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Escalada do custo da construção no Ceará completa 2 anos de altas sucessivas
Reportagem

Escalada do custo da construção no Ceará completa 2 anos de altas sucessivas

| Inflação | Mesmo entre os mais baixos do País, metro quadrado construído tem preço médio elevado mês a mês desde março de 2020 e carestia atinge obras desde o acabamento mínimo até o alto padrão
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Custo maior no preço da unidade deve afetar principalmente construtoras inexperientes (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Custo maior no preço da unidade deve afetar principalmente construtoras inexperientes

Como a maioria dos itens básicos do consumo das famílias, os insumos da construção tiveram os preços em altas consecutivas mês a mês nos dois últimos anos no Ceará. O comportamento gerou um efeito imediato no valor do metro quadrado construído no Estado que, entre março de 2020 e março de 2022, saltou de R$ 1.082,07 para R$ 1.422,67 – uma expansão de 30,99%.

Os dados do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), que servem de referência para cálculo e negociação de imóveis novos e usados em todo o País, demonstram o quanto mais caro está construir ou mesmo reformar.

Em 2021, o que parecia ser reflexo da demanda maior por reformas e compras identificada em 2020 após a baixa histórica da taxa de juros básica virou um movimento de alta consolidado, como demonstram os números compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Ceará, a elevação do custo de construir atingiu um patamar ligeiramente maior do que a média nacional entre 2020 e 2021, apesar de o valor médio do metro quadrado construído no País ser mais caro. Definida em 30,47%, a variação é calculada a partir dos R$ 1.549,07 (março de 2021) e dos R$ 1.169,15 (março de 2020).

A última pesquisa aponta o Ceará com o 24º maior custo de construir do Brasil ou o 4º menor entre as 27 unidades da federação investigadas pelo IBGE. Com valores menores estão apenas Rio Grande do Norte (R$ 1.375,82/m²), Sergipe (R$ 1.378,32/m²) e Pernambuco (R$ 1.402,05/m²).

Todos os nichos afetados

A carestia no custo da construção afetou ainda todos os nichos do Sinapi para o Ceará. Aumento dos custos para a construção foram observados entre abril de 2021 e março de 2022 nas residências de alto padrão (14,76%), acabamento normal (12,15%), baixo padrão de acabamento (13,09%) e até do padrão mínimo (14,11%). A classificação se dá a partir da qualidade dos itens utilizados no acabamento, assim como nas opções de piso morto, cimento, porcelanato, etc.

“Isso atrapalha tudo porque você quando tem custo maior não consegue ver isso refletido no ganho dos salários das pessoas. Então, você restringe a venda”, lamento Patriolino Dias e Sousa, presidente do Sindicato da Construção no Ceará (Sinduscon-CE).

Ele aponta como principal motivo das altas de preços dos metros quadrados construídos em todos os nichos de consumo a elevação dos insumos para o setor, especialmente o aço (120%). No entanto, observa que o cenário só não foi mais drástico no Estado devido ao estoque de habitações que o setor detinha desde 2015.

 

O bom momento do setor entre 2012 e 2015 fez com que incorporadoras e construtoras investissem no lançamento de novas unidades nesse período, que foi “diminuindo sensivelmente até 2019.” A nova onda de lançamentos foi interrompida pela pandemia e só aconteceram entre o segundo semestre de 2020 e 2021, aproveitando novamente o momento pertinente pela baixa histórica dos juros básicos.

Novo aumento e imprevisibilidade

Patriolino ainda aponta um novo aumento previsto para 2022 que deve entrar na conta das construtoras no momento de calcular o preço do imóvel: a mão de obra. Uma alta entre 8% e 10% é observada por ele para este ano, o que agrava a previsibilidade da indústria da construção diante de cenário de alta seguida dos juros e inflação.

“Atrapalha tudo porque deixa de ter previsibilidade, porque passamos um bom tempo tendo para ter instabilidade. Isso faz ainda com que os investidores prefiram CDB do que arriscar numa incorporação”, diz.

Outro fator levantado pelo empresário e que deve complicar a vida dos consumidores no futuro é o prejuízo das construtoras que já venderam imóveis na planta, com condições de um cenário favorável de juros baixo e previsibilidade, e agora amargam a elevação de preços em pleno curso da obra.

