Com cerca de 7,5 mil km de costa e pouco mais de 40 portos marítimos ao longo de seu litoral, a navegação de cabotagem (entre portos) no Brasil ainda é responsável por apenas 11% do volume de cargas transportadas no País.
Para se ter uma ideia do quão pouco aproveitado é esse modal, somente o transporte rodoviário responde por 65% desse total, mesmo sendo, em média, cinco vezes mais caro deslocar um produto por estradas, em que cerca de dois terços delas estejam em estado regular, ruim ou péssimo.
Na última sexta-feira, 10, um projeto de lei com incentivos à cabotagem intitulado BR do Mar, em alusão às grandes rodovias que cortam o Brasil, foi sancionado (com alguns vetos) pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, trazendo expectativa de reduzir essa desproporção e baratear o custo de alguns produtos, inclusive itens da cesta básica.
O principal ponto que traz otimismo para quem trabalha direta ou indiretamente com o setor portuário é a redução da taxa conhecida como Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) que era de 25% e vai passar para 8% nos portos do Sul e do Sudeste. Cargas que tenham como origem ou destino portos do Norte e do Nordeste, por sua vez, isentas do pagamento dessa tarifa, em uma medida de estímulo econômico para essas regiões.
Para o diretor de logística da Câmara Brasil-Portugal no Ceará, Carlos Alberto Nunes Filho, “o Estado do Ceará é muito forte na navegação de cabotagem e o BR do Mar pode abrir outras possibilidades”.
Ele cita como exemplos a cabotagem de carga geral e as de ‘roll on’ e ‘roll off’. “Essa última consistiria em trazer, do Sul e do Sudeste do País, carros, equipamentos e caminhões, nos navios, para o Nordeste e distribuir em portos como Suape, em Pernambuco, e Pecém, aqui no Ceará”, exemplifica.
“A gente analisa tecnicamente que é um primeiro passo que vai gerar, sim, o incremento de novos navios das empresas que já estão instaladas no Brasil e também a oportunidade de negócios específicos. Existe uma questão no projeto que é você, como empresa de navegação que já tem um navio brasileiro, ter a oportunidade de trazer um navio estrangeiro e colocar na sua frota”, acrescenta.
A abertura para inclusão de embarcações de outros países na navegação de cabotagem é, contudo, um dos pontos que trouxe, segundo o especialista, alguma controvérsia no processo de debate do projeto, que vem sendo travado desde 2019.
“Hoje, quem está criticando o projeto está falando que já existe uma normativa de utilização de bandeira (para chamar uma embarcação estrangeira) que está sendo quebrada. Isso porque a legislação anterior já estabelecia um procedimento para você chamar uma nova bandeira, que é quando nenhum navio de bandeira nacional consegue atender aquela movimentação”, explica.
Com o 'BR do Mar', a propósito, não há mais condicionante para o aluguel de navios estrangeiros por empresas brasileiras que também não precisam mais possuir embarcação própria para operar com navegação de cabotagem.
Contudo, o projeto original estabelecia a previsão de que, pelo menos, dois terços da tripulação dos navios utilizados nessa modalidade de transporte de cargas fosse composta por brasileiros. Esse trecho foi, todavia, vetado por Bolsonaro sob a alegação de que geraria um aumento de custos para embarcações e reduziria a atratividade internacional.
Polêmica à parte, representantes dos portos cearenses aprovaram, em linhas gerais, o projeto e já fazem as primeiras previsões sobre os impactos que a nova legislação trará para a navegação e para a possibilidade de que novos negócios e parcerias sejam firmados.
O gerente de negócios portuários do Complexo do Pecém, Raul Viana, disse acreditar que “o projeto é positivo e oportuno para o desenvolvimento da cabotagem, ou seja, para a movimentação de cargas entre o Pecém e os outros portos. Com a aprovação do projeto, estima-se um crescimento de até 40% na cabotagem brasileira.”
