Maria da Paz Pinto dos Anjos não nega o nome e se descreve como uma pessoa da paz. Mas no semblante a na história de vida se prova apaixonada pela luta.
Ela tinha 8 anos quando viajou quase 200km de Ibicuitinga a Fortaleza para "trabalhar em casa de família". De lá para cá, Da Paz, como é conhecida e chamada, acumulou anos de vida na luta pessoal para sobreviver e na coletiva por moradia. Junto ao trabalho com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), conquistou a casa própria em 2014, quando tinha 51 anos. Hoje tem 59.
Não desdenha da boa conversa, sem se intimidar pelo pouco estudo — abandonado no quinto ano do Ensino Médio. Trabalhou por 12 anos na casa da família que a recebeu aos 8 e hoje tem um círculo íntimo dela própria, com seis filhos e cinco netos.
Para além da família, desde 2014 um dos orgulhos é o lar, no Residencial Cidade Jardim I, no bairro José Walter, em Fortaleza. Até chegar a esse teto, passou quatro anos morando em um barraco, assim como outros ocupantes que, como ela, sonhavam com a chance de ter uma moradia.
A ocupação 17 de abril, como ficou conhecida começou em 2010. Foi a terceira de Da Paz, que antes lutara por moradias para a irmã e uma de suas filhas, que vivem hoje no conjunto São Cristóvão, em lares conquistados com muito suor.
"Quando surgiu uma outra ocupação, eu fui participar para ganhar para mim, que foi a ocupação do José Walter. Quando a gente ocupou no primeiro dia, fomos assistir uma reunião. A dona Jacinta, que era uma senhora do sindicato que participava do MTST, disse que com três meses dentro de uma ocupação a gente já não era a mesma pessoa. Aí, eu disse: 'Que tolice, se eu vou mudar só porque eu estou dentro da ocupação', mas ela estava falando a verdade. Eu mudei muito”, conta.
As mudanças não foram apenas intelectuais. Em quatro anos de espera, Da Paz desenvolveu anemia, já tratada, e problema nos dentes, dos quais trata atualmente. Antes do barraco na ocupação, viveu de favor e sobreviveu de bicos, com alguns patrões, com os quais criou amizades que carrega até hoje.
“Eu comentava com o meu patrão que tinha visto pessoas morando em barracos e que tinha ficado com pena. Hoje, eu digo pra ele, o seu Edilson, que as pessoas de lá que eram para ter tido pena de mim. Elas estavam na expectativa de ganhar uma moradia. Hoje, eu já sei porque já passei por isso. Tenho minha casa, é uma bênção de Deus, porque tudo mudou em minha vida. É muito bom deitar a cabeça no travesseiro e saber que não tem ninguém cobrando aluguel”, explica.
No MTST, Da Paz aprendeu a reconhecer o próprio valor, porque sentiu que a voz dela passou a ser ouvida. E passou a falar cada vez mais. “Eu não conseguia me defender, não conhecia meus direitos, não sabia que podia falar, que podia abrir minha boca e falar. Eu achava que alguém podia não gostar e que eu ia me dar mal", conta, sobre os pedidos de autorização para deixar o trabalho para se reunir com os companheiros.
Apesar do engajamento em conjunto, Da Paz tem as lutas só dela. Quando, no ano passado, perdeu uma neta de apenas 17 anos, passou por quadro depressivo. A leucemia levou um dis cinco netos, após dois anos de batalha.
Outra luta de Da Paz é contra o racismo. “Quando mais jovem, eu não sabia que aquela maneira que eu estava sendo tratada era com preconceito. Mas eu conheci o movimento, onde a gente conversa e troca ideias, aí eu passei a ver que eu fui tratada com muito preconceito durante muito tempo. Não é todo dia, porque têm pessoas que têm a cabeça maravilhosa, que não precisam desse tipo de coisa, mas a maioria tem”, critica.
Hoje, Da Paz entende a dimensão do lutar. “Eu não entendo muito de política, porque a minha escolaridade é pouca, mas eu enxergo a mulher como ser político, porque acaba virando política essa luta da gente, principalmente porque somos muito comentadas e até criticadas durante elas. É assim que eu posso enxergar. Eu penso que enquanto tiver (luta por) justiça nesse País e pessoas precisando de moradia, na hora que me chamar, eu vou”, completa.