A segunda parte de um dos maiores julgamentos realizados pelo Tribunal de Justiça do Ceará será iniciada na manhã de hoje, às 9 horas. Oito policiais militares acusados de terem participado da "Chacina do Curió", ocorrida entre a noite de 11 de novembro e a madrugada de 12 de novembro de 2015, serão levados ao banco dos réus. A primeira sessão aconteceu no dia 20 de junho e condenou quatro réus a penas de 275 anos e 11 meses de prisão, com regime inicialmente fechado, decretação de prisão provisória e perda do cargo de policial militar.
A acusação que pesa contra os oito acusados a serem julgados nesta segunda sessão é de omissão do dever de agir. De acordo com a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), "mesmo com frequentes chamados da população — vítimas, seus familiares, vizinhos e amigos — os policiais se omitiram de prestar assistência a feridos e a pessoas em situação de grave e iminente perigo".
Thiago Aurélio de Souza Augusto, Thiago Veríssimo Andrade Batista Carvalho, Gerson Vitoriano Carvalho, Gaudioso Menezes de Matos Brito Goes, Josiel Silveira Gomes, José Haroldo Uchoa Gomes, Ronaldo da Silva Lima e Francinildo José da Silva Nascimento serão ouvidos perante um colegiado formado por três juízes. Além deles, seis vítimas sobreviventes e 12 de testemunhas de acusação e defesa também darão declarações no julgamento que deve durar, em média, 10 dias.
O caso foi desmembrado em três para acelerar os trâmites e individualizar as participações de cada grupo na sequência de mortes, desencadeada pela morte do soldado da Polícia Militar Waltenberg Chaves Serpa, durante um assalto contra a esposa dele. Segundo a denúncia do MPCE, um grupo de PMs montou um plano de vingança, entrou nos bairros Lagoa Redonda, Curió e no Conjunto São Miguel e, com a identidade escondida sob balaclavas, matou a esmo 11 pessoas, na maioria jovens.
Inicialmente, o MPCE denunciou 45 acusados de participação na chacina. Os crimes se referem a 11 homicídios, três tentativas de homicídios, três crimes de tortura física e um crime de tortura psicológica. No decorrer do processo, a Justiça proferiu decisão de pronúncia para 34 réus e impronunciou os outros 10 por ausência de indícios suficientes de autoria ou de participação nos delitos. Dos pronunciados, três tiveram declínio de competência para a Vara de Auditoria Militar e um faleceu durante a tramitação. Restando, portanto, 30 acusados para serem julgados na Justiça Estadual.
Destes 30, 20 serão julgados nos três tribunais do júri já marcados. Outros sete seriam réus a partir de hoje, mas ainda pende recurso sobre os respectivos casos em instâncias superiores. Os outros três foram desclassificados para a Vara de Audiência Militar, com trâmite em separado.
"A Procuradoria Geral de Justiça criou uma força-tarefa com sete membros para atuar no caso. O grupo é formado por promotores com vasta experiência em tribunais de júri. Antes da nomeação, os promotores do caso se reuniram com representantes do movimento Mães do Curió e da Anistia Internacional para somar forças nesse momento de grande expectativa para os parentes das vítimas e para todo o sistema de justiça", informa o MPCE por meio de nota.
A diretora do Fórum Clóvis Beviláqua, juíza Solange Menezes, ressaltou o esforço para manter a estrutura necessária para atender a demanda gerada pelo caso. "Houve fortalecimento da segurança, do número de equipes e de servidores que atuarão durante a realização do julgamento. Serão disponibilizadas ainda equipes médicas, com enfermeiros, ambulância e outros serviços que ficarão disponíveis para o público que acompanhará os trabalhos. Recebemos 805 cadastros de pessoas interessadas em acompanhar as sessões, que terão início em 29 de agosto e 12 de setembro", afirma a juíza.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará vai atuar com três assistentes de acusação no júri deste dia 29. Todos os réus têm advogados particulares constituídos e a Instituição integrará a acusação, como defensora dos Direitos Humanos, conferidos às vítimas sobreviventes e às mães dos mortos no episódio.
Um grupo chamado Rede Acolhe foi criado na Defensoria para atender às mães das vítimas da Chacina do Curió. Desde então, já deu assistência a vítimas de violência em muitos outros casos em Fortaleza e no Interior. "Montamos uma rede para oferecer assistência jurídica e psicológica a elas, mas o projeto se expandiu. Estaremos no júri como assistentes de acusação e, por meio da Rede Acolher, levaremos uma equipe para oferecer assistência psicológica aos familiares, durante todo o julgamento", disse a defensora pública Lia Felismino, que integra a Assessoria de Relacionamento Institucional.
Júris mais longos do Ceará
Os quatro júris mais longos da história do Estado ocorrerão, praticamente, em sequência. Até o momento, a mais longa sessão de Tribunal de Júri no Estado é o primeiro julgamento da Chacina do Curió, iniciado no último dia 20 de junho. Foram 63h20min de julgamento até o veredito. A expectativa é que este julgamento supere-o, já que existe a possibilidade que ele possa durar mais de 10 dias.
No próximo dia 12 de setembro, mais oito PMs acusados de envolvimento na chacina serão julgados. Já na última semana, ocorreu aquele que, até aqui, é o segundo júri mais longo da história do Estado. Entre os dias 23 e 25 de agosto, seis acusados de matar três PMs na Vila Manoel Sátiro, em 2018, foram julgados e condenados.
As vítimas da Chacina do Curió