Já a diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mahyara Chaves, projeta que “no caso do Porto de Fortaleza, o crescimento com a cabotagem deve ser em torno de 10% e algumas cargas, como combustíveis, já chegam nesse formato. O foco do porto é exportação e importação.”
MOVIMENTAÇÃO PORTUÁRIA NO CEARÁ 2021
Movimento acumulado (embarques)
7.259.889 toneladas
Movimento acumulado (desembarques)
15.157.188 toneladas
Total
22.417.077 toneladas
Cabotagem
12.173.305 toneladas
Navegação de longo curso
10.243.772 toneladas
Crescimento em relação a 2019
24%
Principais produtos (embarques)
Combustíveis minerais
Ferro fundido
Sal
Produtos da indústria de moagem
Volume transportado produtos (embarques)
1.442.582 toneladas
741.526 toneladas
570.939 toneladas
196.045 toneladas
Principais produtos (desembarques)
Minérios
Combustíveis minerais
Ferro fundido
Cereais
Volume transportado produtos (desembarques)
4.400.451 toneladas
571.415 toneladas
530.858 toneladas
518.461 toneladas
Totais movimentados (mês a mês)
Janeiro
1.429.639 toneladas
Fevereiro
1.695.098 toneladas
Março
1.870.429 toneladas
Abril
1.755.051 toneladas
Maio
1.708.897 toneladas
Junho
1.578.987 toneladas
Julho
1.621.442 toneladas
Agosto
2.161.698 toneladas
Setembro
2.190.896 toneladas
Outubro
2.095.848 toneladas
Novembro
2.297.396 toneladas
Dezembro
2.011.695 toneladas
Total de contêineres
244.811
Comparativo dos totais de contêineres (mês a mês)
Janeiro
20.096
Fevereiro
17.567
Março
19.421
Abril
19.353
Maio
16.257
Junho
18.269
Julho
21.379
Agosto
21.330
Setembro
22.484
Outubro
21.948
Novembro
23.543
Dezembro
23.164
Total de atracações
811
Comparativo do total de atracações (mês a mês)
Janeiro
65
Fevereiro
68
Março
60
Abril
66
Maio
66
Junho
54
Julho
59
Agosto
70
Setembro
73
Outubro
79
Novembro
80
Dezembro
71
Movimento acumulado (total em 2021)
4,9 milhões de toneladas
Crescimento em relação a 2020
12%
Total de contêineres (comparativo 2021/2020)
Crescimento de 41%
Total de carga geral (comparativo 2021/2020)
Crescimento de 40,5%
Movimento acumulado total (em 2021)
568
Fonte: Companhia Docas do Ceará
Principais pontos
Quem pode operar com cabotagem (navegação entre portos brasileiros) - Como era:
Empresas com sede no Brasil, embarcações próprias e com autorização da Antaq* / Como fica:
Empresas estrangeiras ou sem embarcação própria também podem operar alugando embarcações
Em que casos navios com bandeira estrangeira podem operar - Como era: Somente quando nenhuma embarcação brasileira puder fazer o transporte / Como fica: Podem ser alugados por tempo indeterminado
Quanto é o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) - Como era: 25% / Como fica: 8% para portos no Sul-Sudeste; 0% para portos no Norte-Nordeste
Trechos do projeto vetados
Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) - Como estava previsto: Incentivo fiscal valeria até 31 de dezembro de 2023 e poderia incluir novos beneficiários / Como ficou: Benefício não foi prorrogado
Composição da tripulação das embarcações - Como estava previsto: Deveria ter dois terços de brasileiros em cada nível técnico de oficialato / Como ficou: Não há limitação ao número de estrangeiros
EXPECTATIVA DE IMPACTO
Redução de 15% nos custos de cabotagem
Aumento de 40% na frota dedicada à cabotagem em 3 anos
Aumento de 66% no volume de contêineres transportados já em 2022
Previsão de redução média de 4% no preço da cesta básica por redução no valor do frete
Fontes: EPL, Antaq e SPE