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Com índices importados, ESG no Brasil deixa de lado desmatamento, fome e corrupção
Reportagem

Com índices importados, ESG no Brasil deixa de lado desmatamento, fome e corrupção

Na tentativa de "abrasileirar" metodologias de países ricos, o pilar social aparece timidamente nas questões de equidade de gênero e empoderamento feminino, que são as maiores preocupações características de sociedades mais desenvolvidas, defende especialista
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Especialistas contestam posição do Brasil em índices de ESG (Foto: ©GiordanoCipriani)
Foto: ©GiordanoCipriani Especialistas contestam posição do Brasil em índices de ESG

Por Kate Monteiro e Sabrina Lorenzi, especial para O Povo, da Agência Nossa*

Febre no mundo corporativo, a sigla ESG – iniciais em inglês das palavras meio ambiente (enviromental), social (social) e governança (governance) – se apresenta como referência do capitalismo consciente. É um bom começo para começar a corrigir falhas históricas do mercado. Mas, no Brasil, as iniciativas e avaliações de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental precisam avançar muito para que reflitam de fato a realidade do País.

Índices e selos que medem sustentabilidade patinam em avaliações coerentes ao destacar por exemplo no topo de suas listas empresas danosas ao meio ambiente. Ou incluir em suas carteiras instituições que provocam, mesmo que indiretamente, desmatamento na Amazônia, um dos problemas mais urgentes do Brasil e do mundo.

No pilar social representado pela letra S o problema é ainda pior que a questão ambiental, pois os temas mais graves do Brasil mal são considerados nos índices que fazem avaliações ESG. Desigualdade de renda, combate à pobreza e erradicação da fome estão entre os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) menos priorizados pelas empresas brasileiras, de acordo com o questionário de um dos principais índices da sigla.

No começo de 2020, quando a BlackRock anunciou que o norte de seus investimentos seria a sustentabilidade, CEOs do mundo todo tomaram o mesmo rumo, nos rastro dos US$ 6,8 trilhões em ativos sob guarda da maior gestora do mundo. A busca por credenciais ESG se tornou obsessão nos negócios.

Desde então, um número cada vez maior de companhias definiram metas de remoção de carbono, mas o Brasil desmatou quase 17 mil quilômetros quadrados da Amazônia – equivalente a quatorze cidades do Rio de Janeiro – com recorde após recorde de destruição.

No mesmo período, empresas brasileiras apresentam o mundo encantado ESG, enquanto a pobreza aumenta, a fome volta, a inflação dispara. Ao mesmo tempo em que a responsabilidade social tem sido exaltada como troféu por executivos, informalidade no mercado cresce e a renda do trabalhador diminui.

“Temos problemas brasileiros e o ESG simplesmente fecha os olhos. Pegamos a pauta importada e quando olhamos para países onde o ESG está mais maduro, especialmente na Europa, as questões sociais são menos relevantes do que aqui”, aponta o gestor da Fama Investimentos, da Fábio Alperowitch, um dos principais críticos no tema.

Na tentativa de “abrasileirar” metodologias de países ricos, o pilar social aparece timidamente nas questões de equidade de gênero e empoderamento feminino, que são as maiores preocupações características de sociedades mais desenvolvidas, acrescenta o especialista.

O Brasil também precisa resolver questões de gênero, mas há outras tão ou mais urgentes que não entram na pauta ESG, que tratam das disparidades na economia e afetam a sobrevivência dos brasileiros.

Além da desigualdade de renda e da miséria, Alperowitch cita os problemas raciais, lembrando que enquanto na Europa a população negra representa no máximo 8%, no Brasil isso corresponde a mais da metade dos cidadãos.

Companhias integrantes da carteira vigente do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) declararam que utilizam a Agenda 2030 da ONU e os ODS como referências para identificar e integrar aspectos relevantes de sustentabilidade em seus negócios. No último questionário que serve para avaliação do índice deste ano, 93% delas responderam que possuem processos definidos e em andamento para integração dos ODS às estratégias, metas e resultados almejados.

Mas ao responderem o questionário do ISE, as companhias brasileiras disseram que entre os cinco ODS menos priorizados estão a erradicação da pobreza; fome zero com agricultura sustentável e redução das desigualdades. Junto com os objetivos sobre água limpa e saneamento evida debaixo d’água.

“Mais priorizadas´ e ´menos priorizadas´ é uma expressão que significa dizer se aquele ODS é ou não material para aquela empresa e se ela tem ações que estejam relacionadas àquele ODS. Não tem a ver com importância que a empresa dá ao ODS”, ponderou a B3, responsável pelo ISE, em resposta à Agência Nossa.

Na mesma linha, a quantidade de temas sociais abordados pelo ISE para avaliação das empresas é bem menor que temas considerados nas esferas financeira e de governança. A reformulação do índice, com nova metodologia para 2022, deverá dar mais equilíbrio ao ISE, revela o superintendente de sustentabilidade da B3, César Tarabay Sanches.

Até mesmo o índice considerado mais ESG não foca nas questões sociais mais urgentes para a sociedade brasileira. Dos índices ESG, apenas o Índice S&P/B3 Brasil ESG possui uma metodologia qualitativa, puramente baseada nos critérios social, ambiental e de governança, sem considerar a capitalização dos ativos. O índice também leva em conta os ODS da ONU.

“ODS relacionadas a saúde, educação, trabalho decente e cidades sustentáveis aparecem constantemente no cálculo”, aponta o diretor sênior da S&P Dow Jones Índices na América Latina, Paulo Sampaio, em entrevista à Agência Nossa.

Já as ODS de combate à fome e pobreza não são muito comuns, mas podem aparecer em alguns setores específicos, diz Sampaio.

*Esta reportagem faz parte da série Contradições do ESG, da Agência Nossa 

Índice social

O primeiro índice exclusivamente para temática social avalia justamente boas práticas das empresas como local de trabalho para seus funcionários. Realizado em parceria consultoria global Great Place to Work e a B3, o Índice GPTW B3 reúne as ações das melhores empresas para trabalhar. A primeira carteira do índice será divulgada em janeiro de 2022, 33 companhias devem fazer parte.

“Isso é muito mais importante que o social pensado na operação da empresa, do que se exigir medidas sociais pontuais, algum tipo de digamos patrocínio ou outras medidas sociais externas de empresas que na verdade não se sustentam, não são perenes, não mudam a forma da empresa pensar”, avalia o diretor da Comdinheiro.

Além deste, um novo social deve chegar ao mercado até 2024, o Índice de Diversidade e Inclusão.

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