Apesar de estarem em todos os lugares, em cada bairro de Fortaleza, os dados sobre comerciantes de comida de rua ainda são incipientes nas fontes oficiais do Ceará.
Mas a realidade mostra o contrário: eles são muitos e estão dentro de um amplo universo de informais e microempreendedores individuais (MEIs), que, no Estado, encerraram 2022 com 448.951 mil registros, numa alta de 10% ante 2021 (408.037), segundo dados do Portal do Empreendedor, do Governo Federal.
Estão ainda entre os segmentos que mais são criados no Estado, no top três de aberturas de MEIs no ano passado, liderado por comércio varejista de artigo e vestuário (38.176 formalizações), seguido de cabeleireiro, manicure e pedicure (28.001), comércio varejista de produtos em geral, com destaque para produtos alimentícios (27.245), e promoção de vendas (16.505).
Ainda se encontram num grupo que representa 58,8% dos negócios ativos no Brasil, além disso, 76,1% das empresas abertas no segundo quadrimestre de 2022 foram de MEIs. Porém, dados específicos de quem vende comida nas ruas do Ceará não há.
Para se ter ideia, em Fortaleza, somente em uma visita à Cidade 2000, na famosa praça do bairro, há mais de 20 barracas, número máximo permitido pela Prefeitura no espaço. No local, a culinária mais explorada pelos ambulantes é a oriental, tendo cinco barracas dedicadas somente à Yakissoba.
Vanda Rufino de Lima, 55 anos, dona do trailer Yakissoba Expresso, é a única comerciante que começou seu negócio do outro lado da rua, perto do ponto de ônibus na Praça da 2000.
A vendedora, que trabalhou como empregada doméstica antes de virar ambulante, hoje em dia opera em um trailer perto do prédio da Polícia Civil.
A empreendedora é uma das muitas não contabilizadas de forma efetiva pela Prefeitura de Fortaleza. Mesma prefeitura que, por outro lado, capacita ambulantes para os mais variados eventos que ocorrem na capital cearense.
Procurada, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) foi um dos muitos órgãos a não ter dados sobre quem realiza a atividade de alimentação na rua, até que parou de responder ao O POVO.
Sobre Vanda, a sua relação com o governo municipal tem no histórico tentativa de impedir a disposição do seu trailer no local atual, alegando que fariam barracas para todos os permissionários da praça. Mas o marido, Erialdo, teimou e disse: “Eu fico no meu trailer até sair essas barracas."
Em relação ao faturamento mensal, o casal arrecada entre R$ 3,2 mil e R$ 4 mil e tira todo seu sustento para custear uma família de 10 pessoas.
Apesar de não terem feito cursos na área, o conhecimento culinário veio do trabalho de Erialdo no China in Box, mas Vanda tem a intenção de se aprofundar.
Para renovação de trailer e compra de mantimentos, a empreendedora fez o financiamento de R$ 5 mil no CrediAmigo do Banco do Nordeste (BNB), e pagará R$ 6 mil em seis vezes. “Os juros são pesados para o comerciante”, reconhece.
Na busca por melhorar a vida destes trabalhadores, o economista Ricardo Coimbra diz que as prefeituras poderiam realizar capacitações, cadastro e, de repente, criar programas de financiamento para esse público.
Além disso, fazer da formalização um dos passos desse processo. Porém, sem dados, fica o questionamento de como criar políticas públcias adequadas.
Uma das alternativas apresentadas pelo professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) é fazer ações junto a outras iniciativas como com a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre outras entidades.
No caso do CrediAmigo, usado pela dona do Yakissoba Expresso, é visto como uma outra porta de desenvolvimento para os ambulantes. Mas, a instituição de fomento também não possui nenhum recorte sobre este público em seu banco de dados.
Ainda na Cidade 2000, o companheiro de praça de Vanda e dono do Pastéis do Robson e da Cleide, Robson Santos Barbosa, 48 anos, trabalha como microempreendedor em seu trailer de pastéis, há 23 anos. O até então músico tocava em uma lanchonete na Santos Dumont, porém, os assaltos constantes o afastaram.
“Pedi à minha esposa que botasse uma mesinha na praça e pastéis com três recheios: carne, frango e misto”, conta Robson sobre o início do comércio na rua.
No começo da jornada, o ex-músico pedia conselhos e sugestões aos clientes, assim surgiu a ideia de montar pastéis na hora com diferentes recheios. “O primeiro dia dessa nova ideia foi tão surreal que a Polícia veio perguntar o que estava acontecendo, achando que era briga, e eu tive que explicar que era só pastel”, detalha.
