, há o temor de que o Brasil adote posições protecionistas que podem ser retaliadas pelos parceiros internacionais.

OP - Quão danoso é para o Brasil ser tão mal visto?

Emanoel - O risco se encontra na deterioração das expectativas. Todas as pessoas tomam decisões baseadas no que esperam que vai acontecer.

 

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