Que a dinâmica social e econômica da periferia das grandes capitais têm seu próprio mecanismo é fato. E foi justamente em busca de soluções para sua população que um bairro carente de Fortaleza, o Conjunto Palmeiras, lançou, em 20 de janeiro de 1998, a primeira moeda social do País, a Palma, e paralelamente, o banco comunitário de desenvolvimento, o Banco Palmas.
Em 25 anos, a instituição impacta a vida de mais de 10 mil pessoas e movimenta R$ 35 milhões, em duas linhas de crédito, o produtivo, que move R$ 25 milhões; e o para consumo, com R$ 10 milhões.
Nos primeiros 20 anos, o Banco Palmas aumentou em 120% os números de operações. Atualmente, por mês, as movimentações financeiras relacionadas a pagamento de contas, empréstimos e compra no comércio local é de R$ 1,5 milhão.
Hoje, no bairro, residem mais de 36,5 mil pessoas, que vivem com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,119. Ou seja, em parâmetros que medem a transformação de longevidade, educação e renda ainda baixos, pois o IDH varia entre 0 (pior) e 1 (melhor).
Entre os registros formais de estabelecimentos junto à Prefeitura Municipal de Fortaleza são 178 inscrições comerciais, oito de prestação de serviços e cinco indústrias.
Atualmente, com ampla adesão da população residente do bairro e participação social, a moeda cumpre o seu papel de democratizar a economia popular e solidária e dar acesso aos serviços financeiros e bancários.
Circulação do dinheiro
O fundador do Banco Palmas, Joaquim Melo, conta que tudo começou após o resultado de uma pesquisa pelas ruas do bairro, em que foi identificado que 93% de tudo que os produtos que os moradores compravam era consumido fora da comunidade.
"Isso fazia com que a população perdesse suas poupanças por comprarem externamente. Entendemos, assim, que não éramos pobres, mas nos empobreciamos”, declara.
Para solucionar o que os diferenciava de outros territórios e estimular a economia local a solução foi assertiva e proporcionou mudanças profundas sociais para àqueles que na década de 1970 tinham deixado a região litorânea para ocupar a região e criar um novo bairro com cerca de 25 mil habitantes.
Ao longo dos anos foram realizados mutirões comunitários que foram criando escolas, casas de parto, igrejas e creches para a comunidade. E no fim da década de 1990, o bairro já estava urbanizado mas com a população ainda muito debilitada economicamente.
Melo recorda-se que, diante daquele cenário, resolveram criar o Banco Palmas em homenagem ao Conjunto Palmeiras, com essa filosofia de estimular a produção e o consumo local.
"Começamos pegando R$ 2 mil emprestados e iniciamos os primeiros empréstimos, depois veio ajuda da Cooperação Internacional e assim o banco foi se desenvolvendo", celebra.
Aos poucos a adesão foi se intensificando e a partir de 2010 veio uma grande conquista, o contrato firmado com com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que possibilitou a saída dos recurso próprios para a instituição nacional.
"Pela primeira vez um banco comunitário conseguia R$ 2 milhões emprestado para microcrédito, o que foi importante para o crescimento do banco.
Em 2016 começou a transição da moeda em papel para a digital, Palmas e-moeda, dentro do marco regulatório, e hoje toda a movimentação ocorre 100% de forma digital, o que proporcionou o uso, além dos bancos espalhados pelo Brasil, das prefeituras.
Impacto social
A presidente da Somos Um, que trabalha com impacto social, Ticiana Rolim, explana que é difícil para uma pequena empresa ou empreendedor e, principalmente, para uma pessoa da periferia ter acesso a recursos.
"O processo de triagem dos grandes bancos dificulta a obtenção de crédito por parte dos mais pobres, intensificando a desigualdade até no momento de conseguir a oportunidade de financiamento", diz.
A executiva avalia que o Banco Palmas é diferente e confirma que a instituição financeira do Conjunto Palmeiras atua na promoção da autoestima, saúde mental e confiança mútua, além da construção da dignidade e dos sonhos da população.
“Eu acredito que o Banco Palmas é um dos maiores instrumentos de diminuição de desigualdade e combate a pobreza no Ceará”, enfatiza.
O diretor técnico do Sebrae-CE, Alci Porto, concorda que o banco é um importante gerador de crédito produtivo para a comunidade e que normalmente encontra barreiras para apresentar as garantias de pagamento que os grandes bancos procuram, reiterando a fala da presidente do Somos Um. “É na agilidade de fazer o dinheiro circular que o banco comunitário é referência em relação ao banco formal.”
O Sebrae participa do desenvolvimento econômico local apoiando os pequenos empreendimentos, onde a alternativa de renda é focada nas atividades produtivas, por meio da formação e preparação de empresas e empreendedores nos bairros fortalezenses.
Em relação à moeda digital, Porto ressalta a possibilidade do local fazer negócios no seu entorno. “É feita no comércio do território que ele atua fazendo com que as pessoas não precisem ter a disponibilidade de recurso, de dinheiro na hora”, diz o diretor técnico.
Essa oportunidade está relacionada ao fato de que a instituição financeira aposta no desenvolvimento territorial ao aproximar serviços financeiros dos mais pobres.
"Em 25 anos de história, o Banco Palmas transformou a vida de uma comunidade e seus indivíduos e fez de um modelo de transformação social um processo de mudança permanente no cotidiano cearense", finaliza Porto.
Empreendedorismo como oportunidade de vida
A proprietária da Bolaria Bolo Bolo, Márcia Maria Dutra Rodrigues, é expert em bolos caseiro tradicionais e salgados, e comercializa os produtos em uma pequena lanchonete que fica na casa de sua mãe, no Conjunto Palmeiras.
Depois de ficar desempregada, começou a fazer salgados e bolos para ter uma renda. Trabalhando de segunda-feira a sábado, das 7h às 19h, vende para os vizinhos, vendedores, entregadores e visitantes que passam pelo bairro.
O contato com Banco Palmas foi desde início de sua fundação. “Trabalhei décadas atrás no centro de nutrição do Conjunto Palmeiras e todas as instituições se conheciam. Eu já utilizei do banco empréstimo, moeda social e pagamentos”, afirma.
Para começar a lanchonete fez um pequeno empréstimo, depois começou a usar a moeda social, na época era o papel, depois a moeda virtual, o E-dinheiro. Muitos dos seus clientes pagam utilizando o E-dinheiro, hoje em dia.
Márcia acredita que a moeda própria estimula e muitos os negócios. “Depois que passou a ser virtual melhorou ainda mais, pois os comerciantes não precisam mais se dirigir ao banco para fazer a troca da Moeda Palmas para dinheiro convencional”, conta.
Com o dinheiro virtual, à medida que recebe, faz pagamos e avalia ser uma grande facilidade, tanto para o comerciante, quanto para o cliente.