O empreendedor explica que o conhecimento culinário vem de sua família que trabalha com gastronomia, que nunca fez cursos. “Não fizemos curso mas conhecemos bem a culinária.”
Apesar da falta de conhecimento formal, o comércio de pastel emprega quatro pessoas, sustenta a família de Robson e gera um faturamento mensal bruto de R$ 28 mil. “Nós vivemos daqui (da praça)”, finaliza o microempreendedor.
Ele é um dos perfis que se encaixam em programas do Sebrae e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que também trabalham diretamente com esse grupo, oferecendo consultorias e cursos, mas as entidades também estão entre as que não possuem qualquer tipo de levantamento sobre os vendedores de comida de rua.
Vale salientar que Robson não está no universo do Microempreendedor Individual (MEI), que é caracterizado por ser empreendimento de um único dono e que fatura anualmente até R$ 81 mil.
Ele é o único dos entrevistados que se enquadram na categoria Microempreendedor (ME), ou seja, que pode ter até 10 funcionários e arrecada até R$ 360 mil por ano.
Diante deste cenário, O POVO procurou a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec) para saber quantos MEIs e MEs são voltados para venda de comida na rua. Porém, o único dado fornecido foi que, em 2022, havia 2.281 formalizados como ME no Ceará, mas sem especificação do tipo de atividade.
Para essa reportagem, O POVO ainda procurou saber o cenário dos vendedores de comida de rua junto à Secretaria Municipal de Gestão Regional (Seger), órgão responsável por fazer o ordenamento dos permissionários em Fortaleza, mas não obteve informações até o fechemento desta edição.
Na busca por informações, ainda foi acionada a Secretaria de Finanças do Município (Sefin), que direcionou O POVO para a Seger.
Já o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), responsável por executar políticas públicas nas áreas do trabalho e empreendedorismo no Ceará, apesar de reconhecer que o tipo de negócio tem peso no Estado, pois não são nenhum pouco invisíveis aos olhos, não há dados da quantidade de pessoas trabalhando com comida de rua.
Para se legalizar online
1 Acessar o portal (www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/empreendedor)
Clicar no ícone: Quero Ser MEI
2 Ver os requisitos e se você se encaixa neles (faturar até R$ 81 mil por ano, não ter participação em outra empresa como sócio ou titular)
3 Pesquisar quais são as atividades permitidas para essa modalidade. É possível registrar uma ocupação principal e até 15 secundárias
4 Separar os documentos necessários:
Pessoal: RG, dados de contato e endereço residencial
Empresarial: tipo de ocupação, forma de atuação e local onde o negócio é realizado
Observação: É necessário ter conta no site gov.br. Se já possui cadastro, é necessário ter o nível Prata ou Ouro
5 Fazer um cadastro. Após a realização do cadastro, entrar no Portal do Empreendedor e clicar em Formalize-se.
6 Definir um nome fantasia e atividades que desempenhará como MEI. E o CEP residencial e endereço que funcionará a empresa.
7 Emitir o certificado de Condição de Microempreendedor Individual (CCMEI)
Os problemas recaem também sobre o entregador
O que mais falta no trabalho do entregador de alimento é compreensão e humanidade por parte da população, principalmente dos clientes, ressalta o entregador Rodrigo Filho, 34 anos. A invisibilidade de dados que permeia a vida do comerciante de comida de rua, também afeta o entregador.
Nesse período de chuva, com diminuição de clientes in loco e aumento de entregas, a situação desses trabalhadores se deteriora, segundo relata. Com os riscos impostos pelas precipitações em uma cidade com má escoação como Fortaleza, é necessário diminuir a velocidade para preservar a integridade física do entregador e da mercadoria.
De acordo com Filho, as empresas não cobrem os custos caso algo aconteça com os produtos no processo de entrega. "Se o entregador cair, o prejuízo é todo dele. O proprietário do estabelecimento onde ele está trabalhando naquele momento não vai arcar com nada."
Muitos clientes, detalha o profissional, ainda reclamam do atraso nos pedidos sem considerar os obstáculos que aquele trabalhador passou para chegar até lá. Trânsito, Blitz, adversidade climáticas, entre outros problemas que permeiam o dia a dia da atividade do entregador.
Outro ponto de reclamação para Filho são as taxas de entrega que eles recebem. Apesar de os donos do negócios que os empregam repassem os valores, o montante ainda é considerado baixo por ele e sua categoria.
Onde fica
Pátio Barão de Aquiraz é um food park (parque de comida), que fica na Estr. Barão de Aquiraz, 1062, bairro Paupina, em Fortaleza.
Estudo
Estudo Ibre/FGV mostra que entre desafios do Nordeste estão a informalidade, a renda abaixo da média nacional.