Sem poder fazer alterações no contrato atual, as empresas devem reaver os gastos nos próximos empreendimentos ou na venda das unidades já prontas. No entanto, o presidente do Sinduscon-CE avalia bem o momento ao imaginar uma situação mais drástica a ser enfrentada: “Se tivéssemos com estoques maiores, com insumos caros e Selic em movimento de alta, estaríamos em um momento complicado.”

 

Vendas de produtos da construção civil crescem 38,9%. A alta demanda e pressão das exportações esvaziaram os estoques nas lojas. O principal produto em falta é a cerâmica. (Foto: Júlio Caesar)
Vendas de produtos da construção civil crescem 38,9%. A alta demanda e pressão das exportações esvaziaram os estoques nas lojas. O principal produto em falta é a cerâmica. (Foto: Júlio Caesar)

Redução de preço e comportamento do consumidor devem manter vendas de materiais de construção

A lei da oferta e da procura deve beneficiar os consumidores nos próximos meses, segundo avalia o varejo dos materiais de construção. Com a elevação de preços de itens básicos para a realização de obras e reformas - 70% das vendas feitas são a pequenos construtores e proprietários que buscam reformar as residências -, o setor acredita numa redução de preços para atrair os clientes e manter os indicadores de 2022 semelhantes ao de 2021, quando o faturamento girou em torno de R$ 5 bilhões no Ceará.

"Nós percebemos que deve haver alguma redução de preço no material de construção e isso talvez fomente mais a compra, sem perdemos o centro de realidade que é não repetir os números de 2020 e 2021", avalia Carlito Lira, vice-presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco) e diretor da ConstruTop.

Isso porque os dois últimos anos representaram períodos históricos de crescimento, quando ultrapassaram os 60% de expansão. De acordo com ele, a inflação média acumulada nos materiais de construção chegou a 28% em 2020 e 21% em 2021. "Praticamente acumulamos 50% de inflação nesses dois anos. Claro que isso tem impacto, não resta dúvida. Se a renda não cresceu na mesma intensidade, existe um 'gap' entre o poder de compra e o valor do material de construção em si."

Ele reconhece ainda um aumento dos preços no início de 2022, com destaque para aço (mais de 80%), tubos e conexões (60%) e pisos (22%). As altas deixaram o consumidor mais tímido nas compras, segundo ele, mas uma baixa nos preços pode fazer com que isso não resulte em retração neste ano. Enquanto isso, ele calcula que a diminuição das vendas vai reduzir a demanda do varejo sobre a indústria, causando um efeito em toda cadeia produtiva.

Lira se diz preocupado com 2022 especialmente por "trazer novos desafios para a economia", citando principalmente os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia e as eleições no Brasil.

"A disparada dos custos dos insumos do cimento, aliados a uma forte estabilidade do cenário político e econômico, não nos autorizam um prognóstico de bom desempenho como os verificados nos últimos 3 anos. A ambição da indústria em 2022 é manter a sustentabilidade do setor frente a um ambiente terrivelmente pressionado", concorda Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC). Em nota, o setor reclama da pressão dos insumos, especialmente o coque de petróleo, cujo aumento chega a 37% apenas em 2022.

No entanto, o vice-presidente da Anamaco diz ter analisado pesquisas nas quais a construção civil figura entre os cinco setores produtivos - juntamente com saúde, educação, previdência e tecnologia - que devem continuar movimentando positivamente a economia neste ano.

Outro ponto que deve dar sustentação à perspectiva de crescimento é o comportamento do consumidor cearense. Lira avalia, como exemplo, que a diminuição do interesse por reformas se dá pela retomada das atividades econômicas e, após dois anos de foco na residência, uma viagem em família se torna mais atraente.

Mas a consciência de investir na casa ou apartamento como melhoria de vida e valorização do imóvel mudou o entendimento dos consumidores e isso deve se tornar um dos gastos constantes, avalia.

Essa movimentação, inclusive, despertou o interesse de grandes varejistas pelo mercado cearense e a chegada deles ao Estado acirrou a competição, o que faz com que o setor se profissionalize mais e ofereça preços mais competitivos.

"Apesar desse momento que a gente tá passando, a gente acredita que esse ano ainda tem espaço para o comércio do material estar bem-posicionado na economia brasileira."

 

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