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Endividamento dispara ao maior patamar em dez anos
Reportagem

Endividamento dispara ao maior patamar em dez anos

Com inflação e juros em alta| Em doze meses, o endividamento dos brasileiros com empréstimos e crédito bancário saltou de 31% para 37%. Falta de educação financeira é um problema, mas maioria (68%) dos endividados do Nordeste culpa a pandemia, aponta levantamento do Serasa/Opinion Box
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 26.11.2021: Movimentação na cidade sexta-feira de Black Friday.  Fila na praça do ferreira, multirão para limpar o nome do serasa. (Thais Mesquita/OPOVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 26.11.2021: Movimentação na cidade sexta-feira de Black Friday. Fila na praça do ferreira, multirão para limpar o nome do serasa. (Thais Mesquita/OPOVO)

O endividamento dos brasileiros com empréstimos e crédito bancário, exceto o imobiliário, é o maior em dez anos. Os dados são do Banco Central e levam em consideração a relação percentual entre a dívida e a renda familiar. Em agosto, esse percentual bateu os 37,02% e marcou o pico de um processo de comprometimento da renda que cresceu depressa. Há um ano o índice era de 31,08%.

Ampliando esse quadro, a Pesquisa Endividamento 2021, realizada pela Serasa e Opinion Box, revela que a pandemia foi fator determinante para o crescimento dos índices de endividamento e inadimplência (que é quando o consumidor não consegue pagar seu débito). Total de 68% dos nordestinos entrevistados culparam a pandemia por agravar suas condições financeiras, que já não estavam bem antes da crise.

E a dívida mais comum é com o cartão de crédito, uma das mais custosas para os inadimplentes. Em outubro, a taxa de juros do rotativo chegou a 343,55% ao ano, a mais alta desde 2017 e em elevação há quatro meses, segundo o Banco Central.

Os principais afetados com as dívidas de cartão de crédito são os jovens até 30 anos (29%) e moradores do Nordeste (31%), aponta o levantamento da Serasa/Opinion Box. Para o membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Lauro Chaves Neto, esse recorte demonstra um problema estrutural: a falta de educação financeira dos brasileiros.

Lauro destaca que esse endividamento tem motivo óbvio, que é o descompasso entre despesas e receitas, que estão deprimidas por conta das dificuldades econômicas. "É preciso trabalhar na raiz do problema: é uma questão cultural que precisa ser trabalhada desde a infância".

O professor da Uece ainda ressalta que essa mesma população endividada é a que tenta realizar todos os tipos de cortes de despesas, mas já chega o momento em que não há mais o que cortar. "Todo corte de gastos agora para as famílias deixou de ser de supérfluos". Na sua avaliação, essa retração no consumo em meio às altas de inflação e juros deve contribuir para o retardo da retomada econômica.

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A solução para quem está inadimplente é buscar renegociar em condições justas e um dos principais canais são as grandes mobilizações limpa nome. Na semana passada, mais de 15 mil acordos foram fechados na tenda do Feirão Limpa Nome da Serasa, montada no Centro de Fortaleza, o alívio para esses milhares cearenses que enfrentaram o sol e a pandemia para regularizar sua situação com credores foi o principal trunfo.

Segundo a Serasa, juntando os acordos presenciais e online, foram 167 mil negociações fechadas no Ceará e mais de 4,4 milhões no País, gerando descontos concedidos que passam dos R$ 7,9 bilhões.

Esse alento, porém, ainda não chegou para todos. Conforme pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 75,6% das famílias brasileiras estavam endividadas ao fim de novembro, o que representa 12,3 milhões de famílias nesta situação. O aumento entre outubro e novembro foi o 12º consecutivo. Em 12 meses, a alta no índice de inadimplência chega a 9,6 pontos percentuais (p.p.).

Para Luiz Deoclecio Fiori, consultor de negócios e sócio proprietário da OnBeHalf, empresa de auditoria e consultoria especializada em reestruturação empresarial e recuperação judicial, as perspectivas econômicas para 2022 são incertas.

"Ainda temos um ambiente de negócios com muitos pontos problemáticos que podem ter impacto negativo e atrapalhar a superação da crise financeira no País", analisa.

De acordo com a última pesquisa do Focus do Banco Central, analistas do mercado financeiro subiram de 9,17% para 9,33% a expectativa para a inflação deste ano. Quase 6 p.p. a mais do que a meta, que é de 3,75%. Isso faz com que as estimativas de juros para 2022 fiquem acima de 10% ao ano.

Essa expectativa negativa por conta do acelerar da inflação e dos juros já se reflete na confiança de quem vende. Com o consumo deprimido, a demanda cai e a economia não gira. O Índice de Confiança Empresarial (ICE) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) caiu 3,3 pontos somente em novembro. Em médias móveis trimestrais o indicador recuou pela segunda vez consecutiva.

O maior recuo na confiança ficou por conta dos empresários do setor de comércio, seguido pela indústria e serviços. O superintendente de Estatísticas Públicas do FGV/Ibre, Aloisio Campelo Jr., destaca que a queda das expectativas é maior desde março, período em que havia grande medo por conta da segunda onda da pandemia. "Desta vez, a preocupação maior é a própria economia, em fase de desaceleração sob influência da inflação elevada e do aperto monetário que vem sendo conduzido pelo Banco Central para contê-la".

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CUIDADOS COM O CARTÃO DE CRÉDITO

1 • É preciso ficar atento para que o limite do cartão de crédito não ultrapasse 30% do salário ou ganho mensal, evitando assim gastar mais do que se ganha. Além disso, se tiver apenas uma fonte de renda, o ideal é ter apenas um cartão.

2 • Cuidado com o parcelamento. Com essa grande facilidade, o endividamento, infelizmente, acaba se tornando uma realidade. Nesse caso, é preciso ter o comprometimento para arcar com essa despesa durante os meses futuros.

3• Um dos maiores erros cometidos em relação ao cartão de crédito é pagar a parcela mínima. As taxas de juros cobradas são uma das maiores, o que acaba levando à inadimplência. Caso não consiga pagar a parcela total, procure outra linha de crédito que não ultrapasse 2,5% ao mês;

4• Negocie com a operadora a anuidade do cartão. Hoje, é possível encontrar cartões que não cobram nenhuma taxa de manutenção. Também nunca empreste o cartão de crédito à outra pessoa, mesmo que seja conhecida;

5 • Uma forma educada financeiramente de utilizar o cartão é saber aproveitar os benefícios que ele pode oferecer, sejam milhagens ou prêmios. Mas lembre-se que essas vantagens têm data de validade, portanto é preciso ficar atento para não perder os prazos.

6 • Caso não consiga pagar a fatura total do cartão no vencimento, faça, imediatamente, um diagnóstico financeiro e descubra o verdadeiro problema. Além disso, busque uma linha de crédito com taxas de juros mais baixos;

7 • Evite compras por impulso. Com o bombardeio diário de ofertas e oportunidades na mídia, muitas vezes os jovens se deixam levar e adquirem um serviço ou produto que nem sempre é necessário. Para que isso não aconteça, é preciso se perguntar antes de qualquer compra: "Eu realmente preciso disso?" "Eu terei como pagar a fatura no mês seguinte?" "Estou comprando por vontade própria ou me deixando levar pelas propagandas ou terceiros?"

Fonte: Reinaldo Domingos, PhD em Educação Financeira, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) e da DSOP Educação Financeira. Autor de diversos livros sobre o tema, como o best-seller Terapia Financeira